Kinshasa, Hotel le Fleuve. Um grupo baru-lhento de civis, barbudos e magros, espalha-se pela esplanada, bebendo e conversando. Um papel passa de mão em mão. Escrevem ali um destino para as passagens que dentro em breve lhes serão distribuídas. Saboreavam a paz. O abatimento de ter per-dido uma guerra, estampado nos magros rostos, não atingia porém o sentimento de honra dos que sabiam ter lutado maise melhor que nenhum outro. Durante meses, eles representaram todo um exército.
Lisboa, Madrid, Rio deJaneiro, Londres, Salisbúria, Paris.Os homens que foram expulsos pela máquina de guerra russa da Pátria que es-colheram e ajudaram a construir dissolvem-se apátridas, pelo mundo. Alguns ficam em Kin-shasa. Outro, recém-saído do hospital, recebeu um bilhete para a morte. Inconformado com a derrota, uniu-se aos mercenários apesar dos avisos dos companheiros e morre em combate, dias depois, inutilmente. Não chegou a conhecer a filha, que nascera em Salisbúria, quando estava já em Ambriz.
Os embarques começaram no dia 14 de Fe-vereiro e, quatro dias depois, apagavam-se os úl-timos sinais do grupo em África. Apagavam-se os últimos sinais do grupo em si, pois mal passaram alguns meses e, já recuperados fisicamente, irritados com a prepotência russo--cubana no continente negro, voltavam à acção, isolados ou em grupos. O gérmen da luta anti-comunista, em defesa da liberdade, contaminara--os.
7 de Setembro de 1974... Aqui fala Rádio Moçambique Livre! Os verdadeiros moçambicanos, por nascimento ou por amor àquela terra adoptiva, recusavam-se a deixar a sua pátria morrer sem sequer lutar. Ocuparam o Rádio Clube de Moçambique, em Lourenço Marques, e decidiram lutar pela ver-dadeira independência. O impacto foi tremendo e mostrou o pensamento da maioria: as emissoras de rádio regionais aderiram e todo o país se levantou.
Faltou infelizmente continuidade e a força das armas, pois, na sua espontaneidade, o povo não se preparou contra a brutalidade de um inimigo maquiavélico e não previu a perfídia do governo de Lisboa. A repressão foi indiscutível. Sob o olhar con-descendente das tropas regulares comandadas por oficiais que haviam aderido ao MFA) pois as "es-peciais" estavam, infelizmente, longe de Lourenço Marques), os terroristas da Frelimo, juntamente com os marginais que pululavam na cidade, mataram, violaram, saquearam, na segurança do clima ' 'revolucionário'' sancionado por Lisboa.
A voz da esperança foi calada pela repressão brutal. Blindados avançaram contra mulheres e crianças e até tractores foram usados para cercara multidão desarmada. Mas a traição, a covardia e a perfídia não ficaram por aí. Sabendo que lutavam contra a vontade da maioria, os homens da "revolução sem sangue" enviaram, para reforçar as suas posições, a Força Aérea, a Marinha e aviões fretados da DETA, fazendo uma ponte à Tanzânia e trazendo centenas de soldados do exército regularde Nyerere; em cada grupo, um ou outro "frelimo", para melhorar a farsa, pois ninguém ali sabia falar português... Eram as "gloriosas" Forças Populares de Libertação de Moçambique que chegavam a Lourenço Marques transportadas pelos meios postos à disposição pelo próprio MFA!
E a garra de aço foi-se apertando e consolidando...
E a garra de aço foi-se apertando e consolidando...
Esboçaram-se ainda alguns movimentos, na África do Sul e Rodésia, mas sem grandes resul-tados. Num pequeno escritório da Baker Avenue, em Salisbury, Miguel Murupa, intelectual negro de Moçambique, tentava organizar um exército. Mas cercado de oportunistas e incompetentes, falhou no
seu intento. Moçambique, abandonada à sua sorte, foi, de humilhação em humilhação, abusos e massacres, caminhando para a ditadura feroz da Frelimo...Surgem notícias de novoscombates ao Norte de Angola. A dura lição fora aprendida, e o ELNA ensaia novamente os primeiros passos. Voltou ao princípio, à guerrilha. Holden Roberto, depois do resultado negativo dos mercenários, dispensou-os e não voltou a abrir o recrutamento. Os europeus aceites actualmente são osque já combatiam an-tes, todos portugueses, não mercenários.
Os cubanos, apesar dos constantes reforços, só lutam nas estradas, temendo entrar nas selvas. As guarnições dos quartéis vivem como que ilhadas, ligadas por picadas perigosas, onde sempre uma emboscada os espera. O Villa voltou à sua antiga zona, com a maior parte dos seus homens. O "Rebel" também lá es-tá, com os velhos amigos. Até agora só tem con-seguido triunfos. A selva é a sua casa e em cada emboscada prova o sabor dadesforra. Já não há "Comandos Especiais", mas alguns destes, ve-teranos, lutam ombro a ombro, em igualdade de condições com seus antigos subordinados, nos mesmos locais onde foram há um ano derrotados. Em Salisbúria, no jornal Rhodesian Herald, uma foto e uma notícia: "Trooper Francisco Duarte da Costa (31) Killed by terrorists at Honde Valley on monday..."
Francisco Costa. Um Comando Especial. Um dos componentes do grupo de combate do transportador blindado. De Kinshasa havia ido para a Rodésia e recuperou-se. Mas considerou Angola apenas uma batalha, a guerra continuava e o inimigo do novo país era o mesmo. Os comandos rodesianos aceitaram-no juntamente com outros companheiros vindos de Angola. O Exército ro-desiano, ao contrário do que se pensa, não é uma organização de mercenários. Todos são tratados da mesma maneira, estrangeiros ou nacionais, todos passam por uma recruta, mesmo os que têm longa experiência militar,e o soldo é equivalente ao de qualquer exército de outros países, e não as "somas fabulosas" que se dizem. A disciplina é rigidamente inglesa, e primam pelo seu cava-lheirismo e eficiência.
Numa épica batalha, em Dezembro de 1976, sessenta comandos, em Honde Valley, comba-teram, de cima de uma colina, contra um grupo inimigo estimado em 200 homens. Durante horas, a situação foi indecisa, e depois começou a pender a favor dos Comandos. As dezenas de cadáveres desencorajaram o inimigo que bateu em retirada. Entre os coman-dos, uma dezena de feridose apenas um morto, Francisco da Costa. A audácia tem sempre um alto preço. Mas outro dos "Especiais" ainda se man-tém de arma na mão, envergando o uniforme rodesiano.
Também de arma na mão, mas com outro uniforme, o comandante Manuel, do grupo blin-dado, sentado na lama e cercado de árvores e cipós, conversa em voz baixa com os seus homens. O local, algures na margem sul do rio Zam-beze, perto de Vila Gouveia, em Moçambique. As armas, AK-47. Os uniformes, uma mistura es-farrapada de roupas civis,fardas da Frelimo, camuflados portugueses, rodesianos, zambianos.
A sua frente, sentado, o condutor da AML 60 que foi atingida a 100 metrosda ponte de Quifangondo e conseguiu voltar; ao lado, encostados a uma árvore, outros dois "especiais". A volta, alguns europeus e muitos africanos. Trata-se de um grupo da Resistência Nacional Moçambicana. O inimigo
aqui é a Frelimo e o exército invasor tanzaniano, além da famigerada Brigada Internacional e os mercenários cubanos. Tal como os companheiros no Norte de Angola, também aqui fazem da guerrilha a sua forma de lutar contra os que escravizam o povo em favor do império colonial russo. regressando da Europa e do Brasil, os antigos "especiais" reuniram-se em Salisbúria.
Unia-os a mesma vontade de lutar contra as ditaduras dos seus países adoptivos: Angola e Moçambique. Embora a guerrilha da FNLA em Angola já actuasse com sucesso, em Moçambique a acti-vidade guerrilheira era dispersa, sem orientação, não obstante todo o território pulular de resistentes. Decidiram-se então pelacriação de um grupo que, em contacto com osoutros patriotas moçambicanos espalhados pela selva, os orientasse e pudesse dar um melhor resultado e objectividade à luta. Mas não havia dinheiro nem armas. Havia porém a força de vontade e a confiança inabalável dos Comandos Especiais.
O mais difícil foi passar despercebido dos Serviços de Informação rode-sianos. Apesar do inimigo comum, o governo da Rodésia não permitiria a formação de grupos ar-mados dentro do seu território. Foram contactados vários homens de negócios portugueses e moçam-bicanos, e as contribuições em dinheiro começaram a aparecer. A comunidade portuguesa, apesar de enganada várias vezes por falsos líderes, ajudou o mais que pôde. Desta vez não haveria políticos mas sim sol-dados.
Primeiro a luta armada, depois, quando houvesse condições, é que se trataria da política. Um dos antigos CE., Silveira, comprou um velho Land-Rover e colocou-o à disposição do grupo, além de todo o seu restante dinheiro. Através de consultas aos jornais, as armas foram compradas para o grupo inicial de 8 homens: três carabinas 22, com mira telescópica e silenciador, uma Lee Enfield 303, uma Winchester 33, uma Hornet, uma pistola Colt 32 e uma Beretta 9 mm.
Foi com este heterogéneo armamento, e com a pouca munição disponível que se iniciaram as emboscadas, a fim de conseguir melhor armamento (Kalachnikovs) capturado ao inimigo. Estas armas estiveram guardadas durante algum tempo no ar-mário da pensão onde viviam alguns do grupo. Mas, com receio de uma rusga, alugou-se um pequeno apartamento e numa noite foram transportadas para lá, no Land-Rover, embrulhadas em mantas.
Em casas de campismo, compraram-se mo-chilas, cinturões, cantis, capas, botas. Remédios, vitaminas e carne secacompletavam a carga. Como chefe do grupo ficou o CE. Manuel, ex-comandante do grupo blindado em Angola. Seriam oito homens, mas procurariam angariar voluntários durante a campanha. Um caçador--guia moçambicano, que conhecia várias passagens na fronteira, foi contactado para guiá-los até Moçambique; um português que trabalhava num escritório tirou 400 cópias de um panfleto, escrito para explicar aopovo quem eram e o que pretendiam. Conseguiram ainda camuflados rodesianos e portugueses.
