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Por Manuel Amaro Bernardo
(...) Uria Simango, Joana Simeão e Lázaro Kavandame são apenas alguns dos milhares de opositores mortos em condições degradantes pelo regime de Samora Machel (...)
Paula d' Oliveira, in "DN" de 4-10-2004
Esta leitora do "Diário de Notícias" salienta, em carta ao Director, que "não se compreende, aliás, o burburinho que o livro de Barnabé Lucas Ncomo tem vindo a originar". É intitulado "Uria Simango; Um Homem, Uma Causa" e foi apenas publicado em Moçambique. No entanto, teve direito a uma página daquele matutino lisboeta, que incluía uma entrevista com o autor. Seria de muito interesse que a Ed. Notícias, do mesmo grupo editorial do "DN", lançasse a sua edição, em Portugal, para os portugueses o poderem apreciar convenientemente ...
De facto o assunto já tinha sido noticiado noutros jornais portugueses, como eu refiro no meu trabalho, publicado em 2003 ("Combater em Moçambique; 1964-1975"). O primeiro a fazê-lo terá sido "O Diabo" de 1-3-1983, onde se afirma nomeadamente que "apesar da FRELIMO ter afirmado estarem vivos e internados num campo de reeducação, o seu fuzilamento é igualmente confirmado por um dos textos do Ministério da Segurança de Moçambique divulgados pela revista «Scope», não obstante a garantia dada por Samora Machel, ao rei dos belgas, de que as vidas dos políticos oposicionistas seriam poupadas, foram condenados à morte e executados".
Cerca de doze anos depois, o "Público" (Magazine), de 25-6-1995, publicava uma impressionante peça jornalística com várias páginas, onde, a certa altura, afirmava:
(...) Joana Simeão foi amarrada, regada com gazolina e queimada viva,
juntamente com Lázaro Kavandame, Raul Ribeiro, Arcanjo Kambeu, Júlio Nihia, Paulo Gumane, reverendo Uria Simango e o padre Mateus Gwengere, numa vala próxima da estrada M'telela (ex-Nova Viseu e campo de reeducação desde Novembro de 1975) - Lichinga (ex-Vila Cabral), no Niassa, em 25-6-1977, enquanto os soldados cantavam hinos revolucionários. (...)
Este matutino também esclarecia que, naquele campo de reeducação, se faziam espancamentos "públicos", em frente dos restantes detidos, e que dos 1.800 prisioneiros entrados desde Novembro de 1975, apenas terão saído cerca de 100. Como refiro no meu trabalho, aquelas notícias do "Público" nunca foram desmentidas pelas autoridades moçambicanas.
É curioso que Barnabé Ncomo, depois de 15 anos de investigação, ainda não tenha conseguido precisar a data da morte de Uria Simango e dos seus companheiros. De qualquer modo não contraria o que foi afirmado por aqueles jornais e afirma: "Fuzilado ou queimado vivo" e que a execução terá ocorrido entre 1977 e 1980, apontando mais para 1977 ou 1978.
Recorde-se que em 25 de Junho de 1977 (a avançada pelo "Público"), se comemorava o 2° aniversário da independência de Moçambique.
Os prisioneiros antes e depois da independência
A leitora do "DN", Paula d' Oliveira tem igualmente razão quando afirma que “em 1974 e nos anos seguintes, quem se interessasse pelo que realmente se passava no Moçambique de Machel, não tinha qualquer dificuldade em descobri-lo - todos os dias se ouvia falar de campos de reeducação, de assassinatos(…)”.
De facto, como refiro no meu trabalho, já em 1-2-1976, o semanário o “Tempo" denunciava existência na Cadeia da Machava (Lourenço Marques/Maputo), de 14 portugueses presos ainda sob a soberania portuguesa (entre 21-3 e 24-5-1975) e de 72 após a independência. Aliás, por todo o território existiriam portugueses detidos, desde Pemba, em Cabo Delgado (cinco), a Tete, assim como em Bilibiza (quatro) e na Cadeia Civil da Beira (22).
Em 1980, o General Galvão de Melo ("Continuar Portugal"), que se batera pelo repatriamento dos portugueses naquelas condições, na Assembleia da República (1.° trimestre de 1977) e noutras organizações internacionais, afirmava:
(...) No caso de Moçambique, as diligências praticadas levaram à libertação e posterior repatriamento para Portugal de elevado número de portugueses. Com efeito e de acordo com as informações mais recentes que possuímos, de mais de duzentos que ali estavam presos até 1976, encontram-se agora apenas 40 cidadãos nacionais, detidos em todo o território moçambicano, por delitos de direito comum. Temos além disso conhecimento da existência de não mais de quatro presos antes da independência, em cumprimento de pena. (...)
Se bem que, com aquele tipo de regime, seria muito difícil discernir entre os de natureza política e os de delito comum...
"Para que o mundo (e os portugueses) não esqueça"
Samora Machel acabaria por ser vítima do regime que montou em Moçambique depois da independência. Viria a ser morto num "acidente" de aviação, numa viagem de Lusaka para Maputo, em 19-10-1986. E apesar de Joaquim Chissano ter denunciado em 16-7-1987, o carácter criminoso da ocorrência, posteriormente permitiu a interrupção da investigação e a cedência às teses sul-africanas do acidente, apesar da posição contrária dos soviéticos.
A viúva Graça Machel, que casou com o prémio Nobel da Paz, Nelson Mandela, em 18-7-1998, tem mantido uma "luta inglória" para esclarecer definitivamente a morte de Samora. Ainda nos princípios de Julho de 1998 afirmava à Imprensa que "estava muito magoada com o Governo e o Estado moçambicano”, acrescentando também, que "as investigações apontavam para uma conspiração envolvendo pessoas da África do Sul, do Malawi e de Moçambique".
Além da "natural" responsabilidade dos dirigentes do PCP e do PS da altura, no processo de descolonização, recordo as palavras de Melo Antunes antes de falecer (Julho de 1999):
“(…) Muitos responsáveis políticos portugueses têm dito que a descolonização foi a que era possível. Acho que não é assim. Considero que a descolonização foi uma tragédia. Foi uma tragédia a maneira como a descolonização acabou por se realizar. Tal como a colonização o foi. Os dois aspectos estão ligados.
Não assumo a responsabilidade do que hoje lá se vive. Isso tem a ver com os movimentos e os seus líderes. Assumo a responsabilidade das negociações para a descolonização não terem sido conduzidas de modo a evitar situações, que acabaram por “descambar" naquilo que hoje existe nos ex-territórios portugueses africanos, (…)
De facto, corno afirmou Manuel Monge, a descolonização foi feita na defesa dos interesses políticos da União Soviética, dos seus aliados e dos seus movimentos no terreno. Foi contra os interesses permanentes de Portugal, dos portugueses residentes em território sob a nossa administração e contra os interesses da população.
O DIABO - 05.10.2004
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