Canal de Opinião
Por: Noé Nhantumbo
Em Moçambique nada poderia ser mais artificial…
Uma engenharia da crise condena pessoas a miséria atroz…
Beira (Canalmoz) – Nunca se mentiu tanto em tão pouco tempo em Moçambique sobre uma suposta crise financeira. Reconheçamos que sucessivos ministros das Finanças, primeiros-ministros e dois PR’s ainda não conseguiram “acertar na bola”.
Também convém notar com responsabilidade que sucessivas equipas governamentais em Moçambique não têm demostrado interesse genuíno em fazer diferente do que está sendo feito. Parece que existe uma confraria activamente engajada em tirar proveitos particulares de uma crise que deveria ser debelada com facilidade. Estranhamente tudo se conjuga para que a miséria da maioria constitua fonte de enriquecimento permanente de uma ínfima minoria.
Tudo tem uma génese e as diferentes crises que Moçambique tem atravessado não poderiam ser imunes a isso.
A novidade persistente na crise moçambicana que neste momento é financeira mas sobretudo política é que se desconhecem as suas causas. Ou quem as conhece guarda segredo.
Se do lado da crise política estejamos todos mais ou claros, com a Frelimo e seu governo fazendo joguinhos de entretenimento, adiando tratar de questões que um dia terão de fazê-lo, da crise financeira já é mais difícil encontrar explicação suficientemente clara.
Se antes a crise ou penúria generalizada em que se vivia era atribuída à guerra civil desde 1992 que não se pode falar de existência de guerra em Moçambique. As armas calaram-se mas a miséria da maioria não desarma ou abandona as manchetes dos jornais.
Através de uma demagogia institucionalizada passou-se a tratar da pobreza da maioria como tema preferido dos discursos oficiais do governo e de muitos dos aspirantes a políticos. Era como que preciso repetir aos quatro ventos que a questão principal era o combate contra a pobreza primeiro alegadamente absoluta e agora simplesmente pobreza sem outro adjectivo.
Política ou pretensões políticas não são de concretização linear e muitas vezes objectivos anunciados ou enunciados simplesmente jamais veem a luz do dia.
Em tudo o que refere a crise de recursos financeiros, sua exiguidade, dependência em relação a doadores e credores externos há uma “salada russa” de questões que importa esclarecer se queremos “clarificar a costa”.
Não faz sentido algum que quem seja detentor de recursos naturais altamente apreciados e procurados não possua recursos financeiros ou se veja dependente de doadores externos para realizar suas empreitadas públicas. Alguma coisa não soa bem nem se pode aceitar quando do governo surgem discursos que apontam para o condicionamento da realização de projectos nacionais a uma suposta captação de fundos no mercado internacional ou corporações financeiras multilaterais.
Há um problema de base que o governo moçambicano se recusa a tratar ou a abordar. Como governar um país sem uma base técnica que consiga analisar os diferentes dossiers sem ter que recorrer a conselheiros externos? Fará algum sentido estabelecer uma base de conselheiros externos e assessores se os mesmos estão profundamente envolvidos nos negócios propostos pelas corporações externas que eventualmente intervirão na exploração deste ou daquele recurso natural moçambicano? Contra os procedimentos internacionalmente aceites viu-se o governo de Moçambique assinando contratos de exploração de recursos minerais completamente fora dos padrões internacionalmente utilizados. Porquê? Como entender que o presidente da VALE seja um dos conselheiros do presidente da república quando se sabe que a VALE está embrenhada em negócios de carvão, fosfatos e linhas férreas em Moçambique? A sabedoria popular diz que “cada um puxa a brasa para a sua sardinha” e neste caso não admira que a VALE tenha uma operação altamente lucrativa em Moçambique. Parte daquilo que é executado na esfera dos recursos minerais moçambicanos resulta dos conselhos dados ao PR moçambicano, chefe do governo.
Da maneira como estão dispostas as cartas estamos verdadeiramente mergulhados num mar de tráfico de influências e de “inside trading” do mais alto grau. Obviamente que as empresas concorrentes da VALE jamais terão tratamento igual ao que esta empresa recebe em Moçambique. Num ambiente de promiscuidade institucional como este resulta fácil fugir aos preceitos de transparência advogados como forma de melhorar a vantagens competitivas que os recursos naturais nomeadamente minerais podem representar para países como Moçambique. Aquelas contrapartidas que normalmente deveriam ficar em Moçambique transformam-se em lucros de empresas como a VALE e não se pode duvidar que num esquema destes não resultem “luvas ilícitas” para os governantes que facilitam este tipo de empreendimentos.
Deste modo se pode compreender uma das razoes da continua dependência de países como Moçambique mesmo possuindo milhões de toneladas de petróleo e triliões de pés cúbicos de gás natural.