Tudo preparado, e numa noite de Janeiro de 1977, o velho Land Rover, completamente carregado, deixou Salis-búria em direcção a Untali, e dali para a fron-teira. O perigo que se apresentava agora era o de caírem numa emboscada das forças rodesianas, além das minas antipessoais. Deixaram a estrada, internando-se na selva, enquanto que o veículo voltava para Salisbúria, conduzido por outro CE. Esperaram o entardecer e desceram pelo trilho, atravessando a fronteira cautelosamente. As mochilas pesavam, o fraco ar-mamento preocupava-os, mas já se sentiam no seu elemento.
Não haviam perdido a guerra —pois ela continuava — e ali estavam eles, de arma na mão, mais uma vez, para mostrar ao mundo que a ver-gonhosa invasão russo-cubana em África não seria aceite sem reacção. A época de chuvas ajudava-os e, debaixo de um pesado temporal, caminharam despercebidos entre aldeias, até de madrugada. Vencidos pela fadiga devido ao peso que transportavam às costas, entraram por um mato cerrado, para ali dormir e passar o dia, continuando a mar-cha somente ao anoitecer. Só andariam à noite, até encontrar o sítio ideal para a sua guerrilha e para uma base.
O primeiro combate
Ao clarear o dia a chuva cessou, e os resisten-tes, alarmados, escutaram galos a cantar, portas a bater e vozes! O que durante a chuva e escuridão lhes pa-recera um mato cerrado, era-o de facto, mas minúsculo e vizinho dos quintais de várias casas, ocupadas por guerrilheiros da Zipa, organização que fazia ataques às herdades rodesianas próximas da fronteira! Os terroristas, durante todo o dia passaram muito perto do grupo, conversando des-preocupadamente, com suas AK47 a tiracolo, cal-ções e berrantes chapéus.
Afinal, estavam na sua base! Os resistentes descobririam mais tarde que toda a zona fronteiriça era ocupada por terroristas que habitavam as vilas de onde a população foi obrigada a mudar-se paraas aldeias comunais, nome dado aos aglomerados idênticos aos al-deamentos portugueses, tão combatidos pela Frelimo. Além dos guerrilheiros da Zipa, ocupam
postos fortificadosde defesa forças regulares do Exército Tanzaniano, assistidos por técnicos rus-sos e auxiliados por cubanos.
A Frelimo é incapaz de controlar o seu próprio território, e o povo sofre as consequências do racis-mo e tribalismo das tropas estrangeiras. Os oito homens, deitados, esperavam que chovesse ou que a noite chegasse depressa, mas o céu estava limpo e o dia arrastava-se. Com os ner-vos tensos, aguardavam. Por volta das 16.30, quando só faltavam duas horas para escurecer, vozes começaram a aproximar-se. Silenciosamente as armas foram empunhadasenquanto os terroris-tas entravam pelo matodentro. Provavelmente seguiam a pista deixada pelo grupo.
O comandante Manuel e o Silveira ajoelha-ram-se, lado a lado, e apontaram as suas armas na direcção de onde deveria surgir o inimigo. Os outros, deitados, fizeram o mesmo. Devido à vegetação, os terroristasdeveriam aproximar-se sem vê-los até 4 ou 5 metros de distância. Já po-diam distingui-los; um barulho imprevisto, e os ouvidos treinados escutaram o seco som metálico da patilha de segurança duma AK a ser destra-vada. Um segundo depois, e o mato encheu-se dos estampidos das diversas armas e da estridente rajada das Kalachnikovs. De relance viram as balas a entrar nas árvores e no chão, estraçalhando de passagem as pernas do caçador-guia, ao mesmo tempo que um outro levavaa mão ao braço, atin-gido, mas continuando a disparar.
Viram também os inimigos a cair. Ouviu-se gritar e chorar, se-guido de um gorgolejar, indicativo de balas no pulmão. Os terroristas fugiam, gritando, enquan-to o pânico se apossava da aldeia que acreditou tratar-se de um ataque emmassa da Rodésia. Isso salvou o pequeno grupo. Três inimigos estavam es-tendidos com o peito atingido, mortos. Mais abaixo, outro escapava, ferido. As suas armas foram imediatamente apanhadas juntamente com os cinturões e porta-carregadores. Tinham de sair dali com rapidez.
A sua volta o terreno era aberto, apenas com capim, e teriam que atravessá-lo para chegar a um morropróximo, onde poderiam resis-tir. Cercados de casas, em pleno dia, dentro de uma base inimiga, arrastando um ferido grave, a situação apresentava-se difícil aos oito homens. Foi ordenado a dois que abandonassem as mo-chilas para carregar o ferido. Mas tudo isso tinha que ser feito rápido, antes que o inimigo, des-cobrindo que se tratava deum pequeno grupo, os cercasse. A perna quase seccionada por duas balas balançava quando o caçador-guia era transpor-tado. Gritava de dor.
