Escrito por João Vaz de Almada
Na
passada segunda-feira assisti, no Centro de Conferências Joaquim
Chissano, ao lançamento da obra literária “Participei, por isso
Testemunho” da autoria de Sérgio Vieira. A cerimónia foi bonita - houve
cânticos e tudo - e estiveram presentes altas individualidades do
Estado, ex e actuais. Chissano, Chipande, Aires Aly, Fernando Couto,
Pachinuapa, Comiche só para citar os principais.
É
que este livro, pelo nível intelectual e eloquência da personalidade em
causa, era talvez o mais aguardado deste ano. Afinal estava em causa o
testemunho de alguém que ocupou durante muito tempo altos cargos na
Nação, sobretudo nos anos subsequentes à independência nacional, em
1975, período que, pela sua idiossincrasia, foi seguramente muito
agitado e muito rico em matéria para contar. Vieira foi sucessivamente
director do gabinete do Presidente da República, governador do Banco de
Moçambique, ministro da Agricultura, governador da província do Niassa,
vice-ministro da Defesa, ministro da Segurança, deputado à Assembleia da
República, só para citar os mais famosos.
O
valor histórico, a clareza de raciocínio e a escrita, simultaneamente
eloquente e entendível por todos, - o que por vezes se torna muito
difícil de atingir -, não podem, de maneira nenhuma, ser escamoteados.
Sérgio Vieira teve o cuidado e a humildade de dizer que o livro, passo a
citar, “não é uma bíblia”, isto no sentido de que não é uma verdade
absoluta, no sentido de que ninguém possui o monopólio da verdade. Esta é
a “sua” História, tal como outros têm a sua - aliás o próprio exortou
outros a fazerem o mesmo, ou seja, a escreverem as suas experiências de
modo a que o puzzle da História não perca peças. Mas a “Participei, por
isso Testemunho” faltam sobretudo revelações, novidades.
E
aqui o título entra claramente em contradição com o conteúdo. Tal como
um guarda-florestal do alto do seu ponto de observação, também Sérgio
Vieira, por inerência dos cargos que ocupou, tinha uma vista
privilegiada dos acontecimentos e isso não é perceptível no livro.
Quando
passa ao lado das duras leis do período revolucionário responsáveis
pelo êxodo de quadros portugueses que levou o país ao caos; quando passa
ao lado da implementação das aldeias comunais responsável pela
destruição da agricultura tradicional - foi precisamente ministro da
Agricultura entre 1981-83 -; quando passa ao lado das rusgas
domiciliárias nocturnas que constituíam uma flagrante violação dos
direitos humanos; quando passa ao lado da barbárie dos campos de
reeducação que nunca chegaram a criar o tal Homem Novo tão desejado pelo
poder de então; quando passa ao lado da Operação Produção que só gerou
improdutivos; quando passa ao lado do desaparecimento físico de certos
reaccionários que incomodavam o poder popular, Sérgio Vieira não está a
passar o testemunho ou pelo menos aquele testemunho que queríamos ver
passado.
Para
mais sabendo que o autor se tem indignado sobremaneira - e isso ficou
uma vez mais patente no seu discurso no dia do lançamento da obra - com
as deturpações históricas que ultimamente se têm verificado. Porque,
segundo ele, os traidores e facínoras de ontem, hoje viraram heróis e os
heróis de ontem são hoje vilões. Sérgio Vieira perdeu, assim, uma boa
oportunidade de esclarecer factos históricos evitando que a História
seja deturpada, afinal uma das suas grandes batalhas de hoje.
@VERDADE – 13.03.2010
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