sexta-feira, 13 de julho de 2018

Em julgamento histórico, sobrevivente de grupo neonazi é condenada a prisão perpétua


Beate Zschäpe foi declarada culpada em dez acusações de assassinato com motivações raciais. Familiares e advogados de vítimas queixam-se de investigação com muitas falhas e pedem mais justificações.
    
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Acusação argumentou que Zschäpe estava ciente de todos os crimes e encobriu o trio, apesar de não ter ficado provado se teve aprticipação direta ou não
O Tribunal de Munique condenou esta quarta-feira (11.07) a prisão perpétua Beate Zschäpe, a única sobrevivente de um grupo neonazi pela sua participação numa dezena de assassinatos por motivação racista, além de outros crimes como ataques com bombas, assaltos e tentativas de assassinato. Foram ainda condenados quatro homens, culpados de apoio ao grupo nazi, com penas entre dois anos e meio e 10 anos de prisão.
O tribunal determinou ainda que os crimes cometidos são de extrema gravidade, o que, na prática, impede que a condenada possa deixar a prisão depois de cumprir 15 anos da sua pena. A defesa vai recorrer da decisão à instância superior, o Tribunal Federal de Justiça.
Mehmet Daimagüler
Adovago das vítimas diz que ré "vai deitar-se na cama que ela própria fez"
Mehmet Daimagueler, advogado das vítimas congratula a decisão.
"Acho que a sentença para a Zschäpe, prisão perpétua, incluindo a consideração de extrema gravidade, é consistente e correta. A Senhora Zschäpe, não é uma mulher que infelizmente estava no sítio errado à hora errada. É uma nazi, racista e assassina. Está a deitar-se na cama que ela própria fez”, declarou. 
O advogado acrescenta, contudo, que, para os clientes mais do que penas longas, era importante perceber "porque é que o Estado não os protegeu”, e, pelo contrário, até agiu como se eles fossem suspeitos. Para o advogado, trata-se de "racismo institucional”.
Processo longo
O julgamento durou cinco anos. Beate Zschäpe, de 43 anos, é a única sobrevivente de um trio designado Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). Os seus dois colegas Uwe Mundlos e Uwe Boenhart foram encontrados mortos a tiro pela polícia que os ia deter. Os crimes foram perpetrados entre 2000 e 2007. Oito das vítimas assassinadas eram comerciantes de raízes turcas e uma outra era grega. Foi ainda morta uma agente policial.
 
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Em julgamento histórico, sobrevivente de grupo neonazi é condenada a prisão perpétua