Pensando rapidamente, o comandante Manuel viu que nadapoderiam fazer para tratá-lo em pleno matoe, além disso, a partir de agora seriam perseguidos; teria que ser sa-crificado, para que o resto do grupo, com apenas um ferido leve, deslocando-se veloz, se salvasse. E sendo capturado, poderia ser tratado, en-quanto que na selva, a gangrena logo tomaria conta da perna. Issofoi-lhe dito, e ele aceitou, sereno. Retirou o anel e o relógio,entregando-os ao chefe, para que, se pudesse, um dia o desse à sua mãe, já idosa. Um aperto de mão e os sete homens corren-do pelo capim aos ziguezagues procuraram atingir o cimo do morro.
Numa protecção há muito de-sejada, começou a chover torrencialmente, fa-cilitando a fuga. Com o coração apertado, es-cutavam os gritos de dorlançados pelo compa-nheiro abandonado. Mas não havia ocasião para lamentos e todos sabiam que se arriscavam ao mesmo, ou à morte, dia a dia. No topo do morro, o ferido leve foi medicado, e seguiram em frente. Duas noites depois, estavam num lugar seguro, tendo despistado o inimigo. Mas haviam sido localizados por alguém que após a notícia do curto combate começara a procurá-los.
— Irmãos!
Os resistentes, surpreendidos, agarraram as
armas e deitados olhavam em torno, desorien-tados.
— Sou amigo!
— Se é amigo, avance!
E um africano, com a farda da Frelimo e armado de AK, aproximou-se com um sorriso nos lábios, estendendo a mão.
— Eu sou o comandante André, e estou lutan-do contra a Frelimo, como vocês. Estão mal aqui! Passa muito "zipa" neste mato! Vêm comigo que acaba problema todo! Conversaram ainda cerca de uma hora, a prin-cípio desconfiados, mas acabaram por se conven-cer. O comandante André lutara muitos anos na Frelimo mas, com a independência, vira que os seus chefes agiam pior que os "colonialistas", e começou a protestar. Enviado para o campo de prisioneiros Sacudzo, naGorongosa, de lá se evadira. Sendo conhecido e estimado, logo con-seguira vários seguidores que agora realizavam ac-ções contra os antigos companheiros de guerra mentalizados por Moscovo.
A união com os gruposdispersos, sonhada pelos C.E., estava a concretizar-se e a Resistência passou a ter um braço maisforte, naquele dia. Guiados por André, caminharam vários dias, ten-do-se-lhes juntado mais dois africanos armados, que esperavam pelo seu chefe, num ponto ante-riormente designado. Riam muito do bizarro ar-182 namento dos brancos, ao mesmo tempo satisfeitos pelo reforço. A base era uma velha machamba, há muito abandonada e que o mato isolou comple-amente. Possuíam terrenosminados, como fazi-am nas antigas bases da Frelimo e inclusive RPGs, Explosivos e armas extras, resultado de vários encontros com o inimigo.
Não tinham problemas de caça, pesca ou água, e sempreque era preciso, um dos homens deslocava-seà vila para comprar o que faltava, passeando muitas vezes pelas ruas, far-dado e armado como sefosse membro das FPLM Forças Populares de Libertação de Moçambique, o exército moçambicano). Durante semanas, os dois grupos trocaram as suas experiências. As 22 com os silenciadores foram de grande utilidade para a obtenção de comida sem problemas de barulho. Já armados de AK, iniciaram as ope-rações, sempre em zonas muito distantes da base. Possuíam também panfletos toscamente feitos, mas que eram entendidos pelos africanos e cujas cópias eram tiradas no próprio quartel da FPLM, por um colaborador!
A luta continua!
Com um grupo forte, o comandante André pôde realizar um velho sonho: libertar na Gorongosa, do campo de prisioneiros Sacudzo, onde es-tivera internado, os restantes prisioneiros. Através de um preciso esquema do campo e conhecedor da rotina de segurança, planeou-se o ataque. 1200 prisioneiros viviam num regime de fome e terror. Dividido em dois complexos, um alojava os ele-mentos da Frelimo e suas famílias, que viviam à grande, usando os presoscomo escravos, com boas casas, fartas "machambas"e criação de aves.
No bom estilo fascista, ascasas do comandante do campo, comissário, etc, eram privilegiadas e separadas das outras onde viviam os elementos mais baixos da Frelimo.No outro complexo, as casas de barro, sem portas, muitas vezes sem telhado, alojavam dez vezes mais pessoas do que a sua real capacidade. Não havia camas, nem ca-deiras, nem mesas. O melhor edifício era a cadeia, sólido, sem janelas, onde às vezes se comprimiam centena e meia de pessoas.
Os prisioneiros eram acordados antes das 04.00 e descalços, com uma sumária tanga confeccionada com sacos de fa-rinha, ou com esfarrapadas calças, eram levados, sem nada comer, para asmachambas, trabalhan-do sem cessar até às 13.00, quando lhes era dis-tribuída uma ração de massa que mal chegaria para uma criança e às vezesum pouco de feijão ou peixe, este geralmente estragado, e que fora re-cusado por qualquer quartel da Frelimo. As visitas dos "altos dignitários" acompanhados por jor-nalistas eram saudadas com real entusiasmo pelos prisioneiros. Simplesmente porque, nesse dia, comiam como seres humanos, massa bem feita, bom caril, vestiam fardasque estavam guardadas no depósito e tinham uma rotina extremamente suave, até com horas de dança e canto!
