sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

IGUALDADE ENTRE FILHOS DO PR E ANGOLANOS

DIFERENÇA:

O sociólogo João Paulo Ganga.
O sociólogo João Paulo Ganga é autor de um texto interessante intitulado “Não há improbidade na nomeação de Isabel dos Santos”, onde aduz vários argumentos jurídicos a favor da legalidade da nomeação de Isabel dos Santos para o cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol.
Ora, este comentário pretende justamente dizer ao sociólogo que não lhe assiste razão jurídica. Vejamos porquê:
O primeiro argumento assenta no artigo 120.º b) da Constituição da República de Angola, que confere ao presidente da República, enquanto titular do poder executivo, a competência para definir a orientação política do país nos termos da própria Constituição. Daqui infere João Paulo Ganga que o José Eduardo dos Santos tem poderes para nomear como lhe aprouver, com discricionariedade absoluta, os conselhos de administração das empresas públicas. Tudo fica então à mercê da vontade do presidente.
Não é assim.
Em primeiro lugar, a vontade do presidente não é soberana: está sempre limitada pela Constituição e pela Lei.
Em segundo lugar, é necessário definir se a nomeação de Isabel dos Santos se trata de um acto político ou de um acto administrativo. Se estivermos perante um acto político, a latitude do presidente é maior, e a sindicância judicial muito reduzida. Serão os eleitores quem avaliará a prestação presidencial, a não ser que esse acto político colida directamente com a Constituição e com a Lei. Se, pelo contrário, estivermos perante um acto de natureza administrativa, então a nomeação é plenamente sindicável pelos tribunais.
Ao passo que a nomeação de um ministro é um acto político, a nomeação do conselho de administração de uma empresa pública petrolífera é um acto que pouco tem a ver com a orientação política dos petróleos. Para isso existe o ministro dos petróleos.
A nomeação do presidente do conselho de administração da Sonangol tem como objectivo primordial garantir uma gestão eficiente, entrando de resto no domínio da protecção do interesse geral. Nessa medida, estaremos perante um acto administrativo perfeitamente sindicável por critérios de legalidade nos tribunais.
De uma maneira ou de outra, competiria sempre aos tribunais pronunciarem-se e decidirem sobre a natureza do acto de nomeação, e nunca nenhum acto dependerá apenas da vontade do soberano. Mesmo quando este goza de ampla margem de manobra e não hesite em valer-se dela, ainda assim tem que seguir os preceitos legais.
O segundo argumento de João Paulo Ganga assenta no artigo 23.º da CRA: o princípio da igualdade. Nota Ganga que “Isabel dos Santos não pode ser penalizada pelo simples facto de ser filha do PR sendo-lhe vedada o acesso a uma oportunidade comum a qualquer cidadão”.
O princípio da igualdade quer dizer que se deve dar tratamento igual ao que for essencialmente igual, devendo tratar-se diferentemente o que for essencialmente diferente. Aliás, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções; proíbe, isso sim, a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio. (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 437/06, numa formulação do princípio aplicado à Constituição Portuguesa, reflectindo a interpretação geralmente aceite).
No sentido apontado, Isabel dos Santos tem uma qualidade que só mais uma dezena de cidadãos detém: é filha do presidente da República em exercício. É óbvio que isso lhe cria – a ela e à restante prole – constrangimentos para o exercício de cargos públicos. Em regra, não devem poder ocupá-los. O princípio da igualdade só seria violado se a um filho do presidente se permitisse ocupar um cargo público enquanto a outro lhe fosse vedado ocupar um cargo público.
O terceiro argumento é confuso. Se bem se percebe, defende a ideia de que o presidente, por ter um estatuto próprio, não está sujeito à Lei da Probidade Pública (LPP), apresentando como exemplo a impossibilidade de se lhe aplicar o artigo 33.º da LPP, por força do estatuto criminal próprio do presidente previsto no artigo 127.º da CRA.
De uma coisa não resulta a outra. É verdade que o presidente tem um estatuto criminal próprio. Mas também é verdade que, quando deixar de ser presidente, será julgado, se for caso disso, com um estatuto ordinário. E certamente não é por ter um estatuto criminal próprio que o presidente pode cometer crimes ou desrespeitar a lei. Continua proibido de os fazer, e os seus actos que desrespeitem a Constituição ou a Lei serão nulos ou anuláveis. Não têm valor na ordem jurídica. Apenas em termos de consequências criminais têm um foro e uma norma especial, mas somente naquilo que se refere à responsabilização pessoal criminal do presidente, e não à validade / invalidade do acto em si.
Basicamente, o sociólogo João Paulo Ganga tem uma visão soberanista dos poderes presidenciais. O presidente é soberano, e pode nomear quem quer. O facto social pode ser esse, mas o facto jurídico não é.
José Eduardo dos Santos não é soberano: é um mero órgão de soberania através do qual o povo exerce o seu poder, e, como todos os órgãos, tem que se submeter à Constituição e à Lei. Apenas aos tribunais compete decidir qual é a lei.

