O que está por detrás da guerra de nervos entre o Governo e a Sasol
Agora parece claro. A rota de colisão entre o Governo e a Sasol está mais perceptível. Ontem, a multinacional veio num exercício de marketing tentar colocar um travão nas hostilidades. Ela anunciou em press release que vai financiar a reabilitação de 35 Kms da Estrada Nacional N1 entre Pambara, em Vilankulo, e Mangungumete, em Inhassoro. É uma secção da estrada fundamental para as operações da petrolífera. Jon Harris, o Vice-presidente da Sasol Upstream, disse que essa reabilitação era um cometimento claro da companhia para o desenvolvimento de Moçambique.
Este anúncio poderá melhorar sua imagem de pária na opinião pública. A imagem de uma multinacional que obteve um “deal” altamente vantajoso para a exploração do gás em Temane em circunstâncias específicas. E que se mantém intransigente na captação dos benefícios desse “deal” mesmo que ele não beneficie Moçambique, as circunstâncias de hoje sejam distintas e nosso Governo tenha uma melhor vantagem negocial. Mas o anúncio poderá ser insuficiente para sanar as feridas que originaram a presente musculatura, levando o Governo a revogar há dias um concurso da multinacional para a contratação de uma transportadora de petroleio leve para o Porto da Beira.
As feridas decorrem de duas atitudes da Sasol recebidas com profundo desagrado nas hostes do poder político local.
A primeira é esta. Em 2016, por iniciativa do Governo, a Sasol e a EDM chegaram a acordo para a instalação de uma central térmica com a capacidade para geração 400 megawatts de energia com base no gás natural de Temane. A empreitada é conhecida como Temane 400 MW Project (Temane IPP) e envolve a SVP moçambicana (51%) e a Sasol (49%). A SVP é uma joint venture entre a EDM, a HCB mais um investidor estrangeiro. O entendimento inicial era o de que a Sasol forneceria o gás ao custo de 2 USD por milhão de BTUs (unidade de medida do poder calórico). Mas, nos últimos meses, a Sasol fez marcha atrás e elevou seu preço de gás para 3 USD por milhão de BTUs. Foi um golpe profundo nas expectativas do nosso Governo.
A segunda razão da zanga do Governo é esta. Mateus Magala, o tão empenhado PCA da EDM, solicitou à Sasol uma contribuição 80 milhões de USD (condições que não consegui apurar) para a construção de uma nova linha de alta tensão de Temane a Maputo, associada ao projecto de central térmica de 400 megawatts. Trata-se de uma parceria envolvendo a EDM e a HCB, chamada Temane Transmission Project (TTP). O objectivo do TTP é evacuar a energia gerada no IPP através de uma linha de transmissão de 400 KV em circuito simples numa distância de 560 km de Vilankulo até Maputo (através das subestações do Chibuto e Matalane), conectando-a com o sistema de distribuição na capital e com o sistema de transmissão da Motraco, possibilitando sua exportação.
A solicitação de Magala à Sasol enquadrava-se numa mobilização de fundos para um projecto cujo fecho financeiro está marcado para o primeiro trimestre de 2019. O início da operação comercial deste projecto está marcado para 2022, na etapa derradeira de um eventual segundo mandato de Filipe Nyusi como PR. Há poucas semanas, uma delegação da Sasol estava a caminho de Maputo para anunciar sua disponibilidade de contribuir para o TTP não com o valor solicitado mas com cerca de metade. Metade? Porque metade? Eis a questão que suscitou o desagrado local. E a visita da Sasol foi cancelada ao mais alto nível. A Sasol estava a se comportar como uma força de bloqueio ao desenvolvimento de Moçambique.
Depois veio a revogação do concurso, o comunicado da Sasol segundo o qual estava seguindo todos os preceitos legais nesse concurso e agora o seu anúncio da reabilitação de uma secção da EN1. O braço de ferro está na mesa. E só uma abordagem diplomática ao mais alto nível do poder político dos dois lados pode levar a uma solução concertada e que não prejudica as aspirações dos moçambicanos. Como que para minorar também sua imagem de pária, ontem a Sasol “lembrava” ela já investiu 33 milhoes de USD em “cerca de 150 projectos sociais”, que “beneficiaram 500.000 pessoas”. No meio de tanta desconfiança, só uma avaliação independente por confirmar ou desmentir essa asserção.
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