sexta-feira, 13 de julho de 2018

Paz? Qual paz?

ANDA meio mundo aos sorrisos porque, esta semana, Filipe Nyusi e Ossufo Momade anunciaram consensos nas questões militares, pacote mais delicado em todo o processo negocial. Até os americanos estão eufóricos com o anúncio, como se a tal paz já fosse uma certeza. Paz? Mas qual paz? Alguém dizia, certa vez, que paz não é tão somente a ausência do cheiro a pólvora, é algo muito mais que isso. Pois bem. Há já algum tempo que não se ouve o bang-bang entre os dois beligerantes, desde que o saudoso Afonso Dhlakama
decidiu decretar, unilateralmente, o fim do conflito armado com o exército governamental. Todavia, a verdadeira paz foi sendo uma miragem, ao extremo de hoje puxarmos pelos galões num autêntico vociferar…paz, paz, paz… Primeiro há que criar condições para o braço armado da Renamo entregar todo o seu arsenal bélico a quem de direito, neste momento, o governo-Frelimo, em nome do Estado moçambicano. Antes, a assinatura do memorando de entendimento entre as partes, num cerimonial que se espera de praxe.
Seguir-se-à a materialização do pacote alusivo ao desmantelamento do braço armado da Renamo, imediatamente depois da integração dos oficiais nos comandos-chave das forças de defesa e segurança, designadamente polícia e na secreta, ainda à reintegração de outros tantos nas forças armadas, de onde nunca deviam ter saído. Um processo complexo sobejamente conhecido e sublinhado pelo próprio presidente da República. Como tal, não devia ser seguido às pressas e a contra-relógio, como está a parecer, sob o risco criar fissuras.
Mais delicado promete ser o exercício de entrega-e-recolha do arsenal bélico da Renamo, a favor do governo-Frelimo. Esta casa teima no exemplo registado quando da desmobilização e desmilitarização da Renamo e das Forças Armadas de Moçambique (governo), para depois se formar o exército nacional único, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). 
Os homens e as mulheres alvos do processo, foram acantonados em lugares eleitos pelas respectivas lideranças. Para esses centros, a ONUMOZ enviou peritos militares para proceder à colecta das armas à medida que desmobilizava ao rítimo da entrega de uma arma, i.e., cada guerrilheiro da Renamo e cada tropa governamental que entregava uma arma que durante a guerra civil usou, tinha direito ao cartão de desmobilização e pacote de utensílios, ainda algum dinheirinho destino a pagar o… ”chapa” para casa e desse início a uma nova vida, integrado na sociedade.

No meio do processo, foi-se detectando que algumas (muitas) das armas que iam sendo apresentadas, eram absolutamente obsoletas e as pessoas que as manuseavam não eram dignas de terem suportado uma guerra tão intensa como foi aquela que culminou com o cessar-fogo, a partir de Roma, Outubro de 92. Na altura ninguém questionou em voz alta aquela situação, mas guardando nas memórias. Aliado a isso, tudo indica que os verdadeiros protagonistas da guerra civil não estavam alí, nos centros de acantonamento, a serem desmobilizados, porque trocados por uns tantos, de menor potencial. 
A verdade demorou a vir à tona, mas ela acabou emergindo. Os conflitos pós-eleitorais deram azo a ameaças belicistas e rapidamente o mundo assistiu a troca de tiros entre os mesmos contendores de um passado recente. Poucos saberão onde a Renamo foi buscar a logística para equipar o seu braço armado, depois de ter entregue a ONUMOZ. Os excedentários de que tanto se fala e a integrar nas forças de defesa e segurança, hoje, se calhar nunca estarão disponíveis a engordar as novas fileiras. 
A desconfiança entre o governo-Frelimo e a Renamo está tão enraizada que ninguém, de um lado e de outro, já acredita na contraparte. O facto de a Frelimo, na Assembleia da República, ter feito valer a sua maioridade para atrasar o debate em torno da lei das eleições autárquicas, reforça a ideia de que a cultura da desconfiança está em alta, idem quando a Renamo decide empurrar Ossufo Momade para a casa segura de Gorongosa. 
Só por uma razão o ET interpreta a precipitada salva de palmas dos americanos e de outros tantos, ao anunciado consenso da Beira. Necessidade de moralizar as partes a prosseguirem com as negociatas, ao mesmo tempo transmitir a ideia de que o mundo está de olho no processo moçambicano. Apenas essa a causa da manifestação de rigozijo, não mais, pelas razões apontadas nos parágrafos acima. 
Mudando de página, as eleições autárquicas estão agendadas para 10 de Outubro. Até lá, muitos não acreditam que o processo negocial possa estar concluído o suficiente para dar lugar às eleições. Há quem acredita que é possível correr contra o tempo e em menos de três meses as eleições possam acontecer. Para isso, a Renamo já veio garantir que, pela parte que lhe diz respeito, não haverá nenhum constrangimento em termos de cumprimento. A Renamo, de facto, já por diversas ocasiões demonstrou competência no cumprimento de metas, quando efectivamente está disposta a isso. 
Foi assim quando, em Roma, foi anunciado o cessar-fogo e tem sido assim sempre que é decretada a cessação das hostilidades armadas. Mas esse é o lado belicista Resta saber se a Renamo, não belicista, será capaz de fazer cumprir os seus próprios ditames, sem a tal voz de comando…bélico. Recuperando o tema eleições autárquicas, às pressas teremos o parlamento a aprovar a lei das eleições autárquicas e os órgãos da administração eleitoral empenhados em inscrever os candidatos ao escurtíneo, mas também espaço para a campanha eleitoral e tudo o resto atinente ao processo.
Isto promete uma verdadeira correria danada…No final, tudo vai dar na mesma. Paz? Que paz? A verdadeira paz será certificada depois do anúncio dos resultados eleitorais de Outubro. Aí o mundo irá testemunhar a reacção dos da Renamo em caso de derrota nos municípios onde aposta. 
Nesse momento, saber-se-à se ainda estarão armas escondidas em algum canto ou homens residuais que não tenham sido desmobilizados de propósito. De igual modo, teste para o grau de cumprimento das regras de jogo eleitoral, sem as tão anunciadas batotas em cada acto eleitoral. 
Se as coisas correrem às mil maravilhas mesmo naquele quadro, aí teremos a resposta à pergunta actual. 
Paz? Qual paz? Até lá, vai um longo caminho. 
EXPRESSO – 13.07.2018

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