País se transformou numa usina de informações questionáveis, que sugerem que o juiz do STF foi assassinado numa sofisticada conspiração
São Paulo
Ainda nem se sabia ao certo se o juiz do STF Teori Zavascki
estava ou não a bordo de um avião que havia caído em Paraty, na
quinta-feira passada, e as redes sociais brasileiras já tinham começado a
compartilhar uma mensagem: “É infantil pensar que criminosos do pior
tipo simplesmente resolvam se submeter à lei (...). Se algo acontecer
com alguém da minha família, vocês já sabem onde procurar! Fica o
recado.” O texto havia sido escrito no Facebook em 2016 por Francisco Zavascki, filho do magistrado morto, e fazia referência às ameaças que seu pai supostamente recebia, na condição de relator da Operação Lava Jato no STF,
que há anos revela a maiúscula corrupção da elite política e
empresarial brasileira. Não falava de ameaças físicas – e, de fato,
Francisco já afirmou que duvida que a morte do pai tenha sido um
atentado. Mas dava no mesmo. O juiz do único tribunal com poder e
documentação para processar políticos com foro privilegiado do país
(isto é, a elite) havia morrido num súbito e, para muitos, misterioso
acidente. De repente, no Brasil as suspeitas valem mais que qualquer
fato demonstrável.
As redes sociais
começaram a manejar seus próprios dados. Fala-se que Zavascki levava no
avião documentos fundamentais para a Lava Jato e que foram perdidos para
sempre (não se sabe). Viralizou também o trecho de uma conversa, gravada pela Justiça em 2016,
em que dois senadores se queixam de que Zavascki estava distante demais
da esfera política para que eles pudessem impedir a sangria de
processos que provoca entre os partidos (Zavascki era famoso por se afastar de qualquer ingerência). Outros argumentam
que, em 3 de janeiro, num site com fotos de aviões, houve 1.885
consultas à imagem de uma aeronave semelhante à do acidente (a causa é
desconhecida). Uma teoria mais sofisticada diz ainda que, uma vez mais,
tudo foi obra do ex-presidente Lula,
que esconde um segredo tão nefasto que o impediria de ser candidato na
eleição de 2018 (Lula não tem foro privilegiado e, portanto, não era
competência de Zavascki).
A obsessão
nacional com esses dados, de origem e confiabilidade questionáveis, não
nasce de um desejo de encontrar algo em que acreditar. Ao contrário:
quando tais informações são compartilhadas, sempre chegam acompanhadas
de mensagens recordando que não se pode acreditar em nada. Se não vêm
das instituições do país, são ruins. E se vêm delas, também são. Mesmo
sabendo que todo acidente mortal com um juiz que investigava as altas esferas políticas
sempre motivará a paranoia, o debate nacional brasileiro parece ter se
entregado ao niilismo mais profundo. “Neste país de burros, ninguém
engole nada, e depois todos engolimos tudo”, dizia Rogério, um taxista
de meia idade que passava por um bairro residencial de São Paulo
na noite de sexta. “Sabemos que os que mandam roubam, que os que roubam
manipulam tudo. E nem nos importamos com os que saem ganhando com tudo
isso. Então, em quem vamos confiar? Em ninguém, amigo. Que vergonha esse
país”, afirmava, repetindo as palavras que já viraram um mantra
nacional.
No entanto, essa
desconfiança não nasceu nos cidadãos. É justamente a política que há
meses semeia dúvidas sobre quem é responsável por isso ou aquilo, e que
intenções oculta. Durante o julgamento político que culminou com seu impeachment, a ex-presidenta Dilma denunciou repetidas vezes “um movimento conspiratório” para afastá-la do poder. O substituto, Michel Temer, precisou ver como seu homem forte, Romero Jucá, afastava-se do cargo de ministro do Planejamento acusado de conspirar contra a Lava Jato. O Ministério Público, por sua vez, acusou dias antes Lula de ser o “comandante máximo do esquema” nada concreto, com o qual realizou ações que não são conhecidas. E Lula, após cada nova denúncia (tem mais de meia dúzia), costuma dizer que tudo é uma “conspiração” feita por “eles”. Em outubro, Renan Calheiros,
presidente do Senado, teve de responder às acusações de que conspirava
contra a investigação. E, nesta semana, até um político de primeira
linha, Ciro Gomes, aspirante a candidato para 2018, defende que a morte
de Zavascki foi parte de um plano que conduziu Temer ao poder.
Esse gotejamento
contínuo de desconfianças parece ter inundado as ruas. Tem gente já
dizendo que os investigadores da caixa-preta do avião poderiam ser
primos de fulano ou cúmplices de beltrano. No Brasil dos cegos, quem
desconfia é rei.
País se transformou numa usina de informações questionáveis, que sugerem que o juiz do STF foi assassinado numa sofisticada conspiração.
brasil.elpais.com|By Tom C. Avendaño
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