Escrito por redaçao |
Segunda, 19 Setembro 2011 08:37 |
A viúva do primeiro Presidente
da FRELIMO classifica o título de Doutora Honoris Causa em Ciências da
Educação que foi atribuída esta semana pela UEM como um dos tributos
mais valiosos à família Mondlane. Em entrevista exclusiva esta
quarta-feira ao SAVANA, Janet Mondlane fala do Instituto Moçambicano,
da Frelimo “romântica” dos anos 60 e das transformações que o partido
sofreu com o tempo
. Definindo-se não como fazedora de
política, mas como admiradora de políticos, Janet disse que o sucessor
de Guebuza não tem de ser necessariamente da “Geração 25 de Setembro”.
Pelo caminho, Janet Mondlane fez notar que a Frelimo deve ouvir as
ideias da oposição para melhorar as suas próprias ideias. Siga as partes
mais importantes da entrevista conduzida por Fernando Gonçalves.
Na última segunda-feira, a Universidade Eduardo Mondlane atribuiu-lhe o título de Doutora Honoris Causa em Ciências da Educação, em reconhecimento do seu trabalho na área de formação de moçambicanos desde o início da Luta Armada de Libertação Nacional. Que significado tem esta homenagem para si pessoalmente? A homenagem significa o reconhecimento de tudo o que fiz ao longo da minha vida. É um grande prazer para mim, para a minha família, colegas, camaradas da luta armada de libertação nacional e todas as pessoas que directamente ou indirectamente trabalharam comigo ao longo deste tempo todo. Veja que ninguém faz alguma coisa sozinha. Não posso indicar os nomes das pessoas porque são muitas. Considera que esta distinção é tudo quanto merece pelo seu trabalho e dedicação pela causa de Moçambique? Para mim esta homenagem foi o máximo. Veja que além desta Honoris Causa, há mais coisas que foram feitas para a família Mondlane e que eu acho importante. Uma das coisas que considero grande prenda é a recuperação da aldeia natal de Eduardo Mondlane, Nwadjahane. Este para mim foi um gesto extraordinário para aquilo que é a valorização dos feitos da família Mondlane. A abertura e o funcionamento do Museu de Nwadjahane e a Fundação Eduardo Mondlane também representam um reconhecimento grande à família Mondlane. Trinta e seis anos após a independência, não considera que a homenagem tenha vindo demasiado tarde, considerando ainda que a Universidade que lhe atribui esta honra ostenta o nome do seu marido? Não, não, não… Receber um título de Doutora Honoris Causa não é como ganhar uma medalha no atletismo, ciclismo, natação ou de uma modalidade qualquer. No meu entender, Honoris Causa só vem quando uma pessoa é muito madura e tenha feito muitas coisas. Honoris Causa é uma prova de que de facto a pessoa viveu uma vida trabalhando e fazendo o melhor. Por isso, acho que dar Honoris Causa a um jovem (não estou contra) é uma aberração. Tem que ser uma pessoa em idade avançada, mas com muitos feitos. INSTITUTO MOÇAMBICANO Durante a Luta Armada, sobretudo na década de 60, foi dirigente do Instituto Moçambicano implantado na Tanzania, responsável pela educação e formação de moçambicanos. Fale-nos do que foi o Instituto Moçambicano. O Instituto Moçambicano é uma ideia que nasceu da nossa preocupação — Eduardo (Mondlane), eu e outras pessoas — sobre a educação dos moçambicanos. Essa ideia tem as suas raízes no próprio colonialismo (português), que vedava o acesso dos moçambicanos ao ensino. No período colonial, ao moçambicano negro sempre foi bloqueado o acesso à educação. Para mim, que cresci e vivi numa sociedade livre em que a educação era uma necessidade para todos e não uma honra ou privilégio, e depois olhar para um país como Moçambique, onde a educação para todos estava bloqueada, esta era uma grande preocupação. Foi devido a esta ideia que decidimos que não, tinhamos que dar outra ideia à educação. O Eduardo (Mondlane) e eu, juntamente com outras pessoas, começamos a criar o Instituto Moçambicano, que era no princípio uma escola secundária no sentido moçambicano. A ideia era prepararmos moçambicanos refugiados até atingirem um nível que lhes permitisse entrar numa escola que ficava ao lado do Instituto, que era patrocinada pelo African American Institute, onde se lecionava em inglês, e daí continuarem os seus estudos numa verdadeira escola secundária. Escrevemos os nossos próprios livros, construimos dormitórios e salas de aulas; era uma escola completa. Esse apoio era dos países nórdicos. Mas desenvolvemos outras coisas; recebemos uma máquina de imprensa da Finlândia, que ainda funciona aqui na Imprensa Nacional. Era uma máquina do “último grito” na altura. Fizemos panfletos para a Frelimo e outras coisas desse tipo. Formamos assistentes médicos, enfermeiros, professores, e aumentamos as