Para Barbara John, provedora do governo alemão para as vítimas e familiares, o longo julgamento acabou por fazer com que o sentido de justiça perdesse o impacto.
"Posso apenas dizer que o veredicto corresponde ao que as famílias esperavam. No entanto, este veredicto na Alemanha - que durou quinze anos – tem uma certa fraqueza, no que diz respeito ao sentido de justiça para aqueles que perderam um familiar”, lamenta.
Muitas falhas apontadas à investigação
O caso chocou a Alemanha devido ao facto do trio ter estado ativo e impune durante anos, indicando falhas nos serviços de informações internas. Além disso, durante muitos anos foi descartada a possibilidade de que as mortes dos comerciantes tivessem uma motivação racista e fossem ligadas a grupos de extrema-direita do país.
A polícia e os serviços secretos internos alemães levaram mais de uma década para descobrir que a série de crimes tinha sido cometida por um único grupo, que só foi descoberto a 4 de novembro de 2011, depois de um assalto a banco na cidade de Eisenach.
À imprensa, no dia anterior ao julgamento, as famílias queixavam-se que, apesar dos cinco anos de julgamento, muitas questões ficaram por responder. Ativistas que seguiam o caso e advogados dos familiares acreditam que há fortes suspeitas de que o grupo neonazi tem uma vasta rede de apoiantes além do que as autoridades reconhecem.
Sebastian Scharmer, advogado da filha de uma das vítimas, deixa fortes críticas à investigação.
Deutschland NSU-Prozess Nebenklage-Anwalt Sebastian Scharmer
Sebastian Scharmer, outro dos advogados das vítimas diz que investigação nos locais do crime foi insuficiente
"Se o procurador-geral acreditou que revirou tudo à procura dos culpados, isso é errado. Pelo que sabemos, as investigações pelos apoiantes nos locais do crime foram rudimentares e insuficientes. Isso não encaixava na teoria do trio, isto é, de apenas três culpados, que o procurador-geral defendia. Além disso, durante quase sete anos, as partes interessadas e nós, como advogados, não puderam aceder a ficheiros dos processos do Ministério Público”, queixa-se.
Scharmer insiste que os serviços de inteligência da Alemanha em nada contribuíram para ajudar a resolver o caso. E acrescenta que, durante processo, eles "mentiram e esconderam informação”.
Na véspera do julgamento, Gamze Kubasik, filha de uma das vítimas, Mehmet Kubasik, assassinado em 2006, também falou em ambiente de secretismo e pedia justificações.
"Não quero ter a sensação de que posso cruzar-me na rua com culpados a cada dia. Quero saber porque é que o meu pai foi um alvo. Quero saber porque é que, até hoje, não foram conduzidas investigações contra outros cúmplices. Os nossos advogados têm de ter acesso aos ficheiros. Quero que os serviços de segurança nacionais admitam o que sabem. Porque é que querem manter segredo?", pergunta Gamze Kubasik.
Acusação vai recorrer
Não há provas de que Zschäpe participou diretamente nos assassinatos. Mas a acusação afirmou que a sua colaboração foi decisiva para encobrir o trio e argumentou que ela estava ciente de todos os crimes, tendo concordado e participado decisivamente da sua execução.
München NSU Prozess Pflichtverteidiger Sturm Stahl und Heer
Defesa queixa-se que veredicto foi vago a descrever participação da ré nos crimes
Zschäpe, por sua vez, afirmou que só ficou a conhecer os crimes depois de já terem sido cometidos e apelou ao tribunal que não a condenasse por "algo que não fiz nem quis". Zschäpe afirmou ter ficado chocada com os crimes, mas que, mesmo assim, optou por não denunciar Böhnhardt e Mundlos porque "os dois eram a minha família."
Por isso, a advogada de defesa da  principal ré, Anja Sturm,  que considerou o veredicto fago quanto à participação de Beate Zschäpe, garante que a defesa vai recorrer.
"A escassez de razões da decisão do tribunal é particularmente surpreendente para nós. Pelo que ouvimos, especialmente no que diz respeito aos dez assassinatos, o tribunal apenas repete a definição de responsabilidade, o que significa que Uwe Mundlos e Uwe Boenhart cometeram os dez assassinatos de forma deliberada e em interação intencional com a senhora  Zschäpe O tribunal deixa em aberto que tipo de interação foi. Do nosso ponto de vista, o veredicto é errado e vamos recorrer”, afirmou Anja Sturm.
O julgamento dos crimes da NSU é o maior processo judicial envolvendo neonazis da história da Alemanha e também o mais caro, com um custo estimado de 56 milhões de euros.

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Será conhecido, esta quarta-feira (11.07), veredito do processo contra membros do grupo terrorista de extrema direita NSU. Crimes incluem 10 assassinatos na Alemanha. Acusação quer prisão perpétua para ré principal.
    