ACTIVISTA DENUNCIA ABUSO DE AUTORIDADE DA PGR

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O cidadão António Diogo de Santana Domingos  vem junto de Vossa Excelência denunciar a situação abusiva a que tem estado a ser submetido pelo Ministério Público, dirigido superiormente por Vossa Excelência, e requerer a sua imediata cessação.
Em 15 de Outubro de 2015, quando me dirigia à Assembleia Nacional para ouvir o discurso sobre o estado da Nação a ser proferido pelo Vice-Presidente da República Manuel Vicente, fui detido pelo SINSE [Serviço de Inteligência e Segurança de Estado], encaminhado para várias esquadras [policiais] e interrogado por vários elementos desconhecidos, até ser finalmente interrogado por funcionários do Ministério Público.
Desse rocambolesco episódio resultou o Processo: 6484/15 – I G, que investigaria um suposto crime de “falsa qualidade”.
Depois de ter estado 22 dias detido, fui libertado. Num papel epigrafado “Termo de Identidade e Residência”, foi-me aplicada a medida cautelar de apresentação quinzenal na secretaria da Procuradoria-Geral da República. Isto aconteceu em 5 de Novembro de 2015. Verificou-se aqui uma inquestionável ilegalidade e um engano. Deram-me um documento com um título, mas o conteúdo era diferente.
Começo então por me queixar deste detalhe. O papel que me deram com a medida de coacção tinha como título “Termo de Identidade e Residência”, mas foi-me aplicada uma medida mais grave, que surge como uma espécie de nota de rodapé no dito documento. Isto é uma forma de levar o arguido, desconhecedor de matérias jurídicas, ao engano.
Até hoje, dia 7 de Dezembro de 2016, tenho cumprido religiosamente a injunção coactiva do magistrado do Ministério Público, esperando que alguém identifique a ilegalidade e tome medidas para a corrigir.
Mas a justiça angolana tornou-se pasto dos maiores abusos e ilegalidades. Onde se espera cumprimento da lei, surge sempre o abuso e a ignorância da lei.
Quando me foi decretada a medida de apresentação periódica, ainda não estava em vigor a Lei das Medidas Cautelares, que, contudo, entrou em vigor poucos dias depois, em 18 de Dezembro de 2015. Assim, todas as medidas coactivas aplicadas deveriam ser revistas ao abrigo da nova lei.
A medida que me foi aplicada — Apresentação Periódica às Autoridades (artigo 16.º, b) e 26.º da Lei das Medidas Cautelares) — extingue-se decorridos quatro meses sem acusação (artigo 40.º da Lei das Medidas Cautelares por remissão do 26.º, n.º4). Ora, já passaram 13 meses!
Em relação à instrução, também já passaram por demais os prazos previstos no artigo 337.º do Código do Processo Penal.
Foram já ultrapassados os prazos legais para acusação e manutenção das medidas cautelares. Todos os prazos legais.
A manutenção de um processo e de uma medida coactiva contra mim é um abuso de autoridade e de poder, e um constrangimento às minhas liberdades constitucionais fundamentais.
Nestas circunstâncias, solicito ao Senhor Procurador-Geral, general João Maria Moreira de Sousa, que faça imediatamente cessar esta violência contra mim!

A DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS DE ISABEL DOS SANTOS

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Isabel dos Santos foi nomeada pelo seu pai, o presidente José Eduardo dos Santos, a 2 de Junho de 2016, para os cargos de presidente do conselho de administração e, cumulativamente, de administradora não-executiva da petrolífera Sonangol. Embora a sua nomeação esteja a ser objecto de uma providência cautelar para suspensão do acto (de nomeação) junto do Tribunal Supremo, movido por um grupo de 12 juristas angolanos, manda a lei que, 30 dias após a tomada de posse, ela e todos os outros gestores nomeados apresentem as declarações de rendimentos e património ao procurador-geral da República.
Porém, cinco meses depois, segundo fonte judicial da Procuradoria-Geral da República (PGR), nem Isabel dos Santos, nem os restantes membros do conselho de administração entregaram as respectivas declarações de bens e património. Contactado por Maka Angola, o gabinete do procurador-geral da República recusou-se a comentar sobre o assunto.
A obrigatoriedade de Isabel dos Santos apresentar a declaração de rendimentos e património consta de uma lei de 2010. Trata-se da Lei da Probidade Pública, Lei n.º 3/10, de 29 de Março, coincidentemente, o mesmo diploma legal que impede o presidente da República de nomear a sua filha para a referida função, devido a conflito de interesses. Isabel dos Santos tem vários negócios com a Sonangol e grande parte da sua riqueza foi construída com o suporte da petrolífera nacional.
De acordo com o artigo 27º, n.º 1, deste diploma, “o exercício de funções públicas está sujeito à declaração dos direitos, rendimentos, títulos, acções ou de qualquer outra espécie de bens e valores, localizados no País ou no estrangeiro (…)”.
O Maka Angola contactou o gabinete de comunicação e imagem da Sonangol para obter uma resposta oficial sobre a entrega das referidas declarações junto da PGR. O director, Mateus Cristóvão, limitou-se a declarar: “Se houver resposta, vamos responder pela mesma via – por e-mail. Se não respondemos é porque não há resposta.”
“Por não ter apresentado até agora a declaração de bens, se fosse aplicada a lei, a engenheira Isabel dos Santos e os restantes membros do conselho de administração da Sonangol seriam punidos com a destituição do cargo”, afirmou um magistrado do Ministério Público.
E acrescentou: “Não me parece que ela Isabel dos Santos não tenha apresentado a sua declaração de bens por mero desconhecimento da lei, uma vez que a engenheira Isabel é assessorada por um dos mais reputados escritórios de advogados portugueses Vieira de Almeida Sociedade de Advogados.”
O argumento de que a recusa em declarar os seus rendimentos deveria ser punida com a perda de mandato, defendido pela fonte do Maka Angola, está contemplado no n.º 4 do artigo 27.º da Lei da Probidade. Aqui se prescreve, sem contemplações, a punição com pena de demissão ou destituição do agente público que não entregue a declaração no prazo estipulado por lei (30 dias). Poderíamos argumentar que, face à letra da lei, Isabel se encontra demitida do seu posto na Sonangol desde o dia 7 de Julho de 2016, quando decorreram os 30 dias após a tomada de posse, a qual ocorreu, como é público, em 6 de Junho de 2016.
A própria PGR se encontra desacreditada. Quem deveria zelar pela legalidade quase nada ou nada pode fazer, devido à imoralidade do seu titular, general João Maria de Sousa, envolvido em constantes actos de corrupção e de conflito com a lei.
José Eduardo dos Santos foi o primeiro a violar a lei
Aquando da sua aprovação, os juristas ao serviço do regime de Luanda — com particular realce para Carlos Maria Feijó, ex-assessor do PR, ex-ministro de Estado e da Casa Civil do PR, ex-vice-ministro para Administração Pública, ex-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, ex-assessor do PR para os Assuntos Regionais e Locais, ou seja, ex-quase tudo — apregoaram que se tratava de um diploma cujo objectivo era reforçar os mecanismos de combate à cultura da corrupção, de forma a garantir o prestígio do Estado e das suas instituições públicas.
Na altura, o procurador-geral adjunto da República, Luís de Assunção Pedro da Mota Liz, chegou mesmo a afirmar, durante uma palestra dedicada a esse diploma legal, que “a lei reflecte a vontade e o esforço do Estado angolano em moralizar o exercício das funções públicas e combater a corrupção”.
As afirmações do magistrado levantam, no mínimo, duas perguntas incontornáveis: é possível que um sistema baseado na corrupção e no desrespeito total da legislação encete um combate contra si próprio? Outrossim, é a lei que deve reflectir a vontade de um regime em combater a corrupção, ou devem antes ser os actos das instituições a lutar contra este “fenómeno”?
A não apresentação da declaração de rendimentos e património por parte de Isabel dos Santos, bem como dos demais integrantes do conselho de administração da maior empresa pública do país, é apenas um pequeno exemplo de como as leis em Angola são desrespeitadas e somente aplicadas para servir os interesses da cleptocracia.
O próprio José Eduardo dos Santos, presidente da República, na qualidade de titular do poder executivo, foi o primeiro e continua a violar este diploma no que tange a declaração dos seus rendimentos e património. Os juristas do regime dizem que José Eduardo dos Santos não é abrangido pela Lei da Probidade Pública, porquanto não é “membro do Executivo”, mas sim chefe do Executivo. Ora, como é possível chefiar uma organização/instituição não sendo membro dessa organização? Sugerimos mesmo que, atendendo ao modelo constitucional adoptado, José Eduardo é o Executivo, enquanto os ministros são apenas auxiliares, os ministros não têm poderes próprios, nem deveres próprios, toda a sua actividade deriva do titular do poder executivo. Tecnicamente, este é portanto o único membro do Executivo, os restantes apenas o são por delegação.
Acresce que a alínea a) do artigo 27º da Lei da Probidade Pública é clara: devem declarar os seus rendimentos os “titulares de cargos políticos providos por eleição ou por nomeação”. Traduzindo por miúdos, sendo a função de titular do poder executivo um cargo político, e provido por eleição, não restam dúvidas de que José Eduardo dos Santos está em conflito com a lei. Se lhe fosse aplicada esta mesma lei, seria necessariamente destituído do cargo.


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