sábado, 7 de maio de 2016

Quanto custa consumir pão da rua…

Em 1991, a caminho da assinatura do Acordo Geral de Paz, em Roma, a Renamo desatara a ensaiar ocupações às sedes distritais de Angoche e Lalaua, em Nampula e Mavago em Niassa. Pretendia concluir as negociações em posição de força e em Lalau conseguiu ficar 33 dias.
Quando ocupou Lalaua tentamos chegar ao distrito, na nossa qualidade de jornalistas e colidimos com o facto de que quase toda a máquina administrativa se encontrava refugiada na sede do vizinho distrito de Ribaué. Entrevistámos várias fontes, incluindo o então director distrital da cultura que disse que a Renamo tinha morto muita gente, espalhada ao longo das bananeiras que ladeavam as margens do rio Carira, na sede distrital. Disse mais: que tinha assassinado 1000 pessoas, que depois as esquartejou e exibia nas prateleiras das lojas de Lalaua.
Escrevemos e publicamos. A consequência imediata foi o então director Nacional de Informação, Arlindo Lopes, falar com o governador provincial, Alfredo Gamito, dando a notícia de que o que havia sido reportado acabava de interromper as negociações de Roma, o que atrasou a paz por um mês.
Duas semanas depois, eu entrei em Lalaua, via Iapala, fazendo 125 quilómetros a pé, para atingir Méti, um posto administrativo há 60 quilómetros da sede, a partir donde “ testemunhei” a reocupação pelo exército, 33 dias depois nas mãos dos homens da Renamo. Entrei no mesmo dia pelo mato até a vila e corri a ver pelo menos os esqueletos. É verdade que havia muitas pessoas assassinadas, alguns corpos em decomposição, mas muito longe que fossem 1000 esquartejados depois de mortos.
Já em Cabo Delgado, onde passei a trabalhar, no dia 9 de Novembro de 2000, a Renamo organizou uma manifestação violenta que tinha em vista, segundo se concluiu depois, tomar as instituições públicas e assim, o poder que não conseguira nas eleições anteriores. A violência gerou violência, na circunstância fez 9 vítimas mortais, entre agentes da Lei e Ordem e manifestantes.
Dