Thursday, December 18, 2025

Sobre a imaginação política (5)

 Elisio Macamo

Sobre a imaginação política (5)
Cabo Delgado e o preço de não saber pensar segurança
A forma como temos tratado o conflito em Cabo Delgado revela uma certa incapacidade de conceber a segurança como uma questão estratégica e institucional. O país enfrenta há sete anos um conflito que combina violência extremista, fragilidade social, disputas económicas e ausência histórica do Estado. Contudo, o discurso oficial permanece preso a uma retórica que evita o diagnóstico e a responsabilidade. Este problema não pode ser compreendido sem olhar para fora. Basta contrastar a nossa abordagem com o recente “National Security Strategy” dos Estados Unidos, um documento que, independentemente de concordarmos com ele, demonstra aquilo que falta entre nós,, nomeadamente, um diagnóstico explícito, prioridades definidas, integração entre meios e fins, e um entendimento claro de como a segurança depende da política, da economia e da legitimidade institucional. E o documento americano é público!
A estratégia americana começa por identificar ameaças, estabelece relação entre capacidades internas e ambiente externo e define linhas de acção com base em instrumentos diferenciados, portanto, diplomáticos, económicos, militares e tecnológicos. É um exercício de lucidez política que parte do princípio segundo o qual um país só controla aquilo que sabe nomear. Em Moçambique acontece o contrário. O Presidente da República, no seu recente discurso no Conselho Coordenador da Defesa, fala de pacificação, de combate ao terrorismo, de “melhorias encorajadoras”, mas não trata o conflito como fenómeno multidimensional. Não reconhece as causas estruturais (marginalização económica, desigualdade social, ausência de Estado funcional) e não apresenta uma arquitectura política que ligue segurança à governação. Tratar um conflito apenas como problema militar significa que a governação se abdica da sua própria responsabilidade.
No mesmo discurso, o Presidente fez pronunciamentos que se resumem, na essência, a discursos motivacionais, marcados por apelos ao patriotismo, exortações ao “empenho” e referências genéricas à necessidade de reforçar meios. Faltou neles um diagnóstico claro, uma doutrina estratégica, um conceito operacional de segurança, uma definição pública de prioridades, uma articulação explícita entre comando político e comando militar, e uma explicação detalhada das reorganizações institucionais necessárias. Em suma, faltou uma abordagem em que o Comandante em Chefe exerce liderança política real através de orientação estratégica vinculativa.
As Forças de Defesa não podem actuar eficazmente quando não dispõem dum diagnóstico político formal que explique a natureza do inimigo, a lógica do conflito e as vulnerabilidades próprias. Elas precisam duma orientação estratégica que defina objectivos claros e mensuráveis. Dependem do conhecimento das prioridades de investimento que articulem homens, equipamento, logística e inteligência. As forças armadas não podem agir com sucesso longe duma coordenação interministerial, essencial porque Cabo Delgado é tão um problema de segurança como de desenvolvimento. Finalmente, elas precisam dum sistema de responsabilização, sem o qual o país repete erros e perpetua falhas. E essa responsabilização tem que incluir o próprio governo. Em países com uma arquitectura institucional robusta e responsável, teria havido várias demissões dos ministros da defesa, do interior e das chefias militares e policiais por causa das mortes desnecessárias que têm acontecido em Cabo Delgado.
A ausência destas componentes produz uma segurança reactiva, exactamente o tipo de postura que impede o país de antecipar acontecimentos como o fim do auxílio sueco. O que a Suécia, e antes dela o Reino Unido, estão a dizer, sem o dizer, é que Moçambique não transmite confiança institucional nem demonstra capacidade de governar problemas complexos com método. Os aliados reagem ao que veem, portanto, a um Estado que evita diagnósticos, um governo que se esconde atrás de slogans e uma elite que não trata problemas estruturais como problemas estruturais. Cabo Delgado torna-se, assim, espelho da nossa incapacidade de pensar.
