sábado, 7 de janeiro de 2017

O analfabetismo: um projecto político em África?

Bitone Viage com Ivan Maússe.

Assinantes: Bitone Viage & Ivan Maússe

Politicamente, desde o período que nos separa da década de 1960, ano em que muitos países africanos conheceram as suas independências em relação ao jugo colonial ocidental, a alfabetização tem sido apontada como uma das prioridades da agenda de desenvolvimento dos Estados africanos.

E por a alfabetização constituir prioridade da agenda de desenvolvimento dos Estados africanos, as Constituições respectivas já apontam o direito à educação como um direito fundamental, tendo o Estado a obrigação de garantir o gozo deste direito aos seus cidadãos e em igualdade de circunstâncias.

Afinal, sabe-se que a alfabetização, mais que um simples saber ler, escrever e falar fluentemente a língua oficial do Estado, ela constitui num poderoso instrumento para o despertar da consciência crítica, de hábitos de reflexão e de problematização à volta dos eventos políticos, sociais e económicos do país.

A alfabetização é, igualmente, o conhecimento das leis, dos órgãos de soberania, dos direitos e deveres do indivíduo enquanto cidadão, bem como das instituições do Estado. Ela (a alfabetização) é, acima de tudo, o epicentro para o pleno exercício da cidadania, o que constitui em um enorme desafio em África.

Volvidos mais de cinco (5) décadas após muitos países africanos conhecerem as suas independências, o analfabetismo continua a imperar. Combater o analfabetismo é um dito político e jurídico, mas pouco factual, o que torna este mal em, se calhar, um projecto político em nosso continente negro, a África.

1. Do analfabetismo enquanto um projecto político em África:

De acordo com o último Relatório da ONU sobre o Índice de Analfabetismo, o continente africano foi apontado, mais uma vez, como àquele que possui a população com a maior taxa de analfabetismo ao nível global, o que nos leva a questionar se será o analfabetismo um projecto político em África?

Esta questão é levantada num contexto em que os actos altos níveis de corrupção, de clientelismo, de patrimonialismo, de partidarização das instituições públicas, de patrulhamento ideológico, estão intimamente ligados aos altos índices de analfabetismo no continente, e claro, com algumas excepções.

E porque, conforme dissemos, o alfabetismo em muitos casos é sinónimo de alto nível de cidadania, as lideranças políticas africanas marcadamente caracterizadas pela ganância e por condutas contrárias a ordem jurídica estabelecida, estas, por seu turno, não estariam interessadas em provê-lo ao seu povo.

Tal facto decorre das implicações que podem advir de um povo estudado e iluminado. É neste contexto em que em África o poder político é tomado como um jackpot e, por tabela, como um meio para a pilhagem dos recursos do Estado, para o enriquecimento ilícito, monarquização do poder e outros actos.

Em alguns dos Estados verificamos que em nome do analfabetismo do seu povo, das suas instituições e dos servidores públicos, as mesmas lideranças políticas violam a autoridade constitucionalmente conferida à certas instituições do Estado para a contracção de dívidas em nome de uma ideal segurança.

1.1. A imprensa e os intelectuais aperfeiçoam o analfabetismo em África:

Porque as democracias africanas, muitas vezes mal plagiadas do ocidente, se mostram deveras deficientes, em que muitos casos, a independência constitucionalmente conferida às instituições não se faz repercutir no plano factual, a imprensa e academia são celeiros para a formação da «uno-opinião».

Certas lideranças políticas africanas controlam os órgãos de comunicação estatais e privados visando a manipulação da opinião pública. As academias, em alguns casos, se revelam em verdadeiros bastiões dos partidos políticos que lideram. É a uniformização do pensamento e um grosseiro NÃO à diversidade.

Grotescamente, certos jornais, estações de rádio e de televisão públicas, são regidos segundo os preceitos de uma ideologia dominante (dos partidos do dia) através da exibição de programas e reportagens que endeusam os líderes corruptos, gananciosos e apáticos as causas do povo-soberano.

Neste âmbito, a imprensa e as academias são assaltadas por um conjunto de mercenários cuja missão é bajular as lideranças políticas africanas infiéis às causas do povo, ampliando a sua incapacidade de discernimento. A academia e a imprensa transformam-se, assim, em embaixadores do analfabetismo.

Enfim, nos casos em que certos iluminados aspiram transferir o pouco do que sabem ao povo dominado pelo analfabetismo, os metidos à Messias são perseguidos, presos e mortos ou, no mínimo, vêm seus nomes banalizados na praça e lhes-são bloqueadas as oportunidades de progressão social e profissional.

Portanto, nota-se desde logo, que o alfabetismo ainda que política e juridicamente apontado como prioridade dos Estados africanos, é tímido o trabalho feito pelas elites africanas com vista a promoção deste direito. Há quem, a nível doméstico, tira proveito do analfabetismo do seu próprio. É um facto!

2. Considerações finais:

Em Estados em que a alfabetização do seu povo constitui prioridade da agenda de desenvolvimento dos governos aí instituídos é algo estranho que tenhamos crianças a aprender ao relento, debaixo das árvores e SENTADAS AO CHÃO, sendo o seu país um dos maiores exportadores de madeira do mundo.

A independência alcançada pelos Estados africanos em relação ocidente não pode, hoje, constituir em um presente envenenado às lideranças politicas africanas que, por causa da sua ganancia desmedida, comprometem o desenvolvimento das presentes e futuras gerações provendo uma estéril educação.

É, no mínimo grotesco, quando intelectuais e académicos (na verdade todos eles «pseudos»), aceitam patrocínios das elites políticas corruptas para imprimir ignorância nos povos africanos que uma vez foram responsáveis pela educação daqueles através do pagamento dos impostos e demais tributações.

O desenvolvimento de África depende da educação. Enquanto o analfabetismo constituir uma espécie de projecto político em África, este continente poderá demorar para conhecer o seu desenvolvimento, e a emergência de líderes políticos que pilham os recursos do Estado a olho nu, se mostrará algo perene.

A África deve libertar-se!

Bem-haja Moçambique, nossa pátria de heróis!

Comentários


Almeida F. Massango profundo huff
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Ilustre Samuel Dos Santos Subscrevo!
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Victorino José Mouzinho A África é um continente em jogo,por ser ainda virgem dos seus recursos naturais...
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Zee Mavye Faltou evidências da vossa problematica. Africa é um vasto territorio e é menos verdade assumir que os problemas de Botswana Sao os de Moçambique ou egipto, mas Nao deixamos de falar de Africa... Mas tirando isso... Well done!
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Estevao Pangueia A questão para mim não é o analfabetismo como tal, demos passos largos! Hoje a raiz do mal é a qualidade da educação oferecida ao povo, ela não contribui para promoção da cidadania.
O estado de preparação do cidadão oriundo da precariedade da educação pública é lamentável, cada vez mais sucateada pelos gestores corruptos e ineficientes.
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Tsutsi Fumo TF Matéria interessante Sr. Zimba JC
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Homer Wolf Sonto...
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Helio Thyago Krpan Queres dar consciência crítica ao povo? Eduque-o.
O que os senhores de Breton Woods fizeram foi isso. Retirar direito a educação e qdo deram foi uma educação podre. Assim perpetuam a sua presença e exploração do continente negro.

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