A história condenará todos os criminosos.
Em Moçambique, o líder da RENAMO garante que o seu partido faz o que
deve para tornar célere o diálogo. Segundo Dhlakama, "já a FRELIMO, por
sua vez, até hoje diz que está a aprender, a apreciar e a analisar".
Em entrevista exclusiva à DW África, o presidente do maior partido da
oposição mostrou satisfação em relação ao trabalho dos mediadores
internacionais. Para além da crise política, Afonso Dhlakama falou à DW
África também sobre os sucessivos assassinatos dos membros do seu
partido, apontando o dedo acusador à FRELIMO.
DW África:
Confirma que os mediadores internacionais tentaram ir ao seu encontro
para um diálogo e terão recuado face a confrontos ou ataques na região
onde se encontra?
Afonso Dhlakama (AD): É verdade, só que a
história não foi bem contada. Foi um assunto que tratei com o Presidente
da República, o meu irmão Nyusi, a pedido dele. Que alguns mediadores
pudessem chegar aqui secretamente para não prejudicar [o processo]. E
aceitei que viessem, vieram dois, sem muita publicidade. E para aceitar
este encontro disse que os militares teriam de se retirar de algumas
posições do Governo no caminho por onde passariam os mediadores e ele
prontificou-se [ a fazê-lo]. Disse-me que já tinham saído e na verdade
não se tinham retirado. Quando os mediadores já estavam perto [do lugar]
do encontro os grupos da FRELIMO começaram a disparar em direção aos
que vinham para a reunião e assim o encontro não aconteceu. Voltaram a
apanhar o avião de regresso a Maputo. Faltaram a palavra, diria, o
Governo e o próprio Presidente que é Comandante em Chefe das Forças
Armadas. Ele é que tratava comigo a questão secretamente e viu as forças
de segurança passarem por cima dele. Não sei se foi uma manobra, porque
não quero acreditar que um comandante tenha abusado das ordens do
Nyusi. Já não sei e nem posso acusá-lo de querer matar-me e nem afirmar
categoricamente que queriam matar os mediadores europeus porque seria um
problema muito grave, teriam a Europa toda contra a FRELIMO.
DW África: Com isso podemos subentender que há duas vozes de comando dentro do Governo na FRELIMO?
AD: Não quero acreditar que as forças armadas estejam a fazer coisas
fora da decisão do Nyusi na qualidade de Comandante em Chefe. Eu sou
político e general e dirigi a guerra dos 16 anos, cresci na guerra e sei
o que é um militar ou um comandante. Ninguém executa uma operação sem
que o seu chefe saiba. O Nyusi pode estar a fingir e a ser aconselhado
que faça as coisas de uma determinada forma. Portanto, não posso dizer
que facções militares estejam a contrariar as ordens do Comandante em
Chefe. Eles cumprem ordens, só que as ordens que dão secretamente, em
termos de democracia, dão a entender que não estão envolvidos.
DW África: A RENAMO está satisfeita com o rumo das negociações de paz e com o trabalho dos mediadores internacionais?
AD: Há morosidade por parte de nós moçambicanos, em particular do
próprio Governo moçambicano. Os mediadores internacionais não mandam,
estão a ajudar os moçambicanos a nosso pedido. O que se nota é que desde
o mês de agosto, quando iniciaram as negociações, andaram rapidamente.
Eles têm feito as propostas de descentralização, mesmo a proposta da
RENAMO de governar as seis províncias e a reintegração nos lugares de
chefia dos quadros militares da RENAMO nas FADM. Os nossos irmãos do
outro lado, da FRELIMO, têm sido muito lentos, por exemplo, ainda não
responderam a muita coisa. A RENAMO tem dado resposta prontamente a
todas as propostas e sugestões que lhe foram feitas por esses mediadores
internacionais. A FRELIMO, por sua vez, até hoje diz que está a
aprender, está a apreciar, está a analisar.
DW África: Então, o mais provável é que o processo negocial continue em 2017?
AD: Já não tenho certeza porque estava otimista em agosto e setembro.
Não pensava que o conflito chegaria até hoje (09.11), porque as coisas
andavam rapidamente. Penso que, se não apertarmos muito, as negociações
poderão transitar para 2017 - o que é lamentável para o povo de
Moçambique. Para além de precisarmos da própria paz, democracia,
direitos humanos, eleições livres e transparentes, agora há uma onda de
assassinatos que a FRELIMO adotou como método de atuação. Sequestram os
membros da RENAMO nas zonas rurais, matam a sangue frio para além das
pessoas serem baleadas. Coisas tipicamente do Nyusi, que nunca vimos nem
com Samora Machel, nem com Chissano e nem com Guebuza. E nunca ouvimos
dizer que alguém tenha sido preso porque baleou um membro da RENAMO. Há
assassinatos diáriamente - duas a três pessoas - no centro e mesmo lá no
sul. E há pouco tempo foi assassinado um dos nossos colegas que também
fazia parte da equipa de negociações, chamado Jeremias Pondeca.
DW África: A RENAMO está a tomar alguma medida para proteger os seus
membros que estão a ser vítimas desses assassiantos seletivos?
AD: É um pouco difícil, porque o país é tão grande. Se se tratasse de um
distrito ou de uma localidade onde todos juntos poderíamos circular e
fazer as patrulhas para deter os esquadrões da morte, concerteza iríamos
fazer. Mas veja com o tamanho territorial de Moçambique, isso não é
fácil. Tudo o que está a acontecer tem um nome é terrorismo. Embora
estejamos a nos sentir muito mal e nervosos, adotamos uma posição de não
recuarmos face à luta. Se os outros fazem isso - aliam o mais
inteligente e o mais forte como forma de silenciar ou intimidar - então a
nossa estratégia é, quando nos vingamos, sempre exigimos a democracia.
Sabemos que no futuro ela irá vingar, a justiça irá responsabilizá-los e
a história nunca apodrece. Portanto, essa é a nossa estratégia, caso
contrário muitos tinham que abandonar as fileiras da RENAMO com medo de
serem mortos, mas ninguém está a abandonar. Pelo contrário, os
académicos, os licenciados estão a entrar em massa [para o partido]. Não
é apenas a população das zonas rurais.
DW África: Considerando o
crescente número de assassinatos, não receia que as famílias das
vítimas procurem vingar-se por conta e risco ou que haja até uma espécie
de guerra urbana?
AD: Mesmo quanto aos conflitos e roubos de
votos, de 1994 até hoje - se não tem havido revoltas contra o regime é
porque, de facto, tenho feito um árduo trabalho de contenção porque sou o
líder. Sou muito pressionado para que assumamos a estratégia de revolta
mesmo a sangue frio contra os [membros] da FRELIMO. Já houve académicos
que me ligaram a perguntar porque não faço uma lista [de membros da
FRELIMO] e entrego-a aos meus homens para que cortem o pescoço a essas
pessoas. E a minha resposta é: sou democrata e não terrorista. Sabemos
que é um sacrifíco esta situação difícil que enfretamos, mas o futuro
dirá tudo. E isso já teria acontecido. Há muitos elementos da população
que dizem: Dhlakama, esta coisa das negociações está a demorar, nós
queremos pegar em catanas e machados. Conhecemos os [membros] da
FRELIMO, queremos acabar com eles. E eu digo por favor, peço-lhes de
joelhos, não façam isso. A história condenará todos os criminosos.
- In DW
10.11.2016
10.11.2016
Sem comentários:
Enviar um comentário