Eu acho que deveríamos usar o conflito como ponto de partida para uma reconstrução da nossa imaginação política na área de segurança. A primeira tarefa seria abandonar a narrativa simplista que reduz o conflito a terrorismo importado. Terrorismo há, mas a sua sustentabilidade depende de factores internos que os pesquisadores já identificaram, nomeadamente, a desigualdade, abandono, corrupção, exclusão, ausência de serviços públicos, conflito entre elites locais e elites empresariais, incapacidade de gerir expectativas e um profundo défice de legitimidade do Estado. Sem corrigir estas dimensões, nenhuma estratégia militar terá sucesso duradouro.
A liderança política deveria produzir um documento público, mesmo que em versão sintetizada, que articule uma teoria nacional de segurança com definição do problema, identificação das causas, relação entre segurança, economia e governação, metas concretas, mecanismos de avaliação, compromissos de transparência, integração entre ministérios e responsabilidades claras entre o poder político e o poder militar. As Forças de Defesa e Segurança deveriam dispor duma doutrina operacional que traduza objectivos políticos em acções militares.
É este tipo de reconfiguração estratégica, institucional e conceitual que nos falta para reagir a sinais externos como o fim do apoio sueco. Continuamos a interpretar decisões internacionais como reacções morais, quando na verdade são avaliações de risco, risco político, risco de governação, risco de incapacidade institucional. A nossa resposta deveria começar por corrigir a forma como pensamos a segurança. Cabo Delgado está a mostrar-nos, de maneira trágica, que é preciso demonstrar capacidade, capacidade essa que só surge onde há imaginação política, portanto, onde há força de conceber soluções que integrem diagnóstico e responsabilidade.
E que tudo isto seja debatido no parlamento! Na verdade, só no dia que houver coragem de levar estes assuntos à Assembleia da República para debates que não sejam dominados pela claque partidária é que vou acreditar que o nosso governo está preocupado com Cabo Delgado.
Reginaldo Ernesto Massango
O estado actual das coisas em Cabo Delgado, que já se alastram para Nampula e Niassa, denunciam a gritante contradição entre o discurso ( mesmo que mal conseguido), a Lei/ Política de Defesa Nacional e a prática desde que Moçambique é independente. Tal como Prof bem pontua, as FDS sempre foram reactivas que proativas. Mesmo sem um instrumento político, o que foi definido como estratégia de defesa foi o pensamento militar de defesa activa de Mao Tsé Tung. Não atacar, mas criar condições para repelir um provável ataque, o que levou a remodelação do exército nacional entre 1977-1980. Porém, logo em 1982 constatou-se que o exercício feito foi inútil, porque não respondia aos imperativos de defesa e segurança. O exército regular ora constituído não podia combater forças de subversão. Mais uma vez, fez-se remendos em plena guerra. O mesmo se dá actualmente. Muitas especialidades e subespecialdades formadas e alocadas ao terreno, contudo, sem resultados palpáveis. A componente política não está clara, que para mim é o problema essencial em Cabo Delgado. Dá-se mais ênfase à componente militar de defesa e ignoram-se os aspectos políticos, econômicos e sociais. Prefere-se o discurso da vitimização e dalguma forma conspiracionista. Descer ao terreno, estudar as reais causas do conflito ninguém se digna a fazer e nem permitem que quem tem vontade e capacidade o faça. E em meio a isto, as especulações ganham terreno e Cabo Delgado vira teatro de disputa de narrativas e egos políticos.
