Não sou um fã do Ziqo Mabousada. O Bawito é doutra galáxia. Mas também suas vaipadas porno irritaram-me. Contudo, ele acaba de lançar um hit sobre o amaranthus (tseke) como solução alimentar do povo para a crise. Ele canta assim: “Vamos comer tseke/se você não quer futseke”. É a confissão de um desamor, primeiro, dele que sempre andou surfando nas vertigens do poder. Mas é sobretudo o retrato de um desamor mais profundo, o do poder para com o seu povo. Então? Não ve que a solução para a crise é o tseke !!!? Se não querem futseke! Ziqo diz que come couve quase todos os dias e agora esta do tseke!!! Mas afinal donde vem tseke? Ah, vamos xixitar por aí....Ele canta o conhecimento popular das origens do tseke; uma planta daninha que prefere crescer onde entornamos nossos xixis de circunstância. É um hit bem conseguido no plano da mensagem, texto breve mais profundo, escarnio quanto baste e uma ironia visceral A batida, o firmamento melódico, no entanto, podia ter mais graça se bebesse de nossas raízes...a melodia parece aculturada. Eu proporia para aquela cadência melódica uma solução tipo Felisberto Felix. Conhece Djogorro quando ouvir?
Na foto; o amaranthus viridis, que se parece mais com o nosso tseke. O Amaranthus, para vossa informação, tem dezenas de espécies.
Guy Debord, um pensador francês, escreveu ainda em 1967 um dos livros que melhor retrata o mundo que herdamos actualmente: "A Sociedade do Espectáculo". Na obra, Debord faz um retrato sombrio de uma sociedade onde a cultura da aparência, das ilusões colectivas e da mediatização da imagem caracterizam as relações entre as pessoas que a constituem.
Nesse tipo de sociedade, quase tudo se resume ao consumo directo de entretenimento, onde as pessoas guiam as suas vidas pelo que é determinado pelos meios de comunicação social de massas (como a televisão e, hoje em dia, a internet). As pessoas não conseguem dissociar a imagem da realidade e a única mensagem, assumida quase que religiosamente pelas massas, é a de que "o que aparece é bom; e o que é bom aparece". Então, todo o mundo quer, mais do que tudo, aparecer. E para aparecer, porque o mundo também é intrinsecamente materialista, é preciso ter. Então, todo o mundo quer ter. Ostentar. Possuir. Obter e consumir bens materiais passa a ser a condição necessária para as pessoas aparecerem e serem socialmente visíveis. Mostrar aos outros que se tem e que se consome tais bens passa a ser um espectáculo onde quase todos querem ser actores.
Olhem para o vosso universo social e para a competição desenfreada em que quase todos se encontram: luta-se para se ter o melhor emprego, o melhor salário, o melhor carro, a melhor casa, as melhores roupas, as melhores comidas, os melhores electrodomésticos, os melhores telefones, os melhores parceiros e derivados.
Obviamente que existe quem controla essa sociedade do espectáculo e dita as suas dinâmicas e tendências. A cultura de massas é difundida pelos meios de comunicação social que têm donos. Esses donos têm os seus agentes (publicitários, apresentadores, actores, músicos e derivados, no contexto moçambicano). Esses agentes são pessoas compradas e orientadas por interesses elitistas que os contratam para disseminar apenas o que lhes convêm, beneficia ou rentabiliza. É precisamente assim como o que tais meios de comunicação social de massas veiculam é rigorosamente controlado por quem os domina.
Estás a dizer isso tudo porquê afinal, oh Edgar? É simples. A mais recente música do cantor Ziqo, intitulada "Tseke" (podem ver a imagem promocional na imagem que acompanha o presente texto) e onde ele diz, dentre outras coisas, "vamos comer tseke/se você não quer futseke", não é mais do que a mensagem oficial dos poderosos que controlam Moçambique para o seu sofrido povo. Os mesmos que faliram as contas públicas do país, os que são responsáveis pela bancarrota financeira e económica do Estado moçambicano e os que menos ou nada se ressentem do incomportável custo de vida actual mandaram o Ziqo, seu inconfundível agente de estupidificação popular, dizer ao povo para, diante da fome e da ausência crescente de soluções alimentares básicas, ir comer tseke ou então que se dane.
Sei que virão aqui os bombeiros de plantão do sistema a dizer que tentei forçar uma interpretação restritiva da expressão "vamos comer tseke/se você não quer futseke"... Ora, não se precisa de ser especialista na língua ronga/changana para se saber que "futseke" quer dizer, em português corrente e sem papas na língua, "que se foda(m)". Do mesmo modo que todos os moçambicanos com apenas dois pares de neurónios sabem que o Ziqo (artista comercialmente bem sucedido, com chorudos endorsements publicitários do sistema e que provavelmente ainda coma tseke por mero capricho) é um cantor de campanha política e social do sistema, na vertente de entretenimento. É o advento da sociedade do espectáculo em Moçambique, onde de forma "soft" e através da música, o poder constituído manda o seu próprio povo se foder. E a música vai ser um sucesso exactamente por isso. Vai "bater" nos meios de comunicação social exactamente por isso. É, aparentemente (?) bom comer tseke, hoje em dia... até o milionário Ziqo come!
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