
O já mundialmente famoso caso Manuel Vicente representa um duplo teste. Um testePARA
a existência do Estado de direito em Portugal e em Angola e um testePARA
o verdadeiro empenho e capacidade de João LourençoPARA
combater a corrupção.
a existência do Estado de direito em Portugal e em Angola e um testePARA
o verdadeiro empenho e capacidade de João LourençoPARA
combater a corrupção.
Quanto a Portugal, não vale a pena perder muitas linhas. Têm-se visto antigos altos dirigentes políticos do país, como Paulo Portas, Miguel Relvas ou Martins da Cruz, a sobreporem ao Estado de direito – sob o qual, acima de tudo, todos devem ser tratados de igual modo perante a lei – considerações de interesse nacional e razões de Estado. Portanto, para estes personagens, os interesses dos políticos e dos negócios estão acima da lei.
A verdade é que, para já, o poder judicial tem resistido à pressão política. Porém, sabendo-se que a tradição lusitana é de deferência da justiça perante o poder político, e conhecendo a política de interesses da oligarquia angolana, haverá muito em breve uma decisão remetendo o processo de Manuel VicentePARA
Angola.
Angola.
Em Angola, a determinação de João Lourenço em proteger Manuel Vicente surpreende aqueles que esperavam que o combate à corrupção fosse verdadeiro. Manuel Vicente é um caso teste. Ao protegê-lo, Lourenço está a emitir um sinal: o de que os maiores ladrões de Angola e os mais poderosos estão a salvo de qualquer sanção judicial. Portanto, na prática, com esta atitude, o novo presidente da República mata a sua campanha contra a corrupção.
O compromisso entre Angola e Portugal
Tem interesse analisar o recente documento da Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana que alegadamente foi entregue por João Lourenço ao primeiro-ministro português em Davos, na Suíça, e que pretende ser um ponto de compromisso entre Angola e Portugal.
Na realidade, compromissos de justiça não deveriam ser tratados por chefes de executivo, mas já se percebeu que, na mente destas pessoas, a justiça apenas se aplica ao comum dos mortais, e não aos titulares do poder político…
Parece que o tal documento contém três argumentos essenciais: que Manuel Vicente só pode ser julgado daqui a cinco anos em Angola; que a Lei da Amnistia não se lhe aplica automaticamente, devido a uma distinção entre crimes comuns e crimes específicos; e, finalmente, que Portugal pode sempre, mesmo que envie o processo para Angola, recuperar o direito de julgar Vicente.
O primeiro argumento
Comecemos pela questão dos cinco anos. A posição oficial das autoridades angolanas é que em Angola Manuel Vicente só poderá ser julgado em 2022. Baseiam essa conclusão, certamente, no artigo 127.º, n.º 3 da Constituição (CRA), que dispõe “Pelos crimes estranhos ao exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante o Tribunal Supremo, cinco anos depois de terminado o seu mandato.” Tal artigo é aplicado também ao caso do vice-presidente, por força do artigo 131.º, n.º 4 da CRA.
Ora, se lermos integralmente o artigo 127.º, entenderemos que este se aplica a crimes cometidos pelo Presidente da República (ou Vice-Presidente da República) durante o exercício do seu mandato. A expressão chave é “exercício das suas funções”. Existem os crimes ligados ao exercício das suas funções, que têm determinado regime, e os crimes estranhos ao exercício das suas funções, que têm outro regime, mas tanto num caso como no noutro a Constituição refere-se a factos ocorridos durante o exercício do mandato, e não anteriores ou posteriores.PARA
factos que aconteceram fora do período do mandato executivo não existe qualquer dilação de cinco anos. Ora, reportando-se os factos de que Manuel Vicente é acusado a um tempo anterior ao seu mandato como vice-presidente, não está este abrangido por qualquer adiamento de cinco anos.
factos que aconteceram fora do período do mandato executivo não existe qualquer dilação de cinco anos. Ora, reportando-se os factos de que Manuel Vicente é acusado a um tempo anterior ao seu mandato como vice-presidente, não está este abrangido por qualquer adiamento de cinco anos.
O certo é que, segundo a lei, se o processo for transmitidoPARA
Angola, Manuel Vicente pode ser julgado de imediato. Simultaneamente, há que considerar as imunidades de que goza por ser deputado à Assembleia Nacional, as quais, no entanto, podem ser levantadas.
Angola, Manuel Vicente pode ser julgado de imediato. Simultaneamente, há que considerar as imunidades de que goza por ser deputado à Assembleia Nacional, as quais, no entanto, podem ser levantadas.
