Monday, June 9, 2025

O Trump que a imprensa se recusa a ver

 

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Donald Trump, presidente dos EUA e Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro e primeiro-ministro saudita, aguardam a cerimônia de assinatura do Memorando de Entendimento (MOU) na Corte Real em Riad, Arábia Saudita, em 13 de maio de 2025 | Foto: Reuters/Brian Snyder
Edição 270

O Trump que a imprensa se recusa a ver

É extraordinário, mesmo em se tratando de jornalistas e de donos de veículos de comunicação, que a mídia tenha conseguido dizer tanta bobagem em tão pouco tempo

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Ninguém perdeu tanto o seu próprio tempo, nos seis meses que se passaram desde novembro do ano passado, quanto o indivíduo que ficou lendo, ouvindo ou vendo o que a mídia lhe disse sobre Donald Trump. Ou sobre o conflito entre os Estados Unidos e a China que iria mudar para sempre o equilíbrio do mundo. Ou, por causa de Trump e do conflito, os riscos de que a humanidade toda fosse para o espaço. A imprensa, brasileira e internacional, conseguiu algo que não se via desde os 70 anos que durou a Rússia Soviética: não informar nada do que realmente aconteceu em relação a cada um desses assuntos e, ao mesmo tempo, dar 100% de informação errada sobre o que não aconteceu.

Na Rússia, a população passou todo aquele tempo sem receber uma única e escassa informação correta porque havia o “controle social” da ditadura sobre os meios de comunicação, com a censura mais intransigente que já se tinha visto desde Gutenberg — até a lista telefônica de Moscou era tida como segredo de Estado. Nestes seis meses de Trump-China, a censura foi substituída por uma combinação de más intenções, antijornalismo explícito e eliminação da vida inteligente no noticiário. Foi a negação da notícia. Começou com a eleição de Trump, que a imprensa negou que iria acontecer, cresceu em histeria depois da posse e está aí até hoje. É um fato? Vamos esconder. Não é fato? Vamos publicar.

Não adiantou absolutamente nada, para o público em geral, ler jornal, ouvir rádio ou ver televisão nesse tempo todo. Nada do que lhe disseram é verdade. Tudo o que lhe disseram é falso. A maneira mais prática de verificar essa realidade é seguir as instruções do Rei ao Coelho, em Alice no País das Maravilhas: “Comece pelo começo. Vá direto até o fim. Aí pare”. Trump iria destruir o mundo, por anunciar 100% de imposto sobre as importações vindas da China, invadir o Canadá e brigar com todos os aliados dos Estados Unidos. A China, que segundo a mídia é hoje o novo farol da humanidade e a verdadeira potência mundial, iria retaliar com uma guerra nuclear na economia — e os Estados Unidos acabariam reduzidos a nada.

Alice no País das Maravilhas | Ilustração: Gerada por IA/Shutterstock

Disseram ou não essas coisas? Eis aí o começo. Depois foram enumerando catástrofes, uma a cada 24 horas, e as mais notáveis fantasias. Trump era seguramente um Dr. Silvana que ia acabar com o mundo. Com certeza já estava brigando com Elon Musk, outro megalomaníaco incurável e fora de controle. Ia, ao mesmo tempo, bater de frente com a Rússia e deixar os russos liquidarem a Ucrânia. Tinha (ou tem ainda) um plano pronto para fazer uma “limpeza étnica”, ou algum tipo de genocídio soft, para sumir com os “palestinos” e transformar a Faixa de Gaza num resort turístico de luxo. Não pagaria mais a sua parte na defesa militar da Europa. Na verdade, ia abandonar todos os seus aliados e transformar os Estados Unidos numa espécie de tribo isolada do Alto Purus.