E os jornalistas, encantados com a farsa, com muitas fotos no bolso, iam fazer o jogodos carrascos elogiando a "candura" com que se tratava dos reaccionários em Moçambique, um país livre...Aos resistentes surgiu o problema de muitos presos não terem condições para lutar nas guer-rilhas e não poderem ser obrigados a isso. Resol-veu-se então, em caso de sucesso na operação, dividir os libertos, sendo que os não combatentes seriam guiados até à fronteira da Rodésia, onde se entregariam às autoridades e poderiam viver li-vremente.
O ataque ao campo foi levado a cabo pelo comandante André, depois de uma longa cami-nhada, e apanhou o inimigo totalmente desprevenido, ao mesmo tempo que o comandante Manuel e seus homens realizavam missões de sabotagem para desorientar a Frelimo. Apenas um dos libertos foi morto durante a fuga, e alguns outros ficaram para trás, esgotados. O grupo que foi até à fronteira interceptou um tractor com um reboque, e seguiram pela estrada asfaltada, tendo até parado para reabastecê-lo, dizendo-se soldados das FPLM que transportavam prisioneiros!
Num ruído infernal, astropas tanzanianas abriram fogo de cima dos morros, com metra-lhadoras pesadas, sobre os fugitivos quando estes já quase alcançavam a liberdade. Dispersaram-se entre as árvores, correndo em direcção às mon-tanhas que assinalavam a Rodésia, e algumas horas depois agrupavam-se, sem forças, feridos, mas salvos, quase todos. Soube-se depois que foram recolhidos numa estrada por civis rode-sianos e entregues às autoridades que os acolheram com simpatia e compreensão.
Os libertos que quiseram ser combatentes, estes, após recuperarem durante quase um mês da subnutrição e sevícias sofridas em Sacudzo, começaram a receber instrução, a cargo do comandante Manuel. Uma visita, com os olhos vendados, foi conduzida até eles: um repórter da Rádio África Livre, porta-voz de todos os resistentes. Gravou uma entrevista com os libertos para que todo Moçambique soubesse o que se passara.
Cerca de dois meses depois de libertados, um jeep da Frelimo foi atacado numa emboscada montada pelos ex-prisioneiros de Sacudzo, que assim se integravam definitivamente na luta contra a escravidão em África. ELNA, ex-Frelimos, ex-prisioneiros, ex-Comandos Especiais, africanos e portugueses, gritam bem alto para os russos e cubanos:
"A luta continua!"
Francisco Costa. Um Comando Especial. Um dos componentes do grupo de combate do transportador blindado. De Kinshasa havia ido para a Rodésia e recuperou-se. Mas considerou Angola apenas uma batalha, a guerra continuava e o inimigo do novo país era o mesmo. Os comandos rodesianos aceitaram-no juntamente com outros companheiros vindos de Angola. O Exército ro-desiano, ao contrário do que se pensa, não é uma organização de mercenários. Todos são tratados da mesma maneira, estrangeiros ou nacionais, todos passam por uma recruta, mesmo os que têm longa experiência militar,e o soldo é equivalente ao de qualquer exército de outros países, e não as "somas fabulosas" que se dizem. A disciplina é rigidamente inglesa, e primam pelo seu cava-lheirismo e eficiência.
Numa épica batalha, em Dezembro de 1976, sessenta comandos, em Honde Valley, comba-teram, de cima de uma colina, contra um grupo inimigo estimado em 200 homens. Durante horas, a situação foi indecisa, e depois começou a pender a favor dos Comandos. As dezenas de cadáveres desencorajaram o inimigo que bateu em retirada. Entre os coman-dos, uma dezena de feridose apenas um morto, Francisco da Costa. A audácia tem sempre um alto preço. Mas outro dos "Especiais" ainda se man-tém de arma na mão, envergando o uniforme rodesiano.
Também de arma na mão, mas com outro uniforme, o comandante Manuel, do grupo blin-dado, sentado na lama e cercado de árvores e cipós, conversa em voz baixa com os seus homens. O local, algures na margem sul do rio Zam-beze, perto de Vila Gouveia, em Moçambique. As armas, AK-47. Os uniformes, uma mistura es-farrapada de roupas civis,fardas da Frelimo, camuflados portugueses, rodesianos, zambianos.
A sua frente, sentado, o condutor da AML 60 que foi atingida a 100 metrosda ponte de Quifangondo e conseguiu voltar; ao lado, encostados a uma árvore, outros dois "especiais". A volta, alguns europeus e muitos africanos. Trata-se de um grupo da Resistência Nacional Moçambicana. O inimigo
aqui é a Frelimo e o exército invasor tanzaniano, além da famigerada Brigada Internacional e os mercenários cubanos. Tal como os companheiros no Norte de Angola, também aqui fazem da guerrilha a sua forma de lutar contra os que escravizam o povo em favor do império colonial russo. regressando da Europa e do Brasil, os antigos "especiais" reuniram-se em Salisbúria.