Armistício Mulande
O PR está preocupado com a "atracção de investimentos" e "vender a imagem do país" lá fora, enquanto cá dentro deixa nhonguistas capturar decisões estratégicas. Já comentei em vários fóruns que o que precisamos é olhar para dentro, nos organizarmos, conceber e dinamizar instituições e processos fortes e previsíveis. Os investimentos virão. Os que têm dinheiro não são convencidos por discursos. O PR devia "perder" grande parte do seu tempo promovendo reformas estruturais no Estado, em todas as áreas, para devolver, pelo menos, o pouco que tínhamos e que foi destruído nos últimos 10 anos. Pelo contrário, criou uma máquina governativa com várias cabeças e que dificilmente se entende o seu alcance. A presidência da república é um governo paralelo ao conselho de ministros, questões estruturais são debatidas e decididas fora do governo, ministros não têm direcção estratégica coerente...e o resto é o que se vê. Um ano depois de tomar posse, o PR parece perdido, e a cada dia que passa, vai se revelando um homem de muito discurso, pouco pensamento e pouca acção.
Além de se fechar em copas, discursando para gente perplexa, o PR devia se abrir para auscultar o país, começando pela academia. Pode perguntar ao Presidente Armando Emílio Guebuza como fazer isso, o homem ainda está vivo. Os academiCUs, apesar de os hostilizarmos, são essenciais num país que se quer viável.
Reginaldo Ernesto Massango
O estado actual das coisas em Cabo Delgado, que já se alastram para Nampula e Niassa, denunciam a gritante contradição entre o discurso ( mesmo que mal conseguido), a Lei/ Política de Defesa Nacional e a prática desde que Moçambique é independente. Tal como Prof bem pontua, as FDS sempre foram reactivas que proativas. Mesmo sem um instrumento político, o que foi definido como estratégia de defesa foi o pensamento militar de defesa activa de Mao Tsé Tung. Não atacar, mas criar condições para repelir um provável ataque, o que levou a remodelação do exército nacional entre 1977-1980. Porém, logo em 1982 constatou-se que o exercício feito foi inútil, porque não respondia aos imperativos de defesa e segurança. O exército regular ora constituído não podia combater forças de subversão. Mais uma vez, fez-se remendos em plena guerra. O mesmo se dá actualmente. Muitas especialidades e subespecialdades formadas e alocadas ao terreno, contudo, sem resultados palpáveis. A componente política não está clara, que para mim é o problema essencial em Cabo Delgado. Dá-se mais ênfase à componente militar de defesa e ignoram-se os aspectos políticos, econômicos e sociais. Prefere-se o discurso da vitimização e dalguma forma conspiracionista. Descer ao terreno, estudar as reais causas do conflito ninguém se digna a fazer e nem permitem que quem tem vontade e capacidade o faça. E em meio a isto, as especulações ganham terreno e Cabo Delgado vira teatro de disputa de narrativas e egos políticos.
Armistício Mulande
O PR está preocupado com a "atracção de investimentos" e "vender a imagem do país" lá fora, enquanto cá dentro deixa nhonguistas capturar decisões estratégicas. Já comentei em vários fóruns que o que precisamos é olhar para dentro, nos organizarmos, conceber e dinamizar instituições e processos fortes e previsíveis. Os investimentos virão. Os que têm dinheiro não são convencidos por discursos. O PR devia "perder" grande parte do seu tempo promovendo reformas estruturais no Estado, em todas as áreas, para devolver, pelo menos, o pouco que tínhamos e que foi destruído nos últimos 10 anos. Pelo contrário, criou uma máquina governativa com várias cabeças e que dificilmente se entende o seu alcance. A presidência da república é um governo paralelo ao conselho de ministros, questões estruturais são debatidas e decididas fora do governo, ministros não têm direcção estratégica coerente...e o resto é o que se vê. Um ano depois de tomar posse, o PR parece perdido, e a cada dia que passa, vai se revelando um homem de muito discurso, pouco pensamento e pouca acção.
Além de se fechar em copas, discursando para gente perplexa, o PR devia se abrir para auscultar o país, começando pela academia. Pode perguntar ao Presidente Armando Emílio Guebuza como fazer isso, o homem ainda está vivo. Os academiCUs, apesar de os hostilizarmos, são essenciais num país que se quer viável.

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