O primeiro-ministro português, António Costa, e o presidente João Lourenço, na Suíça.
O segundo argumento
Contudo, na prática, devido à Lei da Amnistia, o julgamento de Vicente em Angola não aconteceria. E também aqui o documento produzido pelos juristas da PGR se engana. A Lei da Amnistia, lei n.º11/2016, de 12 de Agosto, aplica-se a todos os crimes comuns puníveis com pena de prisão até 12 anos cometidos até 11 de Novembro de 2015 e a todos os crimes militares, excepto aqueles que a lei expressamente salvaguarda. É isto que consta do artigo 1.º.
As autoridades angolanas vêm dizer que os crimes comuns estão amnistiados, mas os crimes específicos não estão, e elaboram uma teoria abstrusa segundo a qual haverá que considerar “todos os outros elementos do quadro legal aplicável, seja o previsto no Código Penal, seja o previsto em ‘legislação penal extravagante’, como a que respeita aos titulares dos cargos políticos, entre outras”.
Pura invenção.
A Lei da Amnistia não faz qualquer distinção deste género, nem se aplica somente ao catálogo de crimes previstos no Código Penal. Nem existe nesta lei a diferenciação entre crimes comuns e crimes específicos. A diferenciação, como resulta da leitura singela do artigo 1.º, faz-se entre crimes comuns e crimes militares. E ambos estão amnistiados.
Os únicos crimes não amnistiados estão previstos no artigo 3.º e, devido ao princípio da legalidade, são esses e só esses que não estão amnistiados. Assim, estão fora da amnistia os crimes dolosos cometidos com violência em que resulte a morte ou tenha sido utilizada uma arma de fogo; os crimes de tráfico de droga com uma punição determinada; os crimes de tráfico de pessoas e de órgãos de seres humanos; os crimes de estupro e similares; e os crimes de auxílio à imigração ilegal. Manuel Vicente não é acusado de nenhum destes crimes, e por isso não existe qualquer base legalPARA
sustentar que os seus actos não seriam amnistiados em Angola.
sustentar que os seus actos não seriam amnistiados em Angola.
Obviamente, tem de se verificar se os crimes de que Vicente é acusado têm uma medida penal superior a 12 anos, caso em que não estariam amnistiados.
Em Portugal, a falsificação não chega aos 12 anos, a corrupção também não. No caso do branqueamento de capitais, a pena pode ir até 12 anos. E só no caso de o agente praticar as condutas de forma habitual é que se aplica um agravamento de um terço.
Assim, uma vez que Manuel Vicente não enfrenta uma possível condenação a mais de 12 anos de prisão, seria necessariamente amnistiado em Angola.
O terceiro argumento
O terceiro argumento é que, caso transfira o processoPARA
Angola, Portugal pode sempre recuperar o direito a julgar Manuel Vicente. Possivelmente, aqui assiste razão à PGR angolana, mas numa formulação restrita. Se o processo for transferido e Manuel Vicente acabar por não ser julgado, Portugal poderá reiniciar o julgamento – não tendo havido prescrição. Contudo, se houver julgamento, Portugal não poderá julgar pelos mesmos factos.
Angola, Portugal pode sempre recuperar o direito a julgar Manuel Vicente. Possivelmente, aqui assiste razão à PGR angolana, mas numa formulação restrita. Se o processo for transferido e Manuel Vicente acabar por não ser julgado, Portugal poderá reiniciar o julgamento – não tendo havido prescrição. Contudo, se houver julgamento, Portugal não poderá julgar pelos mesmos factos.
Em resumo, a transferência do processo de Manuel Vicente de Portugal para Angola não obriga, ao contrário do que alega a PGR, uma dilação de cinco anos, mas resultará na aplicação da Lei da Amnistia. Portugal poderá, em certas circunstâncias, reevocar o direito de julgar Vicente, mas tal não se afigura de todo realista.
Manuel Vicente é, por isso, um homem livre. Enfim, tanto teatro judicial e diplomáticoPARA
nada. É o triunfo da alta corrupção entre Angola e Portugal, o laço mais forte que une os dois países.
nada. É o triunfo da alta corrupção entre Angola e Portugal, o laço mais forte que une os dois países.























































































No comments:
Post a Comment
MTQ