Manuel Mapfavisse
era um dos mais temidos carrascos de M'telela desde a abertura do Centro em
1975. Estava à testa de um pelotão de guardas e, por ser mais instruído
literariamente do que a maioria de outros guardas, servia de correio entre
M'telela e Lichinga.
Natural de Ampara,
no distrito de Búzi em Sofala, Mapfavisse havia recebido a alcunha de "o
Bazuca", dada a sua estatura latagónica. Tal como o comandante e a grande parte
dos que integravam a Companhia de 150 homens que guarnecia o Centro, Mapfavisse
vivia com a família nas cercanias do mesmo.
A páginas tantas, a
situação dos presos começou a preocupar um certo grupo de guardas. Condoía-lhes
a situação de alguns presos doentes e particularmente da Dra. Joana Simeão. Como
esta era ainda muito jovem, chegado o período menstrual, viam-na na sua cela a
contorcer-se de cólicas sem poderem ajudá-la. Aos trapos que lhe atiravam como
pensos para conter o fluxo sanguíneo, cabia a eles voltar a recebê-los através
da portinhola da cela e desembaraçarem-se dos mesmos.
Deste modo, até
princípios de 1977, havia em M'telela dois tipos de guardas para mesmos
prisioneiros: Um grupo de defensores acérrimos da causa do regime e um outro que
aparentava ser defensor dos direitos dos prisioneiros. Bazuca alinhou com o
segundo grupo constituído pelo pelotão que ele chefiava. Num dia, sem dar conta
da dimensão do problema que ia criar, planeia com alguns do seu pelotão a fuga
de três prisioneiros dentre os quais a Dra. Joana Simeão. Mas antes, Bazuca
ter-se-á queixado junto do comandante dos transtornos que aqueles três presos
davam. Falou da situação de Simeão e de homens que se prezavam como tal - como aqueles guardas - terem que suportar situações que
contrariam a tradição, lidando com coisas íntimas que só às mulheres diziam
respeito, apenas porque a infeliz prisioneira não podia sair da cela.
Aparentemente, a lamentação foi ao encontro da sensibilidade de Mombola e este,
tomando a peito a questão, garantiu que encontraria uma solução. Efectivamente,
Mombola encaminhou a preocupação a Lichinga, usando como argumento a tradição
africana e os "perigos" que advinham de um homem lidar com coisas femininas
daquele tipo. A resposta de Lichinga não se fez esperar. Veio "curta e grossa":
"Mandem a Joana e os outros dois cortar lenha!...'»9.
Na gíria da
guerrilha da Frelimo, especialmente desde a abertura da base Moçambique D,
próximo de Nangololo, na província de Cabo Delgado, "cortar lenha"
significava execução sumária de prisioneiros.
Recebida a Ordem
de Serviço, Mombola incumbiria a missão precisamente a Bazuca, a quem deu
aval para escolher alguns do seu pelotão para executarem a missão. Bazuca
escolheu então quatro guardas dentre os que com ele conspiravam e deu
instruções claras, alertando-os como deviam agir para libertarem os três presos
sem levantar suspeitas.
As instruções de
Lichinga haviam chegado numa altura em que o Comandante preparava uma viagem
para aquela cidade, exactamente na companhia de Bazuca. Assim, achou-se por bem
executar a "missão Joana" antes da partida, de forma a poder relatar os
resultados à chefia da Contra Inteligência Militar na capital
provincial.
