quarta-feira, 11 de maio de 2016

Saiba porque é que Mário Soares ofereceu Moçambique à Frelimo.

AO LONGO das próximas semanas, O Independente irá publicar vários documentos inéditos dos arquivos secretos dos Estados Unidos, da República Democrática Alemã e da União Soviética, sobre os acontecimentos que marcaram a África Austral durante a década de 70. Todos estes papéis foram agora finalmente desclassificados, encontrando-se ao dispor dos investigadores nos National Security Archives, em Washington. Neles se revelam alguns dos aspectos mais dramáticos da história da descolonização portuguesa e das guerras civis que se seguiram nas antigas colónias. Demonstram sobretudo algumas das atitudes assumidas pelos principais protagonistas políticos que, na altura, conduziam a política externa dos seus países.

21 de Agosto de 1974

Documento do departamento de Estado norte-americano sobre a descolonização de Moçambique, classificado como “secreto” . Nele se dá conta da opinião de Mário Soares, favorável à entrega imediata da colónia à Frelimo. Sem dar qualquer relevância à possível falta de representatividade do movimento marxista moçambicano.
Este primeiro documento cita a opinião do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, sobre a descolonização de Moçambique: “A transferência imediata do poder para a Frelimo é a única saída para Portugal, independentemente de a Frelimo ser ou não realmente representativa da maioria da população”. Esta verdadeira entrega sem discussões do país à Frente de Libertação de Moçambique justificava-se, segundo o ex-Presidente da República, como a única forma de terminar definitivamente com a guerra.
De acordo com os norte-americanos, Soares entendia que se Portugal não fizesse esta outorga do poder “ as tropas portuguesas iriam recusar-se a combater, o que resultaria num Moçambique independente governado pela Frelimo mas hostil a Portugal”. Ao transferir o poder para os homens de Samora Machel, Mário Soares explicava desta forma “ Portugal manterá a capacidade de exercer influência sobre o Governo de Moçambique”.
O documento confidencial, intitulado “ A escolha como Soares a vê”, explica mais adiante que o ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Provisório acreditava que se Portugal aceitasse incondicionalmente “a Frelimo como condutora do processo de independência, Moçambique irá manter no futuro ligações linguísticas, culturais e económicas com Portugal e desejará manter permanentemente a presença portuguesa no território”.

30 de Maio de 1974

Telex do cônsul norte-americano em Luanda, relatando um encontro ocorrido a 24 de Maio entre António Almeida Santos, ministro da Coordenação Interterritorial, o cônsul americano em Luanda, Everett Ellis Briggs, e o seu colega italiano. O actual presidente da Assembleia da República dizia que não havia outro caminho para Angola e Moçambique que não fosse “a imediata autodeterminação”.
Segundo este documento, Almeida Santos afirmou no encontro com o cônsul norte-americano, Everett Briggs, que “o Governo provisório angolano não deverá depender de Lisboa: é impensável que Lisboa vá continuar a dirigir os assuntos angolanos e moçambicanos. A autonomia será conduzida para que o imediato exercício da autodeterminação possa ser genuíno”. À altura, o então ministro da Coordenação Interterritorial ainda defendia que “a autodeterminação incluirá as opções de federação com Portugal ou de independência total”. Uma ideia que foi, como se sabe, rapidamente ultrapassada.
Segundo o que relata Everett Briggs, mais tarde embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, o Governo português mostrava-se claramente optimista no apoio de Angola “à manutenção de laços económicos e culturais com Portugal”, que deveria preservar também “responsabilidades partilhadas na área da Defesa durante algum tempo”.
Na reunião, que durou apenas “alguns minutos”, Almeida Santos teve tempo para defender ainda que “Cabinda terá de permanecer como parte integrante de Angola. Se Cabinda tivesse uma relação separada com Portugal, o resto de Angola seria vulnerável à desintegração. Quando o ministro hoje se encontrar com uma delegação de Cabinda, tenciona abrir as conversações com uma declaração anti-separatista”. Almeida Santos referiu depois que “os EUA deveriam estar satisfeitos com o facto de Portugal ter finalmente aceite o princípio da autodeterminação”. Quanto à possibilidade de Washington oferecer assistência económica a Angola e Moçambique durante a “transição”, o responsável norte-americano “não deu qualquer tipo de encorajamento” aos pedidos do socialista português.