Unia-os a mesma vontade de lutar contra as ditaduras dos seus países adoptivos: Angola e Moçambique. Embora a guerrilha da FNLA em Angola já actuasse com sucesso, em Moçambique a acti-vidade guerrilheira era dispersa, sem orientação, não obstante todo o território pulular de resistentes. Decidiram-se então pelacriação de um grupo que, em contacto com osoutros patriotas moçambicanos espalhados pela selva, os orientasse e pudesse dar um melhor resultado e objectividade à luta. Mas não havia dinheiro nem armas. Havia porém a força de vontade e a confiança inabalável dos Comandos Especiais.
O mais difícil foi passar despercebido dos Serviços de Informação rode-sianos. Apesar do inimigo comum, o governo da Rodésia não permitiria a formação de grupos ar-mados dentro do seu território. Foram contactados vários homens de negócios portugueses e moçam-bicanos, e as contribuições em dinheiro começaram a aparecer. A comunidade portuguesa, apesar de enganada várias vezes por falsos líderes, ajudou o mais que pôde. Desta vez não haveria políticos mas sim sol-dados.
Primeiro a luta armada, depois, quando houvesse condições, é que se trataria da política. Um dos antigos CE., Silveira, comprou um velho Land-Rover e colocou-o à disposição do grupo, além de todo o seu restante dinheiro. Através de consultas aos jornais, as armas foram compradas para o grupo inicial de 8 homens: três carabinas 22, com mira telescópica e silenciador, uma Lee Enfield 303, uma Winchester 33, uma Hornet, uma pistola Colt 32 e uma Beretta 9 mm.
Foi com este heterogéneo armamento, e com a pouca munição disponível que se iniciaram as emboscadas, a fim de conseguir melhor armamento (Kalachnikovs) capturado ao inimigo. Estas armas estiveram guardadas durante algum tempo no ar-mário da pensão onde viviam alguns do grupo. Mas, com receio de uma rusga, alugou-se um pequeno apartamento e numa noite foram transportadas para lá, no Land-Rover, embrulhadas em mantas.
Em casas de campismo, compraram-se mo-chilas, cinturões, cantis, capas, botas. Remédios, vitaminas e carne secacompletavam a carga. Como chefe do grupo ficou o CE. Manuel, ex-comandante do grupo blindado em Angola. Seriam oito homens, mas procurariam angariar voluntários durante a campanha. Um caçador--guia moçambicano, que conhecia várias passagens na fronteira, foi contactado para guiá-los até Moçambique; um português que trabalhava num escritório tirou 400 cópias de um panfleto, escrito para explicar aopovo quem eram e o que pretendiam. Conseguiram ainda camuflados rodesianos e portugueses.
Tudo preparado, e numa noite de Janeiro de 1977, o velho Land Rover, completamente carregado, deixou Salis-búria em direcção a Untali, e dali para a fron-teira. O perigo que se apresentava agora era o de caírem numa emboscada das forças rodesianas, além das minas antipessoais. Deixaram a estrada, internando-se na selva, enquanto que o veículo voltava para Salisbúria, conduzido por outro CE. Esperaram o entardecer e desceram pelo trilho, atravessando a fronteira cautelosamente. As mochilas pesavam, o fraco ar-mamento preocupava-os, mas já se sentiam no seu elemento.
Não haviam perdido a guerra —pois ela continuava — e ali estavam eles, de arma na mão, mais uma vez, para mostrar ao mundo que a ver-gonhosa invasão russo-cubana em África não seria aceite sem reacção. A época de chuvas ajudava-os e, debaixo de um pesado temporal, caminharam despercebidos entre aldeias, até de madrugada. Vencidos pela fadiga devido ao peso que transportavam às costas, entraram por um mato cerrado, para ali dormir e passar o dia, continuando a mar-cha somente ao anoitecer. Só andariam à noite, até encontrar o sítio ideal para a sua guerrilha e para uma base.
O primeiro combate
Ao clarear o dia a chuva cessou, e os resisten-tes, alarmados, escutaram galos a cantar, portas a bater e vozes! O que durante a chuva e escuridão lhes pa-recera um mato cerrado, era-o de facto, mas minúsculo e vizinho dos quintais de várias casas, ocupadas por guerrilheiros da Zipa, organização que fazia ataques às herdades rodesianas próximas da fronteira! Os terroristas, durante todo o dia passaram muito perto do grupo, conversando des-preocupadamente, com suas AK47 a tiracolo, cal-ções e berrantes chapéus.
Afinal, estavam na sua base! Os resistentes descobririam mais tarde que toda a zona fronteiriça era ocupada por terroristas que habitavam as vilas de onde a população foi obrigada a mudar-se paraas aldeias comunais, nome dado aos aglomerados idênticos aos al-deamentos portugueses, tão combatidos pela Frelimo. Além dos guerrilheiros da Zipa, ocupam
postos fortificadosde defesa forças regulares do Exército Tanzaniano, assistidos por técnicos rus-sos e auxiliados por cubanos.
