Euclides Flavio with Eurico Nhassengo and 32 others.
HISTÓRICIDADE, MEMÓRIA E HEROICIDADE:
Hoje é feriado em Moçambique. Comemora-se o dia dos Heróis Moçambicanos. O que procede, faz nos tomar a consciência sobre a aliança entre a Historia, e Memoria no processo simbólico da construção do heroísmo a nível nacional.
O Presente artigo de opinião tem como objectivo reflectir sobre a função da memória histórica na construção da heroicidade. Este texto não visa pôr em causa a construção da história de Moçambique como tal, mas sim devanear sobre a forma (método) como a história de heroísmo foi sendo construída. Proponho-me aqui extrair as consequências mais interessantes deste deslocamento de ponto de vista no que diz respeito à relação entre a Historia Memória e Heroicidade.
Para teóricos como Maurice Halbawchs, há uma nítida distinção entre memória colectiva e memória histórica: pois enquanto existe, segundo ele, uma História, existem muitas memórias partilhadas. E enquanto a História representa fatos distantes, a memória age sobre o que foi vivido. Portanto, é neste vazio que se abre espaço para a HISTÓRIA OFICIAL, que é a historiografia produzida visando a defesa dos interesses tanto de um governante quanto de uma autoridade religiosa, de uma corporação urbana etc. Logo, esse tipo de historiografia é um instrumento que visa divulgar uma imagem positiva daqueles nela interessado do mesmo modo, ela também pode ser escrita para contradizer uma narrativa previamente formada. Provavelmente seja por isso que os heróis nacionais são os “heróis do governo dia”. Ora vejamos nesse dia exaltamos os feitos de Eduardo Mondlane, Samora Machel, Marcelino dos Santos, Josina Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza e hoje do Presidente Nhusi entre outros. As pergunta básicas que podemos fazer são estas, será que a Frelimo é o único partido que produz e reproduz Heróis? Será que essas “figuras” acima, tem capital social suficiente para serem considerados Heróis nacionais? Quais são os critérios priorizados na nossa pátria para se ser Herói e ser reconhecido na historia oficial e Historiografia nacional? Porque partidarizamos a heroicidade em Moçambique? Porque é que os nomes da oposição e Sociedade Civil não aparecem nos anais da historicidade?
Seja qual for a pergunta, considerar o lugar da história oficial na história da própria historiografia passa pelas respostas que cada um de nós dará as perguntas acima.
Nestes termos, pode-se dizer que a História a Memória e a Heroicidade, estão dentro das POLITICAS PUBLICAS DO ESQUECIMENTO, portanto, nega-se a construção historiográfica para libertar o homem. Mas a memória não é apenas individual. Na verdade, a forma de maior interesse para o historiador, psicólogo, sociólogo antropólogo etc, é a memória colectiva, composta pelas lembranças vividas pelo indivíduo ou que Ihe foram repassadas, mas que não Ihe pertencem somente, e são entendidas como propriedade de uma comunidade, um grupo. Nestes termos, respeitando a memoria colectiva como um todo teríamos como actores da nossa historia diferentes figuras no mosaico da heroicidade e não apenas um grupo de elite politica. Outros “Herois” como Urias Simango, Paulo Gumane, padre Mateus Gwengere, Joana Simeão, Celina Simango, Júlio Razão, Felipe Magaia, Alice Mabota etc, nunca teremos na nossa Historiografia oficial.
Mas se a tratarmos de um modo não linear mas circular, a memória pode aparecer duas vezes ao longo da nossa análise: antes de mais, como matriz da história, se nos colocarmos no ponto de vista da escrita da história, depois como canal da reapropriação do passado histórico tal como nos é narrado pelos relatos históricos. Mas esta modificação do ponto de vista não implica que abandonemos a descrição fenomenológica da memória em si, seja qual for a sua ligação com a história. Não poderíamos falar seriamente da reapropriação do passado histórico efectuado pela memória, se não tivéssemos, considerado previamente, os enigmas que incomodam o processo da memória enquanto tal.
Gostaria de dizer algumas palavras a propósito da história como epistemologia. Não podemos economizar esta etapa na medida em que a recessão da história, como modo de apropriação do passado pela memória, constitui o contraponto de toda a operação historiográfica. É na possibilidade e pretensão de reduzir a memória a um simples objecto da história entre outros fenómenos culturais que se diferenciam muito claramente as duas abordagens. Uma parte importante da batalha dos historiadores para o estabelecimento da verdade, nasce da confrontação dos testemunhos, principalmente dos testemunhos escritos; são levantadas questões: porque foram preservados? Por quem? Para benefício de quem? Essa situação de conflito não pode limitar-se ao campo da história como ciência, reaparece ao nível dos nossos conflitos entre contemporâneos, ao nível das questões fortes, às vezes formuladas colectivamente, em prol de uma tradição memorial contra outras memórias tradicionais. O dever de memória é, muitas vezes, uma reivindicação, de uma história criminosa, feita pelas vítimas; a sua derradeira justificação é esse apelo à justiça que devemos às vítimas. A historia da construção da nossa heroicidade por exemplo, tem essas características. É aí que a incompreensão entre os advogados da memória e os adeptos do saber histórico atinge o seu auge, na medida em que a heterogeneidade das intenções é exacerbada: por um lado, o campo demasiado breve da memória face ao vasto horizonte do conhecimento histórico; por outro, a persistência das feridas feitas pela história; por um lado, o uso da comparação em história, por outro, a afirmação de unicidade dos sofrimentos suportados por uma comunidade particular ou por todo um povo.