2 de Agosto de 1974

Documento classificado do departamento de Estado com o título “Descolonização em Angola: o passo acelera”.
Nele se refere que “o conceito de Spínola de uma federação lusitana” se tinha tornado obsoleto. A fonte deste relatório secreto é um membro do Movimento das Forças Armadas, coronel Silva Cardoso, que revelou “os planos do MFA para realizar a independência antecipada de Angola sem a realização de um referendo”.
No texto da funcionária norte-americana, Marianne L. Cook, salienta-se que “o processo de descolonização em Angola foi acelerado com o novo Governo Provisório português dominado pelo MFA”, tornando obsoleto “o conceito de Spínola de uma Federação Lusitana”. Já nesta data os norte-americanos reconhecem que, “apesar de Angola dever ser o último dos três territórios a obter a independência, vai consegui-la sem a realização de um referendo e muito antes do tempo previsto” por Portugal.
A fonte principal deste documento foi o coronel António da Silva Cardoso, membro do MFA enviado para Angola numa “comissão de averiguação” a recentes tumultos entretanto verificados. O relatório norte-americano afirma, preto-no-branco, que Silva Cardoso revelou “ao nosso cônsulo-geral em Luanda os planos do MFA para realizar uma independência antecipada sem realização, de um referendo”. Lembre-se que a politica oficial do Governo na altura, tambem defendida por António de Spínola, que era ainda Presidente da República , afirmava que a independência de Angola só deveria acontecer depois da realização de uma consulta popular” aos povos a autodeterminar”.
O plano do MFA para a independência de Angola revelado por Silva Cardoso aos americanos, dependia de “um acordo prévio entre os três movimentos de libertação, as comunidades brancas e mestiças”, no sentido de formar um “ Governo provisório de coligação” semelhante ao que na altura existia em Portugal. As eleições democráticas seriam realizadas só depois da independência.
Esta coligação impossível deveria incluir as três fracções do MPLA que na altura disputavam o poder, respectivamente lideradas por Agostinho Neto, Daniel Chipenda e pelo chamado, 
”grupo de Pinto de Andradre”, englobando também a FNLA e a UNITA. O MFA esperava que um, ”MPLA unificado” – preferivelmente sob a liderança do moderado Pinto de Andradre – poderia conseguir governar uma “ Angola multi-racial”. Uma ilusão que veio a sair cara aos antigos “colonos portugueses” e ao povo Angolano em geral.

Aparentemente, as conversas travadas entre os norte-americanos e o representante do MFA visavam obter o apoio de Washington para esta causa portuguesa.
Lisboa pretendia que os EUA viessem a pressionar a FNLA de Holden Roberto para que aceitasse participar no Governo de coligação. Lisboa confiava igualmente nos “bons ofícios” de Washington para assegurar o apoio de presidente zairense, Mobutu Sese Seko, ao plano de Portugal. Silva Cardoso revelou ainda “a sua preocupação com a eventual tomada de Cabinda por Mobutu” – o enclave angolano era considerado pelos portugueses como “ militar mente indefensável “.
Do ponto de vista do departamento Estado norte-americano, eram vários os problemas que poderiam inviabilizar este plano do MFA. Em primeiro lugar, “a atitude Holden Roberto”, que resistia à unificação dos movimentos rebeldes. Depois, “ a posição de Mobutu”, que pretendia assegurar um maior acesso ao mar e ao petróleo, só possível mediante a conquista de Cabinda. Em clara oposição mantinham-se também os colonos portugueses, “alguns dos quais mostrando-se dispostos a inviabilizar o projecto de Lisboa”. Finalmente, e mais importante, o plano do MFA exigia que ”o Governo português tivesse capacidade de manter forças militares em Angola pelo menos durante algum tempo depois da independência “.

8 de maio de 1974

Documento do Departamento da Defesa dos Estados Unidos, mais precisamente da Defense Intelligence Agency os serviços de informações militares. Aqui se relata a visita de Costa Gomes a Angola em 5 de Maio de 74.
Comentando a visita de Costa Gomes, na altura membro da Junta de Salvação Nacional e CEMGFA, efectuada em 5 de Maio a Angola, os norte-americanos referem que o general “ prometeu que os guerrilheiros presos seriam libertados em troca da cessação imediata de hostilidades” . Este facto conhecido é, no entanto, interpretado pelos EUA como sendo “ essencialmente motivado por questões de política interna” em Lisboa.
Com esta acção, diz o documento, Costa Gomes esperava vir a “diminuir as pressões em Portugal por parte dos mais esquerdistas que defendem a independência imediata, negando também qualquer estatuto especial aos movimentos de libertação em futuras negociações”.
Curiosamente, nesta altura, Costa Gomes surge como um travão aos elementos do MFA mais radicais empenhados numa” descolonização instantânea”. Uma posição que o próprio general irá deixar cair meses mais tarde, depois dos acontecimentos do 28 de Setembro, quando assume a presidência da República com o apoio da Comissão Coordenadora do MFA.

24 de Dezembro de 1974

Telex do cônsul norte-americano em Luanda sobre “a indisciplina das tropas portuguesas no território”. Meses depois do golpe de 25 de Abril, o estado das tropas portuguesas em Angola aproximava-se da anarquia.
MFA em Angola estava nesta altura a organizar equipas de oficiais, sargentos e praças para efectuar visitas às unidades que procuravam restabelecer o “sentido da disciplina e da responsabilidade”. As “fontes próximas” dos Estados Unidos afirmavam que “o Exercito está dividido entre os que querem partir imediatamente para a metrópole, independentemente das consequências, e os que sentem que têm a obrigação de assegurar a segurança e a defesa dos interesses dos seus compatriotas durante este período difícil”.
O documento não pode ser mais claro sobre o estado das forças portuguesas em Angola. “Considerando o aspecto das tropas e a sua recente falta de vontade para combater, o moral é provavelmente mais baixo do que o Alto – Comando português admite”, dizem os americanos

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