A Frelimo é incapaz de controlar o seu próprio território, e o povo sofre as consequências do racis-mo e tribalismo das tropas estrangeiras. Os oito homens, deitados, esperavam que chovesse ou que a noite chegasse depressa, mas o céu estava limpo e o dia arrastava-se. Com os ner-vos tensos, aguardavam. Por volta das 16.30, quando só faltavam duas horas para escurecer, vozes começaram a aproximar-se. Silenciosamente as armas foram empunhadasenquanto os terroris-tas entravam pelo matodentro. Provavelmente seguiam a pista deixada pelo grupo.
O comandante Manuel e o Silveira ajoelha-ram-se, lado a lado, e apontaram as suas armas na direcção de onde deveria surgir o inimigo. Os outros, deitados, fizeram o mesmo. Devido à vegetação, os terroristasdeveriam aproximar-se sem vê-los até 4 ou 5 metros de distância. Já po-diam distingui-los; um barulho imprevisto, e os ouvidos treinados escutaram o seco som metálico da patilha de segurança duma AK a ser destra-vada. Um segundo depois, e o mato encheu-se dos estampidos das diversas armas e da estridente rajada das Kalachnikovs. De relance viram as balas a entrar nas árvores e no chão, estraçalhando de passagem as pernas do caçador-guia, ao mesmo tempo que um outro levavaa mão ao braço, atin-gido, mas continuando a disparar.
Viram também os inimigos a cair. Ouviu-se gritar e chorar, se-guido de um gorgolejar, indicativo de balas no pulmão. Os terroristas fugiam, gritando, enquan-to o pânico se apossava da aldeia que acreditou tratar-se de um ataque emmassa da Rodésia. Isso salvou o pequeno grupo. Três inimigos estavam es-tendidos com o peito atingido, mortos. Mais abaixo, outro escapava, ferido. As suas armas foram imediatamente apanhadas juntamente com os cinturões e porta-carregadores. Tinham de sair dali com rapidez.
A sua volta o terreno era aberto, apenas com capim, e teriam que atravessá-lo para chegar a um morropróximo, onde poderiam resis-tir. Cercados de casas, em pleno dia, dentro de uma base inimiga, arrastando um ferido grave, a situação apresentava-se difícil aos oito homens. Foi ordenado a dois que abandonassem as mo-chilas para carregar o ferido. Mas tudo isso tinha que ser feito rápido, antes que o inimigo, des-cobrindo que se tratava deum pequeno grupo, os cercasse. A perna quase seccionada por duas balas balançava quando o caçador-guia era transpor-tado. Gritava de dor.
Pensando rapidamente, o comandante Manuel viu que nadapoderiam fazer para tratá-lo em pleno matoe, além disso, a partir de agora seriam perseguidos; teria que ser sa-crificado, para que o resto do grupo, com apenas um ferido leve, deslocando-se veloz, se salvasse. E sendo capturado, poderia ser tratado, en-quanto que na selva, a gangrena logo tomaria conta da perna. Issofoi-lhe dito, e ele aceitou, sereno. Retirou o anel e o relógio,entregando-os ao chefe, para que, se pudesse, um dia o desse à sua mãe, já idosa. Um aperto de mão e os sete homens corren-do pelo capim aos ziguezagues procuraram atingir o cimo do morro.
Numa protecção há muito de-sejada, começou a chover torrencialmente, fa-cilitando a fuga. Com o coração apertado, es-cutavam os gritos de dorlançados pelo compa-nheiro abandonado. Mas não havia ocasião para lamentos e todos sabiam que se arriscavam ao mesmo, ou à morte, dia a dia. No topo do morro, o ferido leve foi medicado, e seguiram em frente. Duas noites depois, estavam num lugar seguro, tendo despistado o inimigo. Mas haviam sido localizados por alguém que após a notícia do curto combate começara a procurá-los.
— Irmãos!
Os resistentes, surpreendidos, agarraram as
armas e deitados olhavam em torno, desorien-tados.
— Sou amigo!
— Se é amigo, avance!
E um africano, com a farda da Frelimo e armado de AK, aproximou-se com um sorriso nos lábios, estendendo a mão.
— Eu sou o comandante André, e estou lutan-do contra a Frelimo, como vocês. Estão mal aqui! Passa muito "zipa" neste mato! Vêm comigo que acaba problema todo! Conversaram ainda cerca de uma hora, a prin-cípio desconfiados, mas acabaram por se conven-cer. O comandante André lutara muitos anos na Frelimo mas, com a independência, vira que os seus chefes agiam pior que os "colonialistas", e começou a protestar. Enviado para o campo de prisioneiros Sacudzo, naGorongosa, de lá se evadira. Sendo conhecido e estimado, logo con-seguira vários seguidores que agora realizavam ac-ções contra os antigos companheiros de guerra mentalizados por Moscovo.
A união com os gruposdispersos, sonhada pelos C.E., estava a concretizar-se e a Resistência passou a ter um braço maisforte, naquele dia. Guiados por André, caminharam vários dias, ten-do-se-lhes juntado mais dois africanos armados, que esperavam pelo seu chefe, num ponto ante-riormente designado. Riam muito do bizarro ar-182 namento dos brancos, ao mesmo tempo satisfeitos pelo reforço. A base era uma velha machamba, há muito abandonada e que o mato isolou comple-amente. Possuíam terrenosminados, como fazi-am nas antigas bases da Frelimo e inclusive RPGs, Explosivos e armas extras, resultado de vários encontros com o inimigo.
