Mediador de Roma acusa
– afirma Dom Jaime Pedro Gonçalves em Nova Sofala, sua terra natal, em homilia em que falou da Integração da Segurança da Renamo na PRM e formação integral de exército único, na presença de um ex-ministro do Interior, coronel Manuel António
Adelino Timóteo
O recém-reformado Arcebispo da Beira, Dom Jaime Pedro Gonçalves, manifestou-se insatisfeito pelo incumprimento do postulado do Acordo Geral de Paz (AGP), por parte do Governo, o que resulta no facto de a Renamo dispor ainda de força residual em Marínguè, oficialmente tida em número de 150 elementos, mas que tem vindo a oscilar, chegando o próprio presidente da “perdiz” a afirmar que dispõe de uma segurança armada de três mil homens. Falando há dias em Nova Sofala, sua terra natal, onde foi realizar missa no âmbito da sua aposentação, num estilo didáctico que perpassou pelo memorial do tempo em que ele próprio foi mediador do AGP, assinado há 20 anos em Roma, capital da Itália, Dom Jaime Gonçalves historiou à população local o labiríntico processo que foi a ardilosa negociação que levou ao entendimento entre os então beligerantes (Frelimo e Renamo), isto é, ao Acordo de Paz de Roma a 04 de Outubro de 1992, que permitiu que terminasse a Guerra Civil que durava há 16 anos.
Incidindo sobre a formação de um exército único e uma polícia única, protocolos que o Governo não cumpriu tal como devia ser, Dom Jaime afirmou que a solução do dossier Marínguè (segurança armada) inscreve-se no diálogo entre as duas partes, conforme preconizado no AGP. “Está escrito no AGP, que podeis ler, que era preciso garantir a segurança, pois a Frelimo não confiava na Renamo, nem esta confiava na Frelimo. Esta justificava a desconfiança no facto de a Renamo a ter combatido, e vice-versa.
Não queriam ficar juntos e ambos diziam “capaz”! Nós perguntamos-lhes se queriam ficar juntos, ao que eles afirmaram que “sim”.
Dissemos: vocês Renamo arranjem homens da segurança de confiança, eles vão guarnecer Afonso Dhlakama e Raul Domingos, entre outros.
Assim, a Frelimo ficaria com a sua gente de confiança. Acordámos que depois das primeiras eleições gerais de 1994 a Renamo teria que integrar os seus homens na Polícia, apresentar uma lista e entregá-los ao Governo”, recordou o emérito Arcebispo Dom Jaime.
O prelado jubilado prosseguindo o esclarecimento afirmou que: uma vez que a segurança do mato é diferente da segurança na cidade, acordou-se que os homens da Renamo teriam que ser preparados para funcionar na cidade, de modo que passassem a reunir requisitos de uma segurança de cidade, e não da Gorongosa.
“Perguntámos aos ex-beligerantes se concordavam, ao que disseram que “sim””.
“Depois da eleições de 1994, constatou-se que o ministro do Interior de então, Manuel António, foi à Gorongosa pedir os nomes daqueles que tinham sido escolhidos para a segurança da Renamo”.
“A Renamo entregou-os”. “O problema começou quando para se fazer treinos o Governo [Frelimo] disse: não posso misturar a minha segurança com a da Renamo”, recordou Dom Jaime, rebatendo esse conflito que se arrasta vão 20 anos.
“E vocês jornalistas tratam-nos (à segurança da Renamo) por Homens Armados, mas não são Homens Armados. São Segurança da Renamo. São aqueles que deveriam estar na Polícia da República de Moçambique (PRM), mas o Governo os marginalizou”, concluiu Dom Jaime Gonçalves.
Para o prelado que fez parte da equipa de mediadores do Acordo de Paz entre a Frelimo e a Renamo, na esteira dos entendimentos de Roma, a segurança armada da Renamo devia ser enquadrada na Polícia, o que, transcorridos quase vinte anos não sucedeu, resultando daí terror e morte numa sociedade que quer caminhar rumo ao desenvolvimento.
“O que se põe é que o problema de acomodação ou enquadramento daqueles seguranças do líder da oposição ficou resolvido em Roma, faltando aqui o bom censo dos moçambicanos,” repisou Dom Jaime falando na sua terra natal.
Para o Arcebispo jubilado, se tal “tivesse sido cumprido evitava-se o ambiente de desconfiança por parte dos ambos lados e haveria garantia de que o país jamais retornaria à guerra.” Moçambique precisa de homens corajosos com capacidade de interromper o plano de derrame de sangue para aplicar o acordado em Roma, disse também Dom Jaime.
Sobre as Forças Armadas
O prelado reformado afirmou ainda que quanto ao exército, Forças Armadas de Defesa de Moçambique, foi também protocolado no âmbito do AGP (Acordo Geral de Paz) que integrariam um exército único de 12 mil homens de cada lado, mas o Governo esquivou-se a misturar as suas tropas com as da Renamo.
Isso que estava previsto no AGP não aconteceu integralmente. “Para resolver esse diferendo é preciso diálogo, nem que envolvam pessoas de bem. Podemos dizer às nossas autoridades que não acreditamos numa solução de Marínguè, de recurso às armas, para a resolução deste problema. O Governo tem obrigação de garantir segurança para todos. A Renamo e a Frelimo têm que aceitar introduzir a confiança”, apelou Dom Jaime.
“Agora Afonso Dhlakama questiona o que pode fazer com os seus seguranças, uma vez que o guarnecem.
