Ex-embaixador português aponta envolvimento de organização extremista Aginter-Press
O número dois da organização extremista, Aginter-Press, Robert Leroy, encontrava-se em Dar-es-Salam quando se deu o assassinato de Mondlane. Quem o afirma é José Manuel Duarte de Jesus, ex-embaixador português com missões em Marrocos, China e Canadá, entre outros países. Duarte de Jesus falava durante um seminário de peritos sobre a “África Austral na Era da Guerra Fria”, organizado conjuntamente pelo Centro de Estudos da Guerra Fria (Colégio de Economia de Londres), Instituto Português de Relações Internacionais - Universidade Nova de Lisboa, e pelo Instituto de Ciências Sociais (Universidade de Lisboa). O evento teve lugar no Reino Unido de 8 a 9 do Maio do corrente.
A Aginter Press foi criada em Lisboa em Setembro de 1966. A organização era dirigida pelo capitão Yves Guérin-Sérac, um dos fundadores da OAS em Madrid. A OAS era um grupo terrorista de extrema direita que lutou por uma “Argélia Francesa” durante a guerra de libertação argelina de 1954 a 1962. Com ramificações em diversos países, a Aginter Press especializava-se em actos de terrorismo, incluindo atentados à bomba, assassinatos, técnicas de subversão, telecomunicações clandestinas, infiltração e contra-subversão.
A alegada presença de Robert Leroy na capital tanzaniana em Fevereiro de 1969 poderá explicar a forma como a PIDE-DGS em Lourenço Marques fez chegar a Dar-es-Salam as encomendas-bomba endereçadas a Eduardo Mondlane, Uria Simango e Marcelino dos Santos, a primeira das quais viria a causar a morte do primeiro presidente da Frelimo. Isto põe novamente em causa as teorias insistentemente defendidas pelo coronel na reserva, Sérgio Vieira, segundo as quais a encomenda-bomba que vitimou Mondlane teria sido transportada da Beira para o Malawi e neste país entregue ao padre católico belga, Pollet, um conhecido oponente do regime colonial português. A encomenda-bomba, ainda de acordo com Sérgio Vieira, teria sido depois entregue por Pollet ao então secretário da Frelimo para a Província de Sofala, Samuel Dhlakama. Umas vezes, Sérgio Vieira afirma que o encontro entre Pollet e Dhlakama ter-se-á realizado em Mbeya e outras vezes diz ter sido em Songea. A família de Samuel Dhlakama negou enfaticamente as declarações do antigo chefe da polícia política, Snasp, e actual director executivo do GPZ, realçando o facto de Dhlakama não se encontrar em Dar-es-Salam aquando da morte de Eduardo Mondlane.
Consequências da morte de Mondlane
Na sua comunicação perante o referido seminário, o antigo embaixador português, José Manuel Duarte de Jesus, defendeu pontos de vista coincidentes com a posição assumida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do regime de Salazar relativamente ao assassinato de Eduardo Mondlane. Num comunicado emitido em Lisboa dois dias após a morte do líder da Frelimo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português atribuía o sucedido a “lutas internas”, salientando que “embora Eduardo Mondlane tivesse sido educado nos Estados Unidos, alguns dos seus colaboradores foram treinados em Praga, na República Popular da China, na União Soviética, facto que explica as grandes dissidências no seio da organização”.
Intitulada “O assassinato de Eduardo Mondlane e como Moçambique se ligou à campanha da Guerra Fria em África na década de 70”, a comunicação de Duarte de Jesus refere que “a União Soviética ou os elementos chineses da Revolução Cultural, que se encontravam activos em África, poderiam ter tido interesse em fazer desaparecer da cena política um homem cujos antecedentes tinham raízes nos Estados Unidos, a esposa era americana, e cuja tolerância política ficou bem definida por David Martin no jornal Daily Telegraph, edição de 11 de Fevereiro de 1969 como ‘eloquente e realista, Mondlane aceitava comunistas e capitalistas, árabes ou judeus, pretos ou brancos...’”
Desde a morte de Mondlane, acrescenta Duarte de Jesus, “a Frelimo iniciou uma viragem irreversível para a esquerda, terminando com o Congresso de 1977 quando se deu a adopção da ideologia marxista-leninista”. O diplomata português salienta que “o fim de Mondlane foi o fim de uma Frelimo e de um Moçambique em que ambos lutavam pela independência ao mesmo tempo que mantinham uma posição difícil, mas independente no contexto da Guerra Fria. O modelo contra o qual Mondlane havia lutado viria finalmente a ser instalado em Moçambique.”
Envolvimento da PIDE-DGS
Na sua comunicação, o diplomata português questiona o envolvimento da PIDE-DGS no assassinato de Mondlane, afirmando que “até hoje não foi apresentada nenhuma prova documental que apoiasse a teoria” do envolvimento de Portugal e da PIDE no assassinato de Eduardo Mondlane. Duarte de Jesus salienta que “o relatório elaborado pela Scotland Yard, a pedido de Nyerere nunca foi publicado pela Frelimo”.
Relatórios escondidos e revelações embaraçosas
A não divulgação do relatório da polícia de investigação criminal britânica, Scotland Yard, e das constatações da Interpol, tem a ver com revelações embaraçosas quer para o governo tanzaniano, quer para os dirigentes da Frelimo. Por um lado, a cumplicidade de dirigentes tanzanianos a nível da TANU e do executivos central e provincial da Tanzânia com a facção maconde da Frelimo que se opunha a Eduardo Mondlane. Por outro lado, à direcção da Frelimo não convinha trazer ao de cimo a história completa das dissidências internas que assolaram a Frente nos anos do exílio, em particular os antecedentes da morte de Mondlane, designadamente a eliminação de Filipe Magaia pela ala fiel ao primeiro presidente da Frelimo, e da limpeza étnica que se seguiu à morte do chefe do Departamento de Defesa e Segurança da Frente de Libertação de Moçambique em Outubro de 1966 e que foi apresentada aos moçambicanos como resultado de “ferimentos em combate” na província do Niassa.
O envolvimento directo de Portugal na morte de Mondlane está por demais comprovado. O então governador-geral de Moçambique, Baltazar Rebelo de Sousa, em audiência concedida ao cônsul norte-americano em Lourenço Marques, John G. Gossett, a 5 de Fevereiro de 1969, revelou um conhecimento profundo sobre as circunstâncias da morte do presidente da Frelimo. Numa altura em que agências noticiosas reportavam a partir de Dar-es-Salam que Mondlane havia sido vítima de tiro de espingarda, Baltazar Rebelo de Sousa afirmava ao diplomata americano que “as autoridades portuguesas eram da opinião de que o uso de uma bomba seria muito mais típico dos macondes do que um assassínio com recurso a tiro de espingarda”.
De 73 anos de idade, José Manuel Duarte de Jesus nasceu em Lisboa, tendo ingressado na carreira diplomática em Dezembro de 1960. Serviu como diplomata em Marrocos durante o regime de Salazar, e na República Popular da China e Canadá depois do golpe de 25 de Abril que derrubou o governo de Marcelo Caetano. Duarte de Jesus é autor de diversas obras, destacando-se “Casablanca - O início do isolamento português” em que retrata os acontecimentos que afectaram o regime de Salazar.
CANAL DE MOÇAMBIQUE - 21.05.2009
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