Ao entardecer, os
quatro homens, sob ordens de Bazuca, que na circunstância se viu impossibilitado
de se fazer à mata dado o avalanche de trabalho que tinha que executar antes de
seguir para Lichinga, retiraram os presos e encaminharam-nos para o local da
execução. Chegados aí, os quatro guardas deram instruções aos presos para que
escapulissem. Mas antes, terão exigido que estes lhes assegurassem possuir
capacidades para alcançarem "terra firme" , isto é, o
vizinho Malawi. E mais, exigiram aos presos que nunca
revelassem as circunstâncias da sua fuga. O receio de possíveis transtornos
recaía sobre Joana Simeão por na época o seu nome ter
sido muito sonante na opinião pública moçambicana. Se reaparecesse no
estrangeiro, certamente que iria complicar a vida dos guardas. Joana Simeão
assegurou, então, que se manteria calada, e uma vez a salvo no estrangeiro
adoptaria um outro nome como garantia de passar ao anonimato.
Tendo concordado que
tudo ficaria no segredo dos deuses, os guardas dispararam alguns tiros ao acaso
e depois instruíram os presos como deviam caminhar e comportar-se na densa
floresta de Niassa. Iniciou assim a fuga dos três prisioneiros incómodos.
Todavia. Joana ficaria para trás por não conseguir manter a passada" dos seus
companheiros de cárcere. Como consequência disso, viria a ser recapturada dias
depois.
Mas antes, regressados ao Centro,
os quatro carrascos relataram os factos ao seu chefe -
Bazuca - o qual, por sua vez, informou ao Comandante sobre o "pleno cumprimento"
da Missão Joana. Sossegado, no dia seguinte, Mombola empreende então a
viagem programada a Lichinga, na companhia de Bazuca para, entre vários
afazeres, informar aos seus superiores hierárquicos acerca da execução da Dra.
Joana Simeão e de outros dois prisioneiros.
Contudo,
contrariamente às garantias dadas pêlos presos, as coisas no terreno
complicaram-se. Um dos prisioneiros, conhecedor da mata e natural de Majune, uma
vila situada a norte de M'telela, conseguiu lá chegar pedindo protecção a
familiares seus. Estes imediatamente esconderam-no, para mais tarde tratar do
seu envio para o Malawi onde residiam pessoas de família. Antes, porém, o antigo
prisioneiro revelaria as atrocidades cometidas pelas autoridades em M'telela e
as circunstâncias da sua fuga na companhia de Joana Simeão e de outro
prisioneiro. Se bem que o homem não tivesse denunciado os guardas que lhe
facilitaram a fuga, não evitou que a notícia se espalhasse entre os aldeões,
chegando ao conhecimento das autoridades locais.
Notificadas as
autoridades em Lichinga sobre o acontecido em Majune, Mombola, ainda mergulhado
nos seus afazeres na capital provincial, foi posto ao corrente da situação pelo
chefe provincial da CIM. Perante o choque inicial da notícia, e longe de
imaginar que Bazuca fosse a pessoa que planificou tudo, o Comandante recorre a
este para com ele estudar a forma de se livrar da situação. Igualmente alarmado,
Bazuca apercebe-se da dimensão do problema que criou. Precavido, ciente do que
lhe aconteceria se Mombola regressasse primeiro à M'telela, sugere ao comandante
do centro que permaneça em Lichinga para ultimar os seus afazeres, e que ele
regressaria de imediato a M'telela para acudir à situação. Tanto Mombola como o
Chefe da CIM terão concordado com a ideia e deu-se instruções para que assim que
chegasse ao Centro, Bazuca perseguisse os fugitivos. Aos infractores que
deixaram escapulir os presos, devia-se-lhes "mandar cortar lenha", vituperou o
chefe da CIM.
De regresso a
M'telela, Bazuca move-se no sentido de evitar que o seu nome se associe ao plano
da fuga. Age com cautela e rapidez. Fala em surdina com os outros chefes de
pelotões que ficam estupefactos com a notícia. Informa-os sobre os passos à
seguir, de acordo com as instruções que trazia. Numa missão silenciosa, os
quatro carrascos foram imediatamente presos e não se lhes deu tempo para se
explicarem, pois perante um quadro devidamente pintado por um homem de extrema
confiança como o era Bazuca, a medida não sofreu qualquer suspeita dos
restantes chefes de M'telela. Na calada da noite, os detidos foram levados para
um local afastado e executados a golpes de baioneta desferidos por Bazuca e
outros chefes de pelotões.
