terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Líder de falsa seita religiosa que abusou de crianças não falou em julgamento

CRIME


O líder de uma falsa seita religiosa que servia para dissimular a prática de crimes de abuso sexual de crianças não quis falar em tribunal nem esclarecer as práticas da "Verdade Celestial".
Foi nesta quinta em Palmela que decorreram os abusos sexuais a oito crianças
PATRÍCIA AMARAL / OBSERVADOR
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Rui Pedro Santos tem 35 anos e dizia ser psicólogo. Numa quinta na aldeia de Brejos do Assa, em Palmela, terá abusado sexualmente de pelo menos oito crianças, durante dois anos. Os próprios filhos, de cinco e oito anos, foram vítimas.
O principal arguido dizia ser o “mestre espiritual” de uma seita religiosa internacional, denominada “Verdade Celestial”. Valendo-se da proximidade com os menores, que chegavam à sua casa sob o pretexto de frequentarem um ATL ou consultas de psicologia, “purificava” as crianças através de atos sexuais. Além de abusar das vítimas, o homem é ainda acusado de as prostituir a outros pedófilos.
Na primeira sessão de julgamento, o líder da falsa seita religiosa, desmantelada no ano passado em Palmela, esteve presente na sessão, junto com os restantes arguidos, mais quatro homens e três mulheres, mas escusou-se a prestar qualquer esclarecimento sobre a “Verdade Celestial”.
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Os arguidos chegaram ao tribunal pelas 9 horas da manhã.
O caso chocou as autoridades e a população. Rui Pedro Santos e a mulher tinham-se instalado há pouco tempo naquela localidade. Com eles vivia um outro amigo, com o filho menor, que também terá sido vítima de abusos. Nas redondezas eram conhecidos porque o arguido, tratado por “Senhor psicólogo” disponibilizava-se para dar consultas de psicologia a crianças que conhecia na localidade ou através de um clube de futebol de Algeruz, em Setúbal, cuja equipa de juvenis chegou a treinar. Segundo as autoridades, o homem era muito bem falante e até oferecia as primeiras consultas a quem não tivesse recursos suficientes para pagar. Chegou a elaborar um relatório para ser apresentado numa escola sobre a condição de uma criança com dislexia.

Falso psicólogo acusado de dezenas de crimes

Rui Pedro Santos está acusado de dezenas de crimes de abuso sexual de crianças, crimes de violação agravada, atos sexuais com adolescentes, crimes de pornografia de menores agravados, seis crimes de lenocínio agravado e um crime de usurpação de funções, entre 2013 e Junho de 2015, quando foi preso preventivamente.
No banco dos réus senta-se ainda a mulher do arguido. A mãe de duas das crianças que foram vítimas neste processo encontra-se em liberdade, apenas com Termo de Identidade e Residência. As autoridades apuraram que a arguida sabia dos abusos, mas que seria manipulada pelo marido. Com eles foram ainda detidos outros quatro homens, que também se denominavam de “purificadores”: um recém-licenciado; um homem com o curso de Direito que se fazia passar por advogado; o motorista e um amigo, que namorava com a filha dos donos da quinta. Os primeiros três ficaram em prisão preventiva. Há ainda um quinto arguido, que, quando a PJ agiu, já se encontrava preso preventivamente à ordem de outro processo — também por abuso sexual de menores. Duas outras mulheres, que alegadamente chegaram a Brejos do Assa para integrarem a seita religiosa, vindas de Aveiro, de onde terão fugido depois de terem assumido a sua relação. As duas faziam a lide doméstica, iam buscar os filhos dos principais arguidos à escola, mas também participariam nos abusos, apuraram as autoridades. Estão em liberdade.
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Foi no Grupo Desportivo de Algeruz que o arguido terá conhecido alguns dos menores
Era num anexo alugado, numa quinta nos Brejos da Assa, cujos proprietários nunca imaginaram o que se passava, que Rui Pedro Santos promoveu um centro de ocupação de tempos livres para crianças, onde supostamente daria explicações. Os pais das vítimas terão acreditado na veracidade do ATL e na profissão do arguido pelo que confiaram em deixar lá os seus filhos em diversas ocasiões. Em alguns casos, as crianças chegaram a dormir na quinta, face aos horários de trabalho dos progenitores, facilitando assim a ação criminosa do líder da alegada seita.
Aos menores, o arguido afirmava-se enquanto mestre espiritual e garantia-lhes que as protegeria dos espíritos maus. Para isso bastava que lhe obedecessem. Tal como o Observador apurou na altura, com a desculpa que teria de as purificar das más energias, Rui Pedro Santos evocava rituais, sempre através de atos sexuais.
Para além dos abusos sexuais no interior do anexo alugado em Palmela, o líder da falsa seita religiosa criou uma rede de perfis falsos, nas redes sociais, de modo a contactar outros pedófilos. Segundo a investigação, o homem terá mesmo conseguido fomentar diversos encontros entre pedófilos e os menores que passavam pela quinta e obter lucros. Os abusos aconteceriam sempre sob a vigilância do arguido que, por vezes, também fotografava os atos para vender esses ficheiros.
As buscas e detenções aconteceram a 25 de junho de 2015. Na altura, foram encontrados nos computadores dos arguidos dezenas de ficheiros de imagens ou vídeos, com imagens pornográficas que expunham menores, alguns ainda crianças de colo. Foram recolhidos no local vestígios de sémen e papéis com as regras da seita. Nessas indicações podia ler-se que os cargos dos membros da comunidade estavam bem definidos e que deviam obediência total ao mestre. Eram distribuídos pelo grau de importância que iam adquirindo na hierarquia: Ungidos Reais, Ungidos Especiais e os Servos Devotos.
O caso acabou por vir a público quando um dos elementos da falsa seita, que também é arguido no processo, se chateou com Rui Pedro Santos. A discussão entre os dois, devido à organização e funções dentro da comunidade, levou à denúncia, na Polícia Judiciária de Setúbal. Na altura, os inspetores ficaram incrédulos com tal descrição, mas uma vez que eram referidos menores a ação desenrolou-se muito rapidamente. Quando abordaram Rui Pedro Santos, este não se manifestou surpreendido, mas justificou-se com o facto de ter sido ele próprio abusado sexualmente durante a infância, numa tentativa de ver suavizada a pena.
A acusação aos cinco homens e três mulheres por parte do Ministério Público ficou concluída em junho, doze meses após a detenção. Na altura, o procurador encarregue do caso pediu que os arguidos perdessem as responsabilidades parentais. No entanto, as crianças acabaram por ficar à guarda da mãe, sendo, no entanto, uma situação monitorizada pela Comissão de Proteção de Menores e Jovens em Risco.
O julgamento teve início nesta terça-feira e prossegue com novas audiências na próxima quinta e sexta-feira, no Tribunal de Setúbal.
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