Euclides Flavio, Historiador e Jornalista.
Hoje é feriado em Moçambique. Comemora-se o dia dos Heróis Moçambicanos. O que procede, faz nos tomar a consciência sobre a aliança entre a Historia, e Memoria no processo simbólico da construção do heroísmo a nível nacional.
O Presente artigo de opinião tem como objectivo reflectir sobre a função da memória histórica na construção da heroicidade. Este texto não visa pôr em causa a construção da história de Moçambique como tal, mas sim devanear sobre a forma (método) como a história de heroísmo foi sendo construída. Proponho-me aqui extrair as consequências mais interessantes deste deslocamento de ponto de vista no que diz respeito à relação entre a Historia Memória e Heroicidade.
Para teóricos como Maurice Halbawchs, há uma nítida distinção entre memória colectiva e memória histórica: pois enquanto existe, segundo ele, uma História, existem muitas memórias partilhadas. E enquanto a História representa fatos distantes, a memória age sobre o que foi vivido. Portanto, é neste vazio que se abre espaço para a HISTÓRIA OFICIAL, que é a historiografia produzida visando a defesa dos interesses tanto de um governante quanto de uma autoridade religiosa, de uma corporação urbana etc. Logo, esse tipo de historiografia é um instrumento que visa divulgar uma imagem positiva daqueles nela interessado do mesmo modo, ela também pode ser escrita para contradizer uma narrativa previamente formada. Provavelmente seja por isso que os heróis nacionais são os “heróis do governo dia”. Ora vejamos nesse dia exaltamos os feitos de Eduardo Mondlane, Samora Machel, Marcelino dos Santos, Josina Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza e hoje do Presidente Nhusi entre outros. As pergunta básicas que podemos fazer são estas, será que a Frelimo é o único partido que produz e reproduz Heróis? Será que essas “figuras” acima, tem capital social suficiente para serem considerados Heróis nacionais? Quais são os critérios priorizados na nossa pátria para se ser Herói e ser reconhecido na historia oficial e Historiografia nacional? Porque partidarizamos a heroicidade em Moçambique? Porque é que os nomes da oposição e Sociedade Civil não aparecem nos anais da historicidade?
Seja qual for a pergunta, considerar o lugar da história oficial na história da própria historiografia passa pelas respostas que cada um de nós dará as perguntas acima.
Nestes termos, pode-se dizer que a História a Memória e a Heroicidade, estão dentro das POLITICAS PUBLICAS DO ESQUECIMENTO, portanto, nega-se a construção historiográfica para libertar o homem. Mas a memória não é apenas individual. Na verdade, a forma de maior interesse para o historiador, psicólogo, sociólogo antropólogo etc, é a memória colectiva, composta pelas lembranças vividas pelo indivíduo ou que Ihe foram repassadas, mas que não Ihe pertencem somente, e são entendidas como propriedade de uma comunidade, um grupo. Nestes termos, respeitando a memoria colectiva como um todo teríamos como actores da nossa historia diferentes figuras no mosaico da heroicidade e não apenas um grupo de elite politica. Outros “Herois” como Urias Simango, Paulo Gumane, padre Mateus Gwengere, Joana Simeão, Celina Simango, Júlio Razão, Felipe Magaia, Alice Mabota etc, nunca teremos na nossa Historiografia oficial.
Mas se a tratarmos de um modo não linear mas circular, a memória pode aparecer duas vezes ao longo da nossa análise: antes de mais, como matriz da história, se nos colocarmos no ponto de vista da escrita da história, depois como canal da reapropriação do passado histórico tal como nos é narrado pelos relatos históricos. Mas esta modificação do ponto de vista não implica que abandonemos a descrição fenomenológica da memória em si, seja qual for a sua ligação com a história. Não poderíamos falar seriamente da reapropriação do passado histórico efectuado pela memória, se não tivéssemos, considerado previamente, os enigmas que incomodam o processo da memória enquanto tal.
Gostaria de dizer algumas palavras a propósito da história como epistemologia. Não podemos economizar esta etapa na medida em que a recessão da história, como modo de apropriação do passado pela memória, constitui o contraponto de toda a operação historiográfica. É na possibilidade e pretensão de reduzir a memória a um simples objecto da história entre outros fenómenos culturais que se diferenciam muito claramente as duas abordagens. Uma parte importante da batalha dos historiadores para o estabelecimento da verdade, nasce da confrontação dos testemunhos, principalmente dos testemunhos escritos; são levantadas questões: porque foram preservados? Por quem? Para benefício de quem? Essa situação de conflito não pode limitar-se ao campo da história como ciência, reaparece ao nível dos nossos conflitos entre contemporâneos, ao nível das questões fortes, às vezes formuladas colectivamente, em prol de uma tradição memorial contra outras memórias tradicionais. O dever de memória é, muitas vezes, uma reivindicação, de uma história criminosa, feita pelas vítimas; a sua derradeira justificação é esse apelo à justiça que devemos às vítimas. A historia da construção da nossa heroicidade por exemplo, tem essas características. É aí que a incompreensão entre os advogados da memória e os adeptos do saber histórico atinge o seu auge, na medida em que a heterogeneidade das intenções é exacerbada: por um lado, o campo demasiado breve da memória face ao vasto horizonte do conhecimento histórico; por outro, a persistência das feridas feitas pela história; por um lado, o uso da comparação em história, por outro, a afirmação de unicidade dos sofrimentos suportados por uma comunidade particular ou por todo um povo.
Euclides Flavio, Historiador e Jornalista.
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