O presidente Macron, reforçado pela menina Greta e por Leonardo DiCaprio, ia unir a China à Europa e deixar os Estados Unidos na mão. “Não se exclui a hipótese”, diziam os analistas, ou “trabalha-se com o cenário” de que Trump ia sair soltando bomba atômica pelo mundo afora — mas poderia ser contestado, talvez, por uma revolta dos generais americanos. Mais que tudo, para não ir muito longe com essa demência toda, o confronto ia deixar óbvio o estado de indigência terminal da economia e da civilização americanas — detonadas, na verdade, pela tecnologia, indústria, comércio, ciência, cultura, transporte, pontes, viadutos e a nova “Rota da Seda” dos chineses. Como os americanos iriam sobreviver sem as importações da China? As crianças, coitadas, ficariam sem os seus presentinhos de Natal.

Isso era só a desgraça externa; a desgraça interna seria pior ainda, alarmavam-se os especialistas de Harvard ou da Universidade Federal do Cariri, todos ouvidos ansiosamente pela imprensa. Milhões de estrangeiros “não documentados” seriam expulsos do território americano. Trump acabaria com o combate à “mudança do clima”; pior, ia ignorar as advertências da ministra Marina sobre o fim do mundo. A trava dada nas torneiras da USAID e outros mamutes da máquina federal dos Estados Unidos, que irrigavam com bilhões de dólares as ONGs da extrema esquerda mundial, foi descrita como uma declaração de guerra à “inclusão” e à “igualdade”. A maior economia do planeta seria levada à ruína daqui a meia hora. Ninguém quer aprender chinês, ouvir música chinesa ou mudar para a China. Mas a China é o que há.

O presidente Macron, reforçado pela menina Greta e por Leonardo DiCaprio, ia unir a China à Europa e deixar os Estados Unidos na mão | Foto: Reuters

É extraordinário, mesmo em se tratando de jornalistas e de donos de veículos de comunicação, que a mídia tenha conseguido dizer tanta bobagem em tão pouco tempo. Não apenas não aconteceu nada do que foi exposto nas linhas acima. Aconteceu exatamente o contrário. Esse apagão quase completo da realidade não aconteceu por falta de informação — nada do que houve de relevante para a correta divulgação dos fatos é secreto, sobrenatural ou difícil de entender. Aconteceu pela miserável incapacidade da mídia de fazer a análise lógica do que está na cara de todos, e sobretudo pela sua recusa intransigente em pensar. No caso, pensar levaria os jornalistas a conclusões diferentes das que sempre tiveram em relação a Donald Trump, os Estados Unidos e a ideia fundamental de liberdade. Eis aí algo inegociável para quem prefere crer a raciocinar.

A mídia, desde a eleição de Trump, quer que haja uma guerra comercial entre a China e os Estados Unidos — e que os Estados Unidos percam. Mas esqueceram de combinar com a China, que simplesmente não quer isso e nem lê o New York Times para saber o que tem de fazer na vida. Não entra na cabeça de ninguém, a não ser na de Lula, de Janja e dos jornalistas, que alguém possa entrar em guerra com os Estados Unidos e sair no lucro. Na cabeça da China com certeza não entra — e não é por birra dos chineses para desmentir os comunicadores pró-guerra, mas porque eles têm o hábito de pensar, fazer contas e identificar os seus próprios interesses.

A China sabe perfeitamente que os Estados Unidos consomem nada menos do que um terço, atualmente, de tudo o que é produzido sobre a face da Terra — e que, salvo Janja etc. etc. etc., ninguém quer romper relações com um terço do consumo mundial para aliar-se com Lula e o seu “Sul Global”. Os chineses sabem que o PIB dos Estados Unidos é US$ 10 trilhões (isto mesmo, 10 tri) superior ao da China. Sabem que é o maior mercado para a exportação dos seus produtos — e que não teriam para quem vender os US$ 450 bilhões que exportaram em 2024 para os Estados Unidos. Mas não daria para vender para a Europa? Em 2008, os PIBs da Europa e dos Estados Unidos eram do mesmo tamanho — cerca de US$ 14 trilhões cada um. Hoje, na casa dos US$ 28 trilhões, o PIB americano é 80% superior ao europeu. Na conta per capita já é o dobro. Está bom assim?