nossas actividades. Depois houve dificuldades no Instituto Moçambicano e a escola secundária foi transferida para Bagamoyo, onde continuamos a trabalhar e alargamos o nosso trabalho para as zonas libertadas; escolas primárias e clínicas. Depois construimos um hospital em Mtwara, e estabelecemos um acampamento grande para mulheres e crianças em Tunduro. Podemos dizer que a nossa responsabilidade era todo o trabalho social ligado à FRELIMO. Uma coisa muito interessante sobre o Instituto Moçambicano é que legalmente ele estava separado da FRELIMO. Nós tinhamos o nosso Conselho de Direcção, que eram altas personalidades da sociedade tanzaniana. Isso ajudou muito porque governos que não podiam ajudar um movimento de libertação, podiam ajudar o Instituto Moçambicano, e foi aí que começamos o nosso relacionamento com os países nórdicos e depois com a Holanda. Era um grande movimento de apoio à luta armada nos países nórdicos, depois na Europa e finalmente até atingir os Estados Unidos… Era um trabalho muito duro. Mas aí é onde conheci muitos camaradas; (Joaquim) Chissano, (Armando) Guebuza, (Eduardo) Koloma, (Valeriano) Ferrão, Helder Martins, (Jorge) Rebelo, Daniel Mbanze (já falecido) e muitos outros. Foi uma experiência muito interessante; alguém terá de escrever a história sobre o Instituto Moçambicano. Em 1968 o Instituto ficou mergulhado numa grave crise, que culminou com a morte de Eduardo Mondlane, em Fevereiro de 1969. Pode-nos falar desse momento? Tenho uma coisa escrita sobre isso. O que é que aconteceu? Andavamos muito bem, até quando apareceram no nosso seio dois homens; o Padre Mateus Gwenjere e um outro padre belga (Poulé). Estes tinham a missão de criar distúrbios e destruir o trabalho social da FRELIMO. Eles mobilizaram os estudantes do Instituto. O Instituto tinha um formato de “U”, e este Padre Gwenjere ficou no meio do campo a gritar sobre “injustiças”, que nós não estavamos a ensinar em inglês, que todos tinham que saber inglês, que estavamos a tentar bloquear a educação deles… oh! Muita coisa. E os jovens, sendo jovens, e apoiados pelo Senhor Pastor Uria Simango… muito posso dizer sobre isso, mas vai levar um dia inteiro, e não vou falar. Mas realmente criou graves problemas. Numa noite, a polícia foi para lá instigada pelo Simango para criar ainda mais distúrbios. Não posso contar tudo, porque é muito longa esta história. Em todo o caso, decidimos retirar todos os estudantes e colocá-los em Bagamoyo… conseguimos construir uma outra escola em Bagamoyo. A minha filha Nyeleti estudou lá. Mas é um daqueles bens que vêm por mal. No momento senti-me muito mal, mas olhando para trás e depois de alguma reflexão, penso que foi bom que aquilo tenha acontecido. Não quero dar crédito ao Gwenjere, Poulé e Simango. Mas, acabou bem. Porquê? Quer dizer que essa crise ajudou a FRELIMO a se definir com maior clareza? Ajudou, ajudou. Pode pensar que era uma coisa negativa, mas ajudou-nos a definir melhor a nossa ideia de libertação e do que era necessário fazer para libertar Moçambique. Que injustiças é que os inssurrectos alegavam? Quais especificamente eram as suas reivindicações? Às vezes utilizavam palavras que eram muito difíceis de definir na mente deles. Sabe que pode se utilizar palavras para instigar pessoas, promover uma ideia sem nenhuma especificidade, mas com objectivo único de instigar pessoas. “Injustiça”? Nós que estamos a tentar educar moçambicanos. Isso é injustiça? SITUAÇÃO SOMBRIA NA FRELIMO Na sua carta, intitulada “Situação Sombria na Frelimo”, Uria Simango descreve que elementos de uma tribo (supostamente do sul) reuniam-se em sua casa, supostamente para conspirar contra a então direcção da FRELIMO, sobretudo contra o próprio Uria Simango. Pode nos recordar um pouco desse episódio? Não me lembro muito bem dessa história. Li a carta há muito tempo. Eu estou a escrever livros… isso vai aparecer num dos livros; estou a escrever o quarto agora, quando estiver a editar o quinto volume, que vai relatar aquela época, darei a minha opinião. Mas quando li entendi que havia muitas mentiras nesse documento. Como é que caracteriza a Frelimo hoje, face àquela que ajudou a moldar durante a luta armada? Há muitas diferenças. Naquela altura era um período que posso descrever de romântico. Não sei se a palavra romântico é a mais apropriada, mas éramos um grupo de pessoas com ideais comuns, que tinham uma causa. Ter uma causa é muito importante, eramos pouca gente e por isso estávamos muito juntos. Por isso o ambiente era do tipo de um movimento quase religioso. Não é possível aplicar hoje a maneira de ser que tínhamos lá; se continuássemos lá naquele período, diriamos que não nos desenvolvemos. É