NSU-Prozess Beate Zschäpe (picture-alliance/dpa/P. Kneffel)
Sessão de julgamento do processo do NSU, em Munique
A primeira vítima da série de assassinatos morreu em setembro de 2000. Oito homens com raízes turcas e um de origem grega. Todos foram baleados com a mesma arma.
Os investigadores presumiram que os autores teriam envolvimento com a cena das drogas e suspeitaram também de membros das famílias das vítimas. Uma motivação racista foi rapidamente excluída.
Ninguém confessou os crimes que foram realizados por toda a Alemanha.
Depois, a policial Michèle Kiesewetter foi morta a tiros em Heilbronn, em abril de 2007, mas ninguém viu qualquer conexão com os outros assassinatos.
Quatro anos e meio mais tarde, depois de uma tentativa fracassada de assalto a banco em Eisenach, em novembro de 2011, os corpos dos supostos autores dos crimes, Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos foram encontrados numa autocaravana incendiada.
Aparentemente, eles tiraram suas próprias vidas para escapar da prisão.
NSU-Prozess Beate Zschäpe (picture-alliance/dpa/P. Kneffel)
Beate Zschäpe
Grupo revela-se 11 anos depois
Após a morte de ambos, Beate Zschäpe, que teria entrado para o grupo terrorista de extrema direita NSU, em janeiro de 1998, juntamente com Böhnhardt e Mundlos, colocou vídeos do grupo em uma caixa de correio e apresentou-se à polícia. Foi assim que se soube da existência do NSU.
A Alemanha estava em choque. Como seria possível que o NSU tivesse conseguido arrastar sua mortal trilha de sangue por todo o país, durante tanto tempo, sem ser descoberto?
Além dos dez assassinatos, os atos criminosos do NSU incluem dois atentados a bomba em Colônia, com mais de 20 feridos, e 15 roubos.
Mais de 430 dias de julgamento
Beate Zschäpe e quatro acusados de apoiar o NSU estão a ser julgados desde 6 de maio de 2013 por um Tribunal  de Munique.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) está convencida da culpa dela e exige uma sentença de prisão perpétua na constatação da gravidade especial da culpa. Para os quatro alegados apoiantes, a acusação solicitou entre três e doze anos de prisão.
Independentemente do veredito que será proferido para a ré principal, a investigação dos crimes do NSU falhou do ponto de vista dos sobreviventes e dos parentes das vítimas fatais.
Eles confiaram na promessa da chanceler alemã, Angela Merkel, em fevereiro de 2012, durante uma cerimónia em memória das vítimas da NSU.
"Como Chanceler Federal da República Federal da Alemanha, prometo a vocês: faremos tudo para esclarecer os assassinatos, descobrir os cúmplices e apoiantes e penalizar legalmente todos os autores," declarou Merkel na época.
Deutschland NSU-Prozess in München | Oberlandesgericht (picture-alliance/dpa/P. Kneffel)
O tribunal de Munique, onde acontece o julgamento
Dúvidas por esclarecer
Muitas perguntas permaneceram sem resposta, diz Antonia von der Behrens. A advogada de Berlim representa um filho de Mehmet Kubaşik, assassinado em Dortmund em 2006.
Von der Behrens está convencida de que o NSU tinha muito mais apoiantes do que os acusados em Munique - também e especialmente na cena do crime. Segundo a advogada, as autoridades de proteção da Constituição tiveram diversos espiões infiltrados no ambiente do grupo terrorista, por muitos anos. No processo, eles só foram autorizados a testemunhar até certo ponto, ou nem sequer autorizados a depor.
"O papel das autoridades de proteção da Constituição não foi realmente esclarecido. E não se viu a vontade política de efetivamente fazer-se isso," avalia von dr Behrens.
Este esclarecimento, diz a advogada de acusação von der Behrens, "muito claramente falhou", referindo-se ao julgamento criminal em Munique, mas também ao aspecto político.
A falha do Estado não teve consequências pessoais. Apenas o então presidente de autoridade de  proteção constitucional, Heinz Fromm, assumiu a responsabilidade e renunciou em 2012 - em resposta à anterior destruição de arquivos com a referência ao NSU, logo após a descoberta do grupo terrorista.
Muitas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) também ainda têm muitas dúvidas sobre a NSU. No Bundestag, o Parlamento alemão, houve até mesmo duas CPIs, a última delas liderada pelo então parlamentar democrata-cristão Clemens Binninger.
"A NSU foi realmente apenas um trio? E neste trio, apenas os dois homens cometeram os crimes sem deixar rastos em parte alguma?" questiona Binninger.
Ele também gostaria de saber quem deu o "impulso decisivo" para a seleção das cenas dos crimes e das vítimas.
 
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Crimes por toda a Alemanha
Os assassinatos foram perpetrados em toda a Alemanha: Rostock e Hamburgo no norte, Dortmund no oeste, Kassel no centro e Nuremberg, Munique e Heilbronn no sul do país.
A investigação criminal do NSU poderia continuar após o julgamento em Munique. O Procurador-geral da República conduz investigações contra nove outros suspeitos, há anos. No entanto, teme-se que ninguém mais seja acusado, afirma Martina Renner, especialista em NSU e deputada federal do partido "A Esquerda".
"Isso seria um sinal fatal para a cena neo-nazista militante, porque irradiaria a mensagem: você pode apoiar uma rede extremista de direita assassina e nada acontece," conclui.
Antes de sua eleição para o Bundestag, Martina Renner foi presidente da CPI sobre a NSU no parlamento estadual da Turíngia.
Deste estado vêm Zschäpe, Böhnhardt, Mundlos e muitos extremistas de direita do grupo terrorista.
Segundo a deputada federal, que acompanhou de perto o processo do NSU, os arquivos da autoridade de proteção da Constituição permanecem trancados e alguns foram até mesmo destruídos. Ela diz ter dúvidas sobre o real desejo de esclarecimento por parte dos responsáveis políticos.

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