Tem mais. Das dez maiores empresas do mundo, no mesmo ano, quatro eram americanas. Hoje são nove, e a décima é o governo inteiro da Arábia Saudita — sendo que o valor de mercado das primeiras da lista, qualquer uma, é maior que todo o PIB do Brasil, hoje por volta dos US$ 2 trilhões. O que Lula e a sua soja (que ele diz detestar, por sinal) acham que estão fazendo nesse jogo? No primeiro vento que bateu depois de sua calamitosa viagem com Janja para a China, os chineses cortaram toda a importação de frango do Brasil por causa de problemas sanitários, sem tomar o menor conhecimento da puxação de saco lulista. Voltem quando estiverem com os papéis em ordem, disse a China — e chega de conversa.

O governo vira-lata que está aí correu para amansar os chineses — problema nenhum, dona China, a senhora é gente finíssima, desculpa aí alguma coisa. Foi isso, no fundo, que disseram os comunicados oficiais brasileiros. Enquanto isso os chineses, nas conversas que levam a sério, acertaram discretamente, até futuros acertos, a desavença das tarifas com os Estados Unidos. Os americanos, para encurtar a história, estão levando para o seu cofre muito mais do que levavam antes do tranco dado por Trump — exatamente o que ele queria, em primeiro lugar. “Eles estão loucos para negociar com a gente”, disse Trump tempos atrás. Não deu outra, e não é só a China que está louca para negociar.

No primeiro vento que bateu depois da calamitosa viagem de Lula e Janja para a China, os chineses cortaram toda a importação de frango do Brasil por causa de problemas sanitários | Foto: Ricardo Stuckert/PR

O Brasil também deveria estar prestando atenção nisso, se tivesse um governo que tratasse com um pouco de seriedade os interesses do Brasil. Mas não tem. Não há ninguém, hoje, fazendo a pergunta-chave de qualquer política externa honesta: qual é a posição que pode servir de maneira mais objetiva às necessidades do nosso país? Em vez disso, o governo e o Itamaraty perguntam: o que serve melhor ao porre de ideias erradas de Lula, do PT e da esquerda? Não têm noção das realidades expostas acima. Não têm noção, sequer, dos volumes envolvidos. Voltaram da China falando que iam trazer “US$ 27 bilhões” de “investimentos” chineses. Investimento em que, precisamente? Quando? Já entrou um dólar desses nos registros do Banco Central? Mesmo que seja verdade, é uma mixaria. Só na última viagem de Trump à Arábia, ele (que está “destruindo” a economia americana) trouxe US$ 600 bilhões de investimentos árabes para casa. Placar parcial: Trump 600 x Lula 27. Dá para comparar?

As ilusões perdidas da mídia em relação a Trump, Estados Unidos e China vão continuar perdidas, pois não adianta nada andar com fé se você quer ir para Bauru e pegou a estrada que vai para o Rio de Janeiro. Não é apenas a intolerância aos fatos. Falta aos jornalistas o entendimento elementar das realidades mais evidentes de uma situação política. Em primeiro lugar, a mídia não entende que Trump está aplicando o antigo mandamento dos príncipes, até hoje não substituído por outro melhor: nenhum governante ganha nada sendo fraco, assim como ninguém ganha nada sendo pobre. Ele não desafiou a China. Só mostrou que os Estados Unidos vão usar a força que têm; é essa a regra do jogo. Os chineses e o mundo entenderam.

Durante os quatro anos do governo de Joe Biden os Estados Unidos, por estupidez de uns e malícia de muitos, fizeram um notável esforço para serem fracos. A China, em troca, não deu um figo podre para os americanos; em vez disso, só sentou a pua neles. A Rússia invadiu a Ucrânia. Os terroristas árabes fizeram o mais infame ataque jamais lançado contra Israel. O Irã deitou e rolou. Nem a Venezuela ligou para Biden — em sua última realização, roubou uma eleição como um bandido de rua rouba um celular para tomar uma cervejinha. É essa a “paz” que os moderados, equilibrados e civilizados querem para o mundo? É desse jeito que defendem a “democracia”?

