Viagem ao Fundo da Gaveta do Esquecimento
(Para os Jornalistas Fernando José Diniz e Henrique Reis, hoje em Portugal)
Revisito, com saudade e uma certa comoção à mistura, um dos álbuns de fotos da série «Jornalistas de Outros Tempos». É um álbum que inclui fotos datadas dos anos de 1970, 1971 e 1972, tiradas, à época, nas localidades de Nampula, Nacala e Ilha de Moçambique (Norte do País). Revejo através do álbum revisitado, Colegas que já não estão infelizmente entre nós e outros (vários!) cujo paradeiro e contacto perdi há muitos anos. São imagens de outros tempos que vão permanecer no Passado longínquo e que ficaram/estão "presas" à «Memória do Tempo». Fotos que representam "outros tempos" e Saudade de um tempo que não volta mais; fotos que me recordam todos aqueles Colegas com quem cruzei em Moçambique, ao serviço desta digna e maravilhosa profissão que é o Jornalismo.
Hoje quero falar de dois bons amigos, de dois bons jornalistas da «velha guarda»: Fernando José Diniz e Henrique Reis.
Trabalhavam ambos nas Delegações dos jornais Notícias da Beira e Diário, em Nacala. O Fernando constituía dupla com o António Pascoal, no Notícias da Beira, e o Henrique fazia trio comigo e com o Fernando Antoniote no Diário. Durante ano e meio fomos inseparáveis e existia entre nós um elo forte de camaradagem e amizade, que a profissão havia alicerçado através do tempo.
Em Fevereiro de 1972 regressei a Lourenço Marques, deixando para trás aqueles dois bons Amigos e Colegas. Os nossos fins-de-tarde à beira-mar da Esplanada do Restaurante PARÕ seriam interrompidas. Já não teríamos mais os amigos Nunes e Vasconcelos, donos do Bar, à nossa mesa, a perguntarem «então, rapaziada, hoje temos notícias "fresquinhas" ou nem por isso...?» Os fins-de- semana na «boite» CANIÇO, noite dentro - um bar de diversão que se localizava na parte alta da "cidade nova" (também!) acabariam para mim. «A gente vai mantendo o contacto, não é verdade?» - observava o Henrique. Ambos haviam de continuar em Nacala até finais de 1974, altura em que regressariam a Portugal, com as famílias. Desde então perdi-lhes o rasto, nunca mais tive notícias deles, porque a minha permanência em Moçambique prolongar-se-ia até Janeiro de 1976.
Recordo-me do telefonema inesperado do Henrique a comunicar que iria para Portugal. «Afonso: vou regressar a Lisboa este mês. Quero ver se passo o Natal com os meus pais». O Fernando também deu a notícia da sua partida através de carta enviada de Nampula para Lourenço Marques. Foram palavras lacónicas: «Embarco no final deste mês» - faz agora no dia 31 de Maio precisamente 38 anos! - «e não queria deixar de dar um forte abraço de despedida... Com os a contecimentos do "25 de Abril", em Portugal, não prevejo bons dias para Moçambique...» Escusado será dizer que «as previsões» do Fernando bateram certas até certo ponto. Quem viveu "esse tempo" sabe bem que assim foi. E depois a "debandada" de quase um milhão de portugueses a deixarem o País, comdestino a Portugal e ao Brasil, após Setembro de 1974 e ao longo de todo o ano de 1975...
Nessa altura (1974) eu estava a trabalhar nos Serviços Redactoriais do então Rádio Clube de Moçambique, como «Tradutor Noticiarista de 2ª Classe», uma das três designações profissionais que nos era dada pelo SIN, em termos de estatuto e carteira profissional. Dias depois registar-se-iam os "tumultos" do «Dia 7 de Setembro», com a RCM a ser "assaltada" por um grupo de portugueses "revolucionários", auto-denominados por «Grupo do Movimento de Libertação de
Moçambique», chefiados, à época, por militares e jornalistas do jornal NOTÍCIAS. Seguir-se-ia o tiroteiro do «Dia 21 de Outubro», ocorrido na baixa da Capital, mesmo em frente do estabelecimento «SARATOGA» e da «Biblioteca Nacional», no lado oposto da Avenida da República, entre militares das Forças Especiais de Comandos Portugueses e tropas da FRELIMO, em consequência de provocações de parte-aparte.
Nessa tarde - jamais vou esquecer, recordo como se fosse hoje! -, encontrava-me na «Esplanada do Café Djambo» com os Colegas José Carneiro e José Craveirinha. «Vocês ouviram?!? Andam aos tiros na baixa... O que será que está a acontecer desta vez...?!» -- observou o José Carneiro para nós. Acto contínuo, como se tivéssemos "uma mola no rabo" (passe a expressão!), demos um pulo e saímos em passo acelerado em direcção ao «Café Continental». O José Carneiro e o José Craveirinha trabalhavam na Delegação do Notícias da Beira, cujas instalações se localizavam no 2º Andar do Prédio Santos Gil (outro saudoso e
Querido Colega com quem havia trabalhado na Sede do então jornal DIÁRIO, em 1968).
Nós os três fomos "apanhados" no «fogo -cruzado» entre as duas forças militarizadas, em confronto. De um lado, os Comandos portugueses; do lado contrário, as tropas da FRELIMO. Eram tiros consecutivos, rajadas de metralhadora, espingarda e pistola, de um lado para outro. Com muita gente pelo meio que àquela hora circulavam, despreocupadas, na baixa de Lourenço Marques. O confronto apanhou toda a gente de surpresa. Acabei por acompanhar os dois colegas até à Delegação do Notícias da Beira. À nossa chegada, o jornalista João Sózinho, que nos abriu a porta. «Que confusão é esta...?!» -- «Andam aos tiros aqui na baixa da cidade...» - retorquiu o José Carneiro com uma expressão visivelmente transtornada. «Só faltava acontecer uma coisa destas!!...» - desabafou, amargurado.
Voltando aos colegas Fernando José Diniz e Henrique Reis. Aquando da minha saída da Beira, com destino a Lisboa, vim a saber pelo Colega Ricardo Saavedra que ambos estavam bem mas que tinham B"trocado" a profissão por "outra" actividade (provavelmente mais rentável e segura, quem sabe?) «O Fernando virou «manga-de-alpaca» num Banco e está em Almada; o Henrique trabalha numa empresa de Construção Civil, nos arredores do Porto, na Trofa, de onde é natural» --disse-me o Ricardo Saavedra.
Pois é! São as volta que a Vida dá, os encontros e os desencontros que vamos tendo enquanto por cá continuarmos na busca de certezas e de horizontes, nesta nossa vivência terrena e cada vez mais desumanizada!...
WAMPHULA FAX – 31.05.2012
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