possível desenvolver-se, e a FRELIMO desenvolveu. Posso não concordar com todas as coisas, mas digo que em geral está a tentar movimentar-se para aqueles seus ideais. É por essa razão que naquela altura ouvia dizer que a FRELIMO nasceu em mim, e não posso sair. Tenho muito respeito pelos outros partidos, e muitas coisas que eles dizem, também tem que se analizar e decidir se o que eles dizem corresponde à verdade ou não. Mas temos de ouvir as ideias da oposição para melhorar as nossas próprias ideias. E penso que é isso que estamos a fazer. Tenho muito orgulho do que conseguimos fazer desde a independência, em pouco tempo. Mas há gente dentro da Frelimo que defende a ideia de que o partido tornou-se menos crítico em relação a si próprio. Partilha desse ponto de vista? Isso é muito possível. Mas eu não sou bem uma pessoa política; sou admiradora das pessoas que participam na política porque sei que é uma tarefa muito dura. Mas sem crítica não podemos crescer. Sendo alguém que conhece a Frelimo desde a sua criação, qual é a maior crítica que faz hoje ao partido? Não tenho nenhuma crítica neste momento. Talvez porque num país tão jovem, eu estou a olhar para o mundo inteiro. Se olhar para o que se passa no mundo, é uma tristeza; em grande parte do mundo, as pessoas estão a lutar para ter aqueles direitos que nós já conquistamos. Por isso, talvez devido a esses movimentos no mundo tenho receio de criticar a Frelimo. Eu estou orgulhosa da Frelimo que temos. Quando ainda muito jovem, decidiu abandonar o conforto dos Estados Unidos e envolver-se numa luta que tinha um desfecho quase incerto. Fazia-o por um ideal. Sente que esse seu ideal, esse sonho, foi realizado e continua a ser valorizado? Sobre isso não tenho a mínima dúvida. Algumas coisas têm de andar mal, porque o povo é composto de várias ideias e situações sociais e económicas. Há muita pobreza no nosso país, mas vencer a pobreza depende de todos nós; não podemos ter crianças que estudam sentadas no chão porque a escola não tem carteiras. Não depende do governo estar sempre a dar. O moçambicano tem de agarrar o seu próprio desenvolvimento e sair da pobreza. Penso firmemente que o moçambicano tem de ficar de pé, trabalhar e sair dessa pobreza. Não pensa que a ausência do envolvimento das pessoas nessa luta contra a pobreza resulte também da falta de uma direcção política clara, que motive as pessoas a se envolverem? Às vezes é preciso ter muita imaginação; precisamos de nos levantar e caminhar. Não é fácil, mas é a única alternativa para vencer a pobreza. Depois de ter ajudado a libertar Moçambique do jugo colonial, qual é o seu maior sonho? Que toda a gente tenha comida suficiente, habitação, educação completa para os seus filhos, que Moçambique se torne mais livre de doenças. Que tenhamos melhores condições de tratar pessoas que estejam doentes. Sonho ver um Moçambique com um bom desenvolvimento humano. No próximo ano realiza-se o décimo congresso da Frelimo. O presidente Guebuza termina o seu segundo e último mandato, e obviamente que no Congresso a Frelimo procurará encontrar o seu futuro candidato à Presidência da República. Considera que efectivamente já se fechou o ciclo em relação a candidatos da geração do 25 de Setembro? O Presidente Armando Guebuza é meu amigo pessoal. Trilhamos juntos nessa longa e sinuosa caminhada desde a Tanzânia; conheço-o muito bem e confio muito nele. Será que poderei eu confiar pessoalmente numa outra pessoa que não era meu camarada na luta armada? Isso não posso responder, mas digo uma coisa: as gerações mudam; as pessoas envelhecem, e nós não queremos pessoas que ficam no poder para a eternidade. Temos que mudar, e nós os mais velhos temos de nos conformar. Agora, a confiança que eu tenho sobre a Frelimo é tal que acredito que no congresso eles vão escolher alguém capaz. Mas tenho que esperar para ver quem é essa pessoa para poder dar a minha opinião. Eu posso pensar em muitos, e de certeza que estão lá. Não tem necessariamente que ser desta geração do 25 de Setembro; há pessoas. O que é muito interessante é que às vezes nos rimos, porque os nossos antigos camaradas, referem-se aos que têm mais de quarenta anos, dizendo: “esses jovens, esses miúdos”. Meu Deus, são pais de cinco ou mais filhos. Não é? Mas eu confio, porque o processo político encarrega-se de fazer a filtração. Vai sair muito bem, e disso tenho certeza. |
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Crise no Instituto Moçambicano ajudou-nos a definir melhor a nossa ideia de libertação
Crise no Instituto Moçambicano ajudou-nos a definir melhor a nossa ideia de libertação
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