domingo, 23 de outubro de 2016

"Madjonidjoni" desviam raparigas da escola

"Madjonidjoni" desviam raparigas da escola

Raparigas com menos de quinze anos abandonam a escola e entregam-se, preferencialmente e de livre vontade, aos homens que ganham a vida nas minas da África do Sul, conhecidos como madjonidjoni. Engravidar aos treze já não é coisa de outro mundo. Este fenómeno está a ganhar força em regiões como Magude, na província de Maputo, e em partes da província de Gaza. Pais ou encarregados de educação e líderes comunitários coçam a cabeça mediante tamanha violação.
Enquanto isso, as autoridades governamentais ao nível do Ministério do Género, Criança e Acção Social já despertam para a necessidade de virar este quadro, delineando estratégias de acção.
domingo esteve, há dias em Magude, província de Maputo, um dos lugares já identificados como sendo problemáticos no que diz respeito à ocorrência de casamentos prematuros.
Alguns pais que conversaram com a nossa reportagem atestam que os níveis de abandono a escola pelas raparigas são preocupantes. Mais grave ainda é que elas fazem-no de livre e espontânea vontade, contrariando a tese de que os pais têm impelido as suas filhas de pouca idade ao lar, satisfazendo, desse modo, as suas próprias motivações.
Aqui em Magude, as raparigas, por iniciativa própria, largam a escola e entregam-se aos homens. Pode ser por causa da fome, pois aqui sofremos por falta de alimentos. Não chove, já passa muito tempo”, disse Melina Cossa, moradora de Mulelemana, no distrito de Magude.     
Apesar da crise, Melina Cossa garantiu que os pais e encarregados de educação estão em uníssono, quando o assunto é manter as suas filhas na escola. Ainda assim, confessou a inexistência de energias suficientes para travar a avalanche que acomete as raparigas daquela parcela do país.
Nós não temos argumentos para as desviar desse mau caminho, mas preocupa-nos esta situação, pois chegam a engravidar com treze anos”.
Conforme constatou a nossa reportagem, as culpas recaem, desta feita, nas próprias raparigas. Os pais denunciaram sem gaguejar. Angélica Nhaca, moradora da vila de Magude, reforçou as acusações já avançadas, ao mesmo tempo que apontou como prováveis factores para o comportamento das menores “o facto de dormirmos em palhotas separadas”.
As consequências são preocupantes: “Elas saem de noite para esses encontros, o resultado são as gravidezes precocesE não tenho dúvidas de que a preferência é por homens com dinheiro, que tenham bens materiais consideráveis”, denunciou.
O desassossego torna-se maior ainda, pois, de acordo com Angélica Nhaca, “nem os pais nem o Governo fazem alguma coisa para alterar o cenário. Os líderes comunitários, esses, assistem como se de uma novela se tratasse. Estamos preocupados com tudo isto, pois há que unir forças para travar este mal”, disse.
Já em conversa com o secretáriodo posto administrativo de Mothase, Magude, Absalão Nhimbe, afirmou que o problema é conhecido e avançou que estão já a ser ensaiadas acções de sensibilização das raparigas, principalmente nas escolas, uma actividade coordenada entre líderes comunitários, pais e o Governo através do ministério de tutela. “A principal mensagem é que não troquem a escola pelo lar, procuramos mostrar que é importante estudarem para terem um futuro diferente do nosso, para saírem desta pobreza”, referiu.
… Vou esperar até aos vinte
A ânsia pelo casamento é marcante no discurso das meninas residentes nas zonas rurais. Formar um lar ainda na adolescência parece constituir lei.
 De qualquer forma, há quem dela se aparta e acrescenta alguns (poucos) anos acima da média (que se queda pelos 13) e entende que aos 20 anos estará pronta para dar o nó.
Lúcia Roque, de 14 anos, por enquanto não se deixa levar pelo desejo de arranjar um marido, mas apontou que há muitos casamentos prematuros em Magude.
Com efeito, Lúcia desaprova o comportamento das meninas que “não gostam de estudar e preferem ir ao lar com pouca idade” pois, para ela, “só aos 20 anos a mulher está preparada para ter marido, (daí que)vou esperar até aos 20!”, declarou.
Trata-se de decisões particulares. Cada uma à medida dos anseios de quem as toma.
Em alguns casos, aos 20 anos, as raparigas das zonas rurais contam no seu agregado familiar, em média, três filhos. Quem testemunha é Mércia Tembe, de 22 anos, funcionária de um dos hospitais do distrito de Magude.
A calma e discernimento levam a que, até ao momento, desenhe os seus passos de maneira a ter “um futuro risonho”. A sua pretensão é desviar-se das tentações que atrapalham a maioria das suas conterrâneas. “Aqui, começa-se a namorar aos 11 ou 12 anos. As meninas largam a escola muito cedo e aos vinte anos já têm pelo menos três filhos. É um facto que acompanho diariamente no hospital onde trabalho como conselheira de testagem de HIV. Muitas delas são infectadas pelo vírus da Sida, pois os seus parceiros fazem parte de grupos de risco”, afirmou Mércia Tembe.
ENCANTAM-SE COM SEUS BENS
O caso de Magude é complexo, por se tratar da vontade da própria rapariga de envolver-se no casamento prematuro. Quando a intenção é dos pais, fica mais fácil negociar.
Estas foram as palavras de Angélica Magaia, Directora Nacional da Criança, no Ministério de Género, Criança e Acção Social, a propósito do fenómeno constatado pela nossa reportagem naquele distrito.
Angélica Magaia revelou que um trabalho foi efectuado em Magude, província de Maputo, e em partes da província de Gaza, pelo do departamento do Género do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. “Lá a equipa foi confrontada com a ocorrência de muitos casos de crianças que abandonaram a escola e engravidaram com pouca idade”. As motivações para essas violações dos direitos das menores desaguam predominantemente em questões materiais.
Conforme referiu a directora Nacional da Criança os resultados mostraram que, na sua maioria, as raparigas abandonam a escola por se sentirem encantadas pelos bens dos madjonidjones,trabalhadores das minas da África do Sul.
Em média, continuou Angélica Magaia, dois anos após as uniões estas são desfeitas, entretanto depois de produzirem outras vidas, fazendo com que as raparigas regressem à casa dos pais arrastando consigo os respectivos filhos.
Perante estes dados, o Governo, numa acção multissectorial, que envolve o próprio ministério do Género, Criança e Acção Social, bem como o sector da Educação e Desenvolvimento Humano, da Saúde e o ministério do Interior, entre outros, entende que é necessário intensificar mensagens orientadoras, pois “a falta de informação sobre as reais consequências de um casamento prematuro contribui para o agravamento da situação. É preciso dizer de forma clara que casando cedo vai sofrer violência no lar, até pela incapacidade de negociar certas questões. Mais grave ainda, a criança corre risco de contrair doenças graves”.
Trata-se, pois, de fórmulas de acautelar a existência de males contra a rapariga. “Manter a criança na escola torna-se, portanto, fundamental, bem como criar alternativas tais como habilitá-la ou capacitá-la para desenvolver tarefas para o seu auto-sustento, uma vez que a pobreza tem sido avançada como um dos principais factores para os casamentos prematuros”, ditou Angélica Magaia.
Texto de Carol Banze
carolbanze@snoticicas.co.mz

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