"Aqueles tipos
morreram sem perceber porquê. Primeiro porque não lhes passou pela cabeça que
um dos presos foi parar ao Posto administrativo de Majune. Segundo, como cada um
deles foi amordaçado, tendo uma venda colocada sobre a vista, não era possível
perceber quantas pessoas estavam a sua volta. Depois foram arrastados para
sítios diferentes e mortos."50.
No dia seguinte a
morte dos 4 guardas, iniciou a caçada aos fugitivos. Um grupo de cerca de quinze
homens armados de kalashnicovs fizeram-se ao mato à caça dos fugitivos. A
Dra. Joana Simeão viria a ser recapturada pouco tempo depois. Sozinha na mata de
Majune, não conseguiu ir longe. Os guardas, ao avistarem-na, gritaram para que
parasse. Por não obedecer à ordem, um dos guardas disparou, atingindo-a na mão
direita. Meses depois seria sumariamente executada na companhia do Rev. Uria
Simango e dos restantes prisioneiros políticos.
Cerca de uma semana
após a execução dos quatro carrascos e da recaptura de Joana Simeão, Mombola
regressou ao Centro tendo felicitado Bazuca pelo trabalho. Todavia, para as
autoridades, os guardas de M'telela haviam vacilado. Era necessário imprimir
uma maior rigidez na disciplina do Centro. Mombola regressou a M'telela com uma
ordem severa para cumprir, e, aos chefes dos vários pelotões, viria a
declarar:
" (...) o que
aconteceu aqui é grave. Todos vocês sabem que isto não é brincadeira camaradas.
Nós que somos responsáveis aqui podemos ser culpados e morrermos por
brincadeiras de alguns desordeiros. Trago ordens que devem ser cumpridas, doa a
quem doer. Todos
aqueles que estavam de serviço naquele dia também sabiam do jogo. Os chefes em
Lichinga disseram que é preciso punir severamente todos para servir de lição
para que ninguém no futuro aceite mais ser comprado ideologicamente por estes
reaccionários aqui:51 .
Dessa forma, os
restantes quinze guardas de um pelotão de 20 homens comandados por Bazuca,
morriam. Levados para o local da matança, foram todos executados.
Entretanto,
eliminados os guardas, surgiu o problema de como se informar as esposas de
alguns deles sobre o brusco desaparecimento dos maridos. A solução encontrada
foi a de se liquidar não só as senhoras, mas também os
filhos52.
Medida semelhante
estava, ao que se diz, reservada aos filhos do Rev. Uria Simango. Depois de o
ter mandado executar, o regime da Frelimo insistentemente endereçava convites
aos filhos do casal Simango para que se deslocassem ao Niassa a fim de
"visitarem" os pais. "0s meus tios disseram-me que, por duas vezes,
apareceram na Beira, vindas de Maputo, pessoas das nossas relações familiares
ligadas a Frelimo. Não vou dizer os nomes dessas pessoas. Diziam que o governo
queria que nós fossemos visitar os nossos país em
Niassa. Nunca falavam directamente comigo. Dirigiam-se aos meus tios e os tios
nunca nos diziam nada porque éramos menores, para além de que se nos dissessem
nós imediatamente passaríamos a viver imaginando sempre a hora da partida para
Niassa e o reencontro com os
país"*.
Desconfiados da "boa
fé" do regime, os tios dos três rapazes sempre se opuseram. Tinham informações,
vindas de outras pessoas ligadas ao poder, de que tais convites encerravam em si
algo de sinistro, que culminaria com o desaparecimento dos filhos do casal
Simango.
-"Arranjem-se
como puderem, mas não deixem que os meninos sigam para Niassa porque de lá não
mais regressarão com vida"
– diziam.
Mas
a uma dada altura a nostalgia provocada pela separação forçada da família
ter-se-á apossado de forma dramática do filho mais velho do Reverendo Simango. O
jovem optou então por arriscar, espantando a fera na sua toca. Nos fins de
1981, sem o conhecimento dos tios, Lutero escreveu uma petição ao então ministro
residente na província de Sofala, solicitando-lhe que autorizasse a sua
deslocação e dos irmãos a Niassa, a fim de visitar os pais. Numa reflexão
retrospectiva, Lutero Simango acredita também numa possível existência de
separação de poderes no seio da Frelimo daquela época, pois, segundo suas
palavras, a existir um plano para os liquidar, ou o ministro residente não
estava ao par dele ou, simplesmente, quis poupa-los. "De contrário, não faria o que
fez"55.
Com
efeito, em face da petição que lhe chegou as mãos, o
então ministro residente mandou chamar o rapaz. Eis o que diz Lutero
Simango:
"
Quatro ou cinco dias depois de ter
recebido a minha petição, logo de manhã cedo mandou um jeep militar lá para
casa do tio Francisco onde eu vivia, no bairro do Esturro. Foram lá 4 militares
bem fardados e armados com AKM's. Os meus irmãos viviam no Bairro do Vaz com o
tio Elijah. Como o jeep chegou antes das sete horas, ao tocarem a campainha quem
abriu aporta foi o tio Francisco que se preparava para ir ao serviço. Ao
deparar com dois homens armados, o velho entrou em pânico. Mas os homens
acalmaram-no. Disseram-lhe que não havia problemas nenhuns. Perguntaram muito
civilizadamente se era naquela casa onde vivia o filho de Uria Simango. O meu
tio disse que sim mas quis saber o que se estava passando. Os homens insistiram
que não havia problemas nenhuns. Tinham vindo a mando de sua excelência levar o
senhor Lutero para ir ao gabinete do governo, porque sua excelência queria falar
com ele. Eu ainda estava na cama. Acordaram-me. E como o velho nada sabia da
carta que eu havia feito, ficou mais baralhado. Preparei-me então para seguir
com aqueles homens. Os tipos até me deixaram matabichar. Estavam todos atentos
aos meus gestos e sorridentes. Acho que nunca tinham visto de perto um filho de
um reaccionário!... Achavam graça me vendo comer. Depois saí com eles direitinho para o gabinete do ministro
residente. Só que quando lá chego, quem me recebe não é o ministro. Foi o chefe
do gabinete. O homem foi muito gentil também. Estava todo sorridente. Começou
por oferecer-me um café que recusei. Depois disse que o ministro recebeu a minha
carta e pediu-lhe que conversasse comigo antes de estar frente a frente com ele
num encontro que se previa para a semana seguinte. Disse que o governo sabia que
nós estávamos passando algumas necessidades. Que o camarada ministro deu
instruções para disponibilizar uma casa recheada de mobílias e uma viatura para
nos os três, etc., etc. Estavam dispostos a disponibilizar-nos uma mesada e
garantir as necessidades escolares. Eu deixei-lhe falar e depois disse-lhe: ok,
diga ao camarada ministro que eu aceito que o governo tome conta de nós e nos dê
mundos e fundos. Mas há uma condição: Que tudo isso esteja aliado a preocupação
número um, visitar os nossos pais. Que nos fosse permitido, nem que uma vez de
seis em seis meses, visitar nossos país. De contrário, nada
feito.
Ele disse que ia encaminhar a preocupação
ao ministro. Só que nunca mais me contactaram e eu também não insisti, porque
quando regressei a casa os tios estavam em alvoroço. Coitado do tio, nem foi
trabalhar nesse dia. A tia Mazwiona, então, estava mergulhada num charco de
lágrimas. Só parou de soluçar quando me viu a entrar. Contei-lhes o que havia
feito. Nesse dia levei um bom puxão de orelhas e avisaram-me de que nunca mais
queriam ouvir falar disso. Foi daí que passei a saber que já houve tentativas de
levar-nos para Niassa, e tudo fora água abaixo porque outros diziam que isso
significava morte certa. Isso aconteceu entre 1977 e 1978. Como eu não soubesse
nada disso, durante as férias escolares de 1981, se a memória não me engana, fiz
então a petição, sem conhecimento dos tios. No ano seguinte vim para a
Universidade em Maputo. Nunca mais se falou do assunto, porque os tios voltaram
a avisar-me que em Maputo eu tinha a missão de estudar e nada de me meter em
coisas que podiam dificultar os meus estudos. Penso que eles já desconfiavam que
os nossos pais estavam mortos."56.
Bazuca saiu limpo do
esquema por ele montado, mas não viveria por muito mais tempo. Nos meados de
Janeiro de 1982, eclodiu no Centro de M'telela um problema de índole passional.
Uma das filhas do comandante Mombola, já suficientemente donzela para atrair a
gula dos homens, seria o centro de gravitação de dois amores: o de Manuel
Mapfavisse (Bazuca) e o do jovem operador de rádio de comunicações do Centro.
Enquanto Mapfavisse se esgrimia em presentear a rapariga de bugigangas que
trazia de Lichinga onde constantemente se deslocava em missão de serviço e em
visita a sua esposa que já nessa altura vivia naquela cidade, clandestinamente,
a donzela correspondia ao amor do jovem operador de rádio, fazendo de Bazuca um
bobo contente. Bazuca sabia que apesar das suas aliciantes ofertas, quem
efectivamente tirava proveito da beldade da rapariga era o homem das
telecomunicações que, para além de ainda jovem e com boas perspectivas de vir a
casar com a rapariga, era, por outro lado, mais culto literariamente do que ele.
Bazuca não encontrava formas de se desembaraçar do jovem
apaixonado.
Um dia, a esposa do
comandante, vê, na calada da noite, um vulto a sair da janela que dava acesso ao
quarto da filha. Alarmada com a situação, informou de imediato o marido o que
acabava de presenciar. Ferido no seu ego, o casal Mombola entende então pôr a
filha na "prensa", para que dissesse quem havia saído pela janela naquela noite.
A menina nega pelas "cinzas dos seus antepassados" ter visto alguém. O assunto
não morreu por aí. No dia seguinte ao acontecimento, Mombola pôs em formatura
todos os guardas que não estavam de serviço na noite anterior. Deles procura
saber quem andava a saltar das janelas das meninas na calada na
noite.
Enquanto aguardava
pela resposta, confidenciou o sucedido à Bazuca, um que se encontrava a seu
lado. Este, sem perca de tempo, sentenciou:
"É o Radista"
- referindo-se ao jovem operador de
rádio:
Havia muito tempo
que Bazuca andava desconfiado dos movimentos do rapaz. O operador de rádio foi
assim arrastado da formatura e de seguida, severamente punido. Tudo ficou por
aí.
Entretanto, a
simples punição que consistiu em fazer buracos de dois metros de profundidade e
tornar a tapá-los durante quatro dias consecutivos não agradou a Bazuca. O
"radista" tinha que sair do seu caminho.
Numa das suas
habituais viagens à Lichinga, Bazuca forja um documento, com carimbo e tudo,
onde se lia que o "radista" devia ser fuzilado, porque, segundo dados em
poder da Contra Inteligência Militar em Lichinga, o rapaz passava informações
ao inimigo. No seu regresso ao Centro, Bazuca exibe a Ordem de Serviço a
Mombola. Dada a autenticidade do documento, ao comandante nada restou
senão executar a medida. Para alegria de Manuel Mapfavisse, aliás, Bazuca, o
jovem "radista" foi executado, deixando-lhe livre o caminho para a
rapariga em disputa.