Não tinham problemas de caça, pesca ou água, e sempreque era preciso, um dos homens deslocava-seà vila para comprar o que faltava, passeando muitas vezes pelas ruas, far-dado e armado como sefosse membro das FPLM Forças Populares de Libertação de Moçambique, o exército moçambicano). Durante semanas, os dois grupos trocaram as suas experiências. As 22 com os silenciadores foram de grande utilidade para a obtenção de comida sem problemas de barulho. Já armados de AK, iniciaram as ope-rações, sempre em zonas muito distantes da base. Possuíam também panfletos toscamente feitos, mas que eram entendidos pelos africanos e cujas cópias eram tiradas no próprio quartel da FPLM, por um colaborador!
A luta continua!
Com um grupo forte, o comandante André pôde realizar um velho sonho: libertar na Gorongosa, do campo de prisioneiros Sacudzo, onde es-tivera internado, os restantes prisioneiros. Através de um preciso esquema do campo e conhecedor da rotina de segurança, planeou-se o ataque. 1200 prisioneiros viviam num regime de fome e terror. Dividido em dois complexos, um alojava os ele-mentos da Frelimo e suas famílias, que viviam à grande, usando os presoscomo escravos, com boas casas, fartas "machambas"e criação de aves.
No bom estilo fascista, ascasas do comandante do campo, comissário, etc, eram privilegiadas e separadas das outras onde viviam os elementos mais baixos da Frelimo.No outro complexo, as casas de barro, sem portas, muitas vezes sem telhado, alojavam dez vezes mais pessoas do que a sua real capacidade. Não havia camas, nem ca-deiras, nem mesas. O melhor edifício era a cadeia, sólido, sem janelas, onde às vezes se comprimiam centena e meia de pessoas.
Os prisioneiros eram acordados antes das 04.00 e descalços, com uma sumária tanga confeccionada com sacos de fa-rinha, ou com esfarrapadas calças, eram levados, sem nada comer, para asmachambas, trabalhan-do sem cessar até às 13.00, quando lhes era dis-tribuída uma ração de massa que mal chegaria para uma criança e às vezesum pouco de feijão ou peixe, este geralmente estragado, e que fora re-cusado por qualquer quartel da Frelimo. As visitas dos "altos dignitários" acompanhados por jor-nalistas eram saudadas com real entusiasmo pelos prisioneiros. Simplesmente porque, nesse dia, comiam como seres humanos, massa bem feita, bom caril, vestiam fardasque estavam guardadas no depósito e tinham uma rotina extremamente suave, até com horas de dança e canto!
E os jornalistas, encantados com a farsa, com muitas fotos no bolso, iam fazer o jogodos carrascos elogiando a "candura" com que se tratava dos reaccionários em Moçambique, um país livre...Aos resistentes surgiu o problema de muitos presos não terem condições para lutar nas guer-rilhas e não poderem ser obrigados a isso. Resol-veu-se então, em caso de sucesso na operação, dividir os libertos, sendo que os não combatentes seriam guiados até à fronteira da Rodésia, onde se entregariam às autoridades e poderiam viver li-vremente.
O ataque ao campo foi levado a cabo pelo comandante André, depois de uma longa cami-nhada, e apanhou o inimigo totalmente desprevenido, ao mesmo tempo que o comandante Manuel e seus homens realizavam missões de sabotagem para desorientar a Frelimo. Apenas um dos libertos foi morto durante a fuga, e alguns outros ficaram para trás, esgotados. O grupo que foi até à fronteira interceptou um tractor com um reboque, e seguiram pela estrada asfaltada, tendo até parado para reabastecê-lo, dizendo-se soldados das FPLM que transportavam prisioneiros!
Num ruído infernal, astropas tanzanianas abriram fogo de cima dos morros, com metra-lhadoras pesadas, sobre os fugitivos quando estes já quase alcançavam a liberdade. Dispersaram-se entre as árvores, correndo em direcção às mon-tanhas que assinalavam a Rodésia, e algumas horas depois agrupavam-se, sem forças, feridos, mas salvos, quase todos. Soube-se depois que foram recolhidos numa estrada por civis rode-sianos e entregues às autoridades que os acolheram com simpatia e compreensão.
Os libertos que quiseram ser combatentes, estes, após recuperarem durante quase um mês da subnutrição e sevícias sofridas em Sacudzo, começaram a receber instrução, a cargo do comandante Manuel. Uma visita, com os olhos vendados, foi conduzida até eles: um repórter da Rádio África Livre, porta-voz de todos os resistentes. Gravou uma entrevista com os libertos para que todo Moçambique soubesse o que se passara.
Cerca de dois meses depois de libertados, um jeep da Frelimo foi atacado numa emboscada montada pelos ex-prisioneiros de Sacudzo, que assim se integravam definitivamente na luta contra a escravidão em África. ELNA, ex-Frelimos, ex-prisioneiros, ex-Comandos Especiais, africanos e portugueses, gritam bem alto para os russos e cubanos:
"A luta continua!"
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