Donald Trump, presidente dos EUA, e Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro e primeiro-ministro saudita, aguardam a cerimônia de assinatura do Memorando de Entendimento (MOU) na Corte Real, em Riad, na Arábia Saudita (13/5/2025) | Foto: Reuters/Brian Snyder

Trump, o homem das cavernas que ia levar o mundo à barbárie, trouxe a China para a mesa de negociação; o mundo, por aí, vai na direção oposta à de uma guerra comercial. Há um cessar-fogo em Gaza, e devolução de reféns por parte dos terroristas. O imenso “poderio militar” que a mídia atribuía ao Irã virou suco. A posição de Israel, militar, econômica e política, nunca foi tão forte — e os grupos terroristas, em toda a região, nunca estiveram tão mal das pernas. Quando Trump ronca sobre o Canadá ou a Groenlândia, ninguém mata e ninguém morre; o companheiro Putin, que faria exatamente isso se estivesse no seu lugar, entendeu o recado. É o único tipo de recado que entende. Mas a mídia acha que o mundo está pior do que nunca com Donald Trump. Que sentido faz uma coisa dessas?

A imprensa não entende que Trump não é um Godzilla solto em Washington, fazendo tudo o que lhe dá na telha. É o oposto: não infringiu a lei nenhuma vez, nem vai infringir, e trabalha com uma equipe de secretários altissimamente habilitada, a começar pelo que cuida da economia nacional. Não perseguiu um único negro, gay ou mulher; tem, ao contrário, negros, gays, mulheres e imigrantes em postos-chave do seu governo. Em todo caso, e para dizer o mínimo, Alexandre de Moraes viola a lei 24 horas por dia; comparado a ele, Trump é um congregado mariano em busca da santidade. E o Ministério de Trump? Alguém duvida de que seja pelo menos umas 10 mil vezes melhor que o de Lula? Eles têm Scott Bessent como secretário do Tesouro; nós temos o Fernando Taxad. Dá para conversar?

Mais que tudo, não há o entendimento rudimentar sobre o que sejam de fato uma democracia e uma república. Nem os jornalistas, nem a esquerda e nem o STF aceitam que a democracia é o governo escolhido pela maioria, e que na república a vontade da maioria é limitada pela lei; isso pode, aquilo não pode, e estamos conversados. A maioria, por exemplo, pode querer linchar um cidadão, mas a lei diz que isso é proibido. Pode querer linchar. Mas linchar não pode. Qual seria o problema? Trump está fazendo o tipo de governo que a maioria dos americanos quer; foi o que prometeu na campanha, e por isso foi eleito. E está executando a vontade da maioria dentro do que a lei permite. Está deportando imigrantes ilegais? Está. E o que diz a lei a respeito disso? Que o governo pode deportar, porque a imigração ilegal é proibida por lei.

Nada representa tão bem essa treva do que uma das principais acusações que a mídia brasileira faz a Trump — a de que ele só pensa nos interesses dos Estados Unidos, ou pensa primeiro no que é bom para os americanos e só depois no resto. Mas e daí? É essa, justamente, a principal obrigação que recebeu ao ser eleito presidente. Queriam que ele pensasse primeiro nos interesses da Macedônia do Norte? Trump diz que quer fazer os Estados Unidos “grandes de novo”. Se vai fazer ou não vai, é coisa que os fatos dirão. Mas se Lula dissesse que quer fazer o Brasil “grande de novo”? Quantas horas o Supremo daria para ele “se explicar”? Mais uma vez, como diria o ministro Alexandre de Moraes: “Tenha dó”.

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Trump aposta no poder de consumo dos EUA e na liderança econômica global para redesenhar o comércio mundial sob seus próprios termos | Foto: Shutterstock

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