terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

CubÁfrica


Pela segunda vez em cinco anos, Havana enviou um alto emissário para Moçambique, para testar a boa-fé da FRELIMO. Dito assim, até parece que estou a falar de uma novela ficcionada de Le Carré. Invariavelmente, pelas vestes de um negro de pele e de coração, Cuba prossegue com a sua diplomacia perfurmada, preparando-se para o porvir na zona austral de África.
Muitos se perguntam por vezes se na época em que vivemos se justifica que o Partido Comunista de Cuba, hoje em dia transformado numa mescla de oligarquia militar comunista e juventude tecnocrata neoliberal, ainda continue a pautar a sua retórica habitual internacionalista quando periodicamente faz estas cruzadas de diplomacia por Africa?
E a resposta é definitivamente sim.
Pois Cuba deve ser, em termos relativos, o maior parceiro de cooperação de África desde os primórdios. E isso mede-se não por volume de investimentos ou acções cotadas na Bolsa, a fazer fé no jargão do momento, mas pelo impressionante processo de assimilação social, cultural e ideológico que Havana arquitectou com perspiscácia, o qual é periodicamente adubado por estas providenciais visitas de estado.
Desde a revolução cubana, cerca de 500 mil cubanos estiveram já destacados em África, quase todos, em áreas chave para a sobrevivência política dos regimes, como a Educação, a Saúde e o Desporto. Em contrapartida, recebeu no seu território metade dessa cifra de futuros quadros, um eufemismo que na realidade significa elites purificadas do processo de assimilação pré-colonial, que como sabemos, está também na origem da causa libertária africana.
Ao contrário das grandes potências globais nas sua incursões pelo continente negro, Cuba não apadrinhou (e nem sequer apadrinha), correntes ideológicas que não afinassem na sua própria ideologia também. Por isso, nunca foi possível ter um Idi Amin Dada nas boas graças de Havana, mesmo que o tivessemos tido por algum tempo em relação a Moscovo ou Berlim Oriental.
Do mesmo modo que, nunca foi possível um Omar Bongo estar de boas graças com Castro, do que o seu vizinho Marien N’gouabi, mesmo se sabendo que este último era um assassino cruel que rivalizava com Bokassa ou Mobutu.
Esta é uma realidade que tem sido camuflada por narrativas românticas da presença cubana em África, que pecam por ocultar a brutal realidade de que fora do cosmos ideológico local, a FAR cubanas foram um exército de ocupação, tão arrogante ou colonialista como outros que já pisaram África, pilhando automóveis, materiais de construção, minérios e até fábricas inteiras, à medida que o seu exército avançava no terreno. Tudo isso foi apagado da memória colectiva pelo sangue de quase três milhares de militares tombados nas campanhas revolucionárias deste continente.
Militares profissionais e altamente preparados, que eram, ao abrigo dos acordos de cooperação existentes, pagos em divisas muitas vezes, canalizadas directamente para Havana, sistema que aliás, permanece até aos nossos dias, convertendo estes chamados internacionalistas num caso único de escravatura económica moderna.
Em suma, Cuba optou sempre por formatar pessoas que lhe possam dar um retorno seguro, não importa o sistema político vigente, desde que se mostrem incondicionalmente fiéis à ideologia revigorada de Havana.
E neste particular, Raul Castro percebe hoje, o quão essencial é para a sobrevivência do seu regime manter uma monitorização muito mais apertada ao que se passa em Luanda e Maputo, sobretudo numa época em que se fala de corte geracional, pese embora, os caymaneros continuem em posições de destaque nestes países, tanto no Governo como nos partidos da oposição.
Se em Angola, a presença cubana é forte e sólida, em todos os ramos da sociedade, mas muito em particular nas academias militares e policiais, já em Moçambique a situação ainda conhece alguma indefinição. Não é segredo para ninguém que Havana nunca simpatizou com Armando Guebuza, que desde os tempos da luta armada defendia a iniciativa privada, assim como sempre desconfiou de Eduardo Mondlane pelas mesmas razões ideológicas. E como bem comemorou – e encorajou os seus adversários políticos – a acelerar a partida Guebas da Ponta Vermelha. Por isso, não é novidade também perceber o seu contentamento ao sentir que Nyusi no poder significa agora mais balões de oxigénio para manter a Castroika que a juventude cubana desejaria ver já concluída em 2006.
Por isso, sem surpresas, espera-se a vinda de mais alguns cooperantes para assegurarem que a política interna moçambicana nunca constituirá obstáculo para a continuidade da sua política externa.

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