O ataque directo natural que as multinacionais utilizam com frequência é sobrevalorizarem as suas intervenções de pesquiza, prospecção e exploração. Contabilizam ao pormenor tudo o que gastam e são rápidos a estabelecer um conjunto de condições que os detentores de recursos tem de aceitar se querem ver os mesmos sendo explorados e significando algum tipo de receita. Aqui é que reside o bico-de-obra para o governo moçambicano. Entre esperar e acumular conhecimentos e experiência na gestão do seu dossier mineiro a tentação é “lançar-se aos crocodilos” na esperança de que alguma vantagem ficará no país e especialmente para os governantes que estão em cima do assunto em discussão.
Como se sabe e se pode verificar, nos diferentes estudos efectuados, bem como nos pronunciamentos de figuras académicas nacionais e internacionais, Moçambique “fica com os amendoins”. O bolo de verdade e maior vai para Brasília, Camberra ou Londres. Moçambique mesmo vendendo milhões de toneladas de carvão continua sem capacidade de construir por si, uma fábrica de medicamentos essenciais. Tem de ficar a espera da boa vontade de Lula da Silva lobista confesso da VALE.
Convenhamos que o ex-sindicalista Lula aproveitou-se plenamente da ingenuidade se é disso que se trata efectivamente. Alguns moçambicanos, bem “encostados” como não poderia de ser, estão se aproveitando à fartura da inexistência programada de transparência institucional. O “cambalacho institucional” acelerado e explosivo deixa Moçambique inundado de iniciativas empresarialmente estranhas.
Com ou sem crise só se faz aquilo que “alguns nomeados e assessores” convencem o governo que deve ser feito. E como sabemos a postura do governo do dia é de uma voracidade inquestionável em tudo o que refere a negócios de rendimentos rápidos e chorudos. Uma vez ganhas as eleições ou conquistada uma posição de relevo na esfera governamental, a primeira e principal acção executada com zelo e perfeccionismo acima de qualquer dúvida tem sido criar e licenciar empresas em pelouros ou áreas de interesse particular. Todo o posicionamento e estruturação empresarial de ministros e mesmo do PR provem de informação privilegiada convenientemente paga pelos cofres do estado.
Deste modo, quando surge e se manifesta uma crise financeira, política ou de outra índole, não se pode duvidar estarmos em presença de uma situação tipicamente artificial, fabricada e lubrificada por interesses específicos, nacionais e internacionais.
Sem aquela exploração desenfreada de madeira e minerais em Moçambique é de crer que se estivesse vivendo numa “paz podre” mas sem sinais de evolução ou de perigo algum para a estabilidade nacional. Os fenómenos económico-financeiros tornaram-se importantes e cruciais para qualquer estratégia de manutenção do poder. Os elementos que se mostravam renitentes e sem ideia de que era impossível explorar recursos minerais sem o acordo da oposição política moçambicana agora se deram conta dos logros em que viviam.
Agora que os factos surgem na mesa e alguns defensores da linha dura que queriam inviabilizar as negociações entre governo e Renamo escondem-se entre os corredores de suas casas. Foram empurrados para a reforma política precoce muitos indivíduos que defendiam com “unhas e dentes” que não havia nada a negociar.
Não há modelos político-económicos que funcionem o tempo todo sem crises ou linearmente bem. O capitalismo adoptado em Moçambique e na maior parte dos países do mundo, embora possua vantagens comprovadas de outros sistemas políticos que já existiram e existem no mundo não está isento de seus percalços e imperfeições. Um dos grandes problemas referentes ao sistema que se instalou a “escopro e martelo” em Moçambique é que ele não foi implantado com os condimentos todos. Justiça e transparência que constituem um dos pilares de existência da democracia em que crescem as economias mais pujantes do mundo não foram trazidos para a mesa.
Aquelas vantagens acumuladas e aparentemente asseguradas sob a batuta de Joaquim Chissano ainda existem mas seu questionamento social e político aceleram-se. Já não é só a Renamo que reclama. Igrejas, partidos políticos extra-parlamentares, académicos, ONG’s, jornalistas, cidadãos comuns, todos e cada um já reclama. Cada um a sua maneira e com os meios que possuem, os discursos que assinalam nova visão e compreensão dos factos correntes surgem de todos os quadrantes.
Como será a situação num futuro próximo?
Para os que não tem muito a perder é de prever um endurecimento do discurso e uma provável acção política combinada com alguma movimentação de ex-guerrilheiros. Afinal há que demonstrar força e determinação mesmo quando se esta conversando. Algumas das indecisões negociais que se registam neste momento devem-se a falta de clareza quanto às reais possibilidades do adversário se tornar num inimigo.
Há como que um estudo mútuo encomendado pelas partes mas os conselheiros e assessores ainda não deram o seu parecer final.
Voltando as crises não se pode deixar de afirmar que enquanto os políticos se mostram incapazes de analisar o passado, o presente e prever com maior exactidão o futuro, continuaremos a ter problemas com potencial explosivo.
Não há outro caminho para a normalização política e governamental em Moçambique senão com empenho continuado dos políticos e governantes em separarem efectivamente os poderes democráticos.
A retórica tem o seu interesse e dela se podem extrair algumas ilações mas o país precisa de factos, de números, de coisas visíveis e que os cidadãos podem sentir. (Noé Nhantumbo)
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