Os
últimos 13 anos foram melhores para 45 milhões de brasileiros que,
beneficiados pelos programas sociais, saíram da miséria; para quem
recebe salário mínimo, anualmente corrigido acima da inflação
Por Leonardo Boff – do Rio de Janeiro:
No fim de semana de 3 e 4 de dezembro coube-me viver nas cercanias de Belo
Horizonte uma experiência, portadora de esperança: políticos, em sua
maioria do PT, fizeram o seu 21° encontro anual para debater os caminhos
da política a partir das bases e dos movimentos populares de Minas
Gerais.
Lá estavam prefeitos recém eleitos e dezenas de
vereadores. Algo os unia: a articulação entre Fé e Política. A Fé
confere uma espécie de mística de engajamento com os mais pobres
(projeto de Jesus) e a Política como o campo onde se realiza tal
propósito.
O deputado estadual pelo PT e atual presidente da Câmara
Estadual, Durval Ângelo de Andrade, líder agregador e carismático, tem
organizado esta articulação que cobre toda Minas Gerais. Convida bons
assessores, mas os participantes são os protagonistas na discussão em
grupos e na tomada de decisões.
Uma aura de espiritualidade, própria dos militantes
políticos cristãos mineiros marcava o ambiente. O ex-arcebispo Dom José
Maria Pires de 97 (Dom Zumbi) celebrou e fez excelente homilia sobre a
importância do engajamento junto ao povo se quisermos fazer a uma
política libertadora.
Creio que aqui se mostra um exemplo, que já dura 21 anos, de como o PT, imerso em grave crise, pode molhar suas raízes
e retomar sua caminhada. Há aí uma mística, feita de ideias e valores
poderosos que informam as práticas, seja no sentido secular, seja no
sentido cristão, como expressão do Reino, o sonho de Jesus, se
construindo na historia.
Luta
Em encontros como estes não há desalento mas alegria pela
luta junto ao povo. O que se faz em Minas deveria ser feito em todas as
bases do PT pelo Brasil afora. Aí sim haveria uma retomada de um projeto
de povo e de nação soberana com ética e paixão.
Agrego a este meu testemunho, a reflexão critica e pertinente de Frei Betto sobre “A hora da auto-crítica”.
“Continuo a fazer coro com o “Fora
Temer” e a denunciar a usurpação do vice de Dilma como golpe
parlamentar. Porém, as forças políticas progressistas, que deram vitória
ao PT em quatro eleições presidenciais, devem fazer autocrítica.
Não resta dúvida de que os 13 anos do governo do PT foram
os melhores de nossa história republicana. Não para o FMI e para os
grandes corruptores, atingidos pela autonomia do Ministério Público e da
Polícia Federal; nem para os interesses dos EUA, afetados por uma
política externa independente; nem para os que defendem o financiamento
de campanhas eleitorais por empresas e bancos; nem para os invasores de
terras indígenas e quilombolas.
Os últimos 13 anos foram melhores para 45 milhões de
brasileiros que, beneficiados pelos programas sociais, saíram da
miséria; para quem recebe salário mínimo, anualmente corrigido acima da
inflação; para os que tiveram acesso à universidade, graças ao sistema
de cotas, ao ProUni e ao Fies; para o mercado interno, fortalecido pelo
combate à inflação; para milhões de famílias beneficiadas pelo programas
Luz para Todos e Minha Casa, Minha Vida; e para todos os pacientes
atendidos pelo programa Mais Médicos.
Golpe
No entanto, nós erramos. O golpe foi possível também
devido aos nossos erros. Em 13 anos, não promovemos a alfabetização
política da população. Não organizamos as bases populares. Não
valorizamos os meios de comunicação que apoiavam o governo nem tomamos
iniciativas eficazes para democratizar a mídia. Não adotamos uma
política econômica voltada para o mercado interno.
Nos momentos de dificuldades, convocamos os incendiários
para apagar o fogo, ou seja, economistas neoliberais que pensam pela
cabeça dos rentistas. Não fizemos nenhuma reforma estrutural, como a
agrária, a tributária e a previdenciária. Hoje, somos vítimas da omissão
quanto à reforma política.
Em que baú envergonhado guardamos os autores que ensinam a
analisar a realidade pela óptica libertadora dos oprimidos? Onde estão
os núcleos de base, as comunidades populares, o senso crítico na arte e
na fé?
Por que abandonamos as periferias; tratamos os movimentos
sociais como menos importantes; e fechamos as escolas e os centros de
formação de militantes?
Fomos contaminados pela direita. Aceitamos a adulação de
seus empresários; usufruímos de suas mordomias; fizemos do poder um
trampolim para a ascensão social. Trocamos um projeto de Brasil por um
projeto de poder.
Ganhar eleições se tornou mais importante que promover
mudanças através da mobilização dos movimentos sociais. Iludidos,
acatamos uma concepção burguesa de Estado, como se ele não pudesse ser
uma ferramenta em mãos das forças populares, e merecesse sempre ser
aparelhado pela elite.
Agora chegou a fatura dos erros cometidos. Deixemos, porém, o pessimismo para dias melhores. É hora de fazer autocrítica na prática e organizar a esperança”.
Leonardo Boff é teólogo, escritor e professor universitário, expoente mundial da Teologia da Libertação.
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