Passaram-se semanas
até que o comandante se deslocou a Lichinga, desta feita sem ser acompanhado de
Bazuca. O jovem operador de rádio, fora, entretanto, substituído por outro, o
qual, perante os insistentes pedidos de colegas em Lichinga, não ousava
informá-los por via da rede de telecomunicações os pormenores do que ocorrera
com o jovem colega. A notícia da liquidação do "radista" chegou a
Lichinga por vias não claras. Os operadores de rádio naquela cidade faziam notar
ao novo operador de M'telela que o assunto já constava da agenda do chefe
provincial da CIM. De facto, assim que Mombola chegou a capital provincial, o
chefe da CIM quis ouvir do comandante do campo de M'telela o que se passara com
o jovem operador das telecomunicações daquele Centro. Mombola, perplexo e
boquiaberto, apercebe-se de que algo não batia certo, pois que a execução
daquele rapaz fora a mando daquele mesmo homem que agora o questionava. Não
fazia sentido que o chefe local da CIM quisesse saber de histórias passadas.
Decide-se a contar tudo e informa que agiu de acordo com a Ordem de Serviço
vinda do gabinete do próprio chefe do CIM.
Em face do que
acabava de escutar, o chefe da CIM aconselhou Mombola a manter-se calmo. Deu
ordens para que Bazuca fosse chamado à Lichinga com a maior urgência
possível.
Uma vez em Lichinga,
Bazuca comparece no gabinete do chefe da CIM. A princípio não se apercebe de que
havia algo de errado. Desperta quando viu o seu Comandante, de semblante pesado,
a entrar e tomar lugar no gabinete sob ordens do chefe da CIM. Confrontado com a
célebre Ordem de Serviço, Bazuca nada soube explicar. É imediatamente
preso e encaminhado para as celas do comando provincial da CIM em Lichinga.
Depois de se confirmar que a Ordem de Serviços havia sido forjada, e que
afinal, a história da fuga de Joana Simeão havia igualmente sido por si
esquematizada, Bazuca viria a morrer enquanto se encontrava sob detenção em
Lichinga, ao que se diz, vítima de um golpe de baioneta espetada por um outro
prisioneiro. O golpe, desferido do lado inferior esquerdo do pescoço,
provocou-lhe morte instantânea e um certo alívio entre alguns dos seus colegas
em M'telela que já andavam cansados das peripécias de
Bazuca58.
"A partir da
morte de Bazuca começou a desvendar-se muita coisa em torno dos seus segredos e
da forma como Simango e outros presos foram mortos. Mombola, apesar de na altura
ser o comandante do Centro, era um homem calmo. Era apenas obediente às ordens
de Lichinga e não queria problemas para ele. Bazuca não. Esse inventava ordens
dele e até aldrabava Mombola. Alguns até ficaram felizes quando se soube que
ficou preso em Lichinga. Quando chegou a notícia da sua morte, então é que se
pulou de alegria porque era daqueles que punia a torto e a direita lá no
Centro. Alguns guardas tinham cicatrizes provocadas pelas punições dele e sempre
que se envolvesse em problemas pessoais com pessoas em Lichinga, arranjava forma
de trazê-las como presos em M'telela para maltratá-las. Quem me conta a história
dele é um dos guardas lá de M'telela, pouco tempo depois que nos chegou a
notícia da sua morte"59.
Precavendo possíveis
transtornos por parte da esposa de Bazuca que certamente não tardaria a procurar
saber junto da CIM em Lichinga das causas do silêncio do marido, e dado que esta
não possuía filhos ou familiares próximos naquela cidade que pudessem reclamar o
seu desaparecimento, a chefia da CIM entendeu "por bem" encaminhá-la à M'telela
para visitar o marido "que estava passando alguns problemas de
saúde!..."60. A senhora havia sido colocada na mesma palhota onde
viviam Celina Simango e Lúcia Tangane. Foi executada no mesmo dia com estas
duas61.
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