O número de soldados que deviam integrar o exército nacional foi contado. Foram aceites poucos.
Os outros ficaram de lado. Afonso Dhlakama pergunta o que irá fazer com aqueles homens, ao que lhe respondem que o problema é dele.
Assim surge o problema do dossier Marínguè: é uma questão de desconfiança.
Não fizeram o que concordamos lá em Roma. A Frelimo não teve confiança que lhe levasse a fazer uma Polícia e Exército de todos os moçambicanos. Não aceitou. E a Renamo está com os seus homens”, elucidou o mediador de Roma falando na sua terra natal a sul da província de Sofala.
Dom Jaime Pedro Gonçalves aposentou-se devido à sua idade avançada. Encontrava-se em funções desde 1976, na Beira. Dom Jaime tem-se destacado pelas suas posições frontais e críticas ao despotismo frelimista, partido esse que se mantém atento às suas homilias, e não raras vezes, reage com recados. Por exemplo, em momentos diferentes Dom Jaime causou ataques de nervos a três figuras do partido Frelimo.
Recorde-se que o então secretário- geral da Frelimo, Manuel Tomé, e Felisberto Tomás, antigo governador de Sofala, já chegaram a advertir Dom Jaime Gonçalves a não se meter na política.
Pronunciamentos bastantes contundentes de Dom Jaime também já levaram, no passado recente, Filipe Paúnde, então secretário provincial da Frelimo em Sofala e agora secretário-geral da Frelimo, a lançar contra o antigo prelado, ataques velados.
Dom Jaime, no entanto, tem-se revelado um homem de fortes convicções e coerente para consigo próprio continuando a dizer o que lhe vai na alma e continuando a ignorar as ameaças dos seus detractores.
Nasceu no dia 26 de Novembro de 1936 em Nova Sofala, na província de Sofala. Tem agora 74 anos. O arcebispo do Chiveve é vertical pela forma como fixa a realidade socio-política moçambicana e a repreende. Entrará para a história como um dos impulsionadores da cidadania activa e mediador do Acordo Geral de Paz, que em 1992 pôs fim a 16 anos de guerra entre o governo frelimista e a Renamo.
Ele não só se desentendeu com o partido Frelimo, mas também com o partido Renamo, de Afonso Dhlakama, com a qual o partido no poder o suspeitava de ter vinculações.
Mas a rota de colisão com a Renamo veio ao de cima depois da revolução de 28 de Agosto de 2008, na Beira. Foi quanto Dhlakama o acusou de traição, alegadamente por apoiar Daviz Simango. Dom Jaime nunca reagiu às observações de Dhlakama.
Numa conferência de Imprensa realizada no ano transacto, Dom Jaime afirmou que as declarações do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, de aquartelar os seus ex-guerrilheiros não lhe causam espanto, tendo em conta os seus discursos anteriores.
O arcebispo da Beira, Dom Jaime Pedro Gonçalves, afirmou mesmo que não ficou surpreendido nem tão pouco alarmado com as recentes declarações do líder da Renamo, segundo as quais pretende criar quartéis em diversos pontos do país para aquartelar os seus ex-guerrilheiros e militares que estão alegadamente a ser desmobilizados sem justa causa do exército nacional.
“É que Moçambique, nos seus poucos anos de independência, está a experimentar a diversidade de partidos, diversidade de ideias e de opiniões quase sempre oposta à dos seus habitantes. Ainda não acabamos de viver as ideias que estão na cabeça de cada moçambicano.
Por isso, não me admira que ainda haja pessoas que de alguma maneira possam prever alguma desordem e alguma falta de paz nas nossas cidades”, rematou.
Um dos assuntos que terá levado a azedar a relação de Dom Jaime com a Frelimo é o da segurança armada de Afonso Dhlakama, que o prelado disse não haver motivo de se lhes chamar “homens armados”.
Dom Jaime defende que a segurança armada da Renamo está a coberto do protocolo número IV do AGP. Voltou a repisar numa conversa que manteve com o Canal de Moçambique.
A despeito de escaramuças que amiúde envolve estes homens da Segurança da Renamo e a Polícia da República de Moçambique Dom Jaime tem uma posição: “Sofala não deve ser província de tumultos, que se pauta pelo diálogo com o cano das armas, mas, sim, uma terra dos homens que privilegiam o diálogo com recurso às palavras”.
“Pedimos aos homens sábios moçambicanos para que não nos matem gratuitamente”. Este é um aviso à navegação deste religioso que se mantém atento aos sinais.
Lançou por várias vezes apelos nesse sentido, em várias das suas homilias.
Aos dois antigos beligerantes, Dom Jaime apelou amiúde no sentido de se sentarem para resolverem pacificamente os seus problemas como é o caso dos alegados homens da Segurança de Dhlakama e da Renamo.
Governo e Renamo devem honrar o combinado
Numa alusão implícita à Frelimo e a Renamo, Dom Jaime Gonçalves recordou que “os homens de facto deveriam aplicar aquilo que foi combinado perante testemunhas oficiais sob a mediação das conversações que culminou com a assinatura de AGP, testemunhado pela Organização Nações Unidas (ONU) e outros governos considerados mais solenes do mundo.”
Refira-se que assistiu ao encontro de Dom Jaime com a população de Nova Sofala o antigo ministro do Interior, Manuel António, o qual não desmentiu as alegações do arcebispo jubilado.
Canal de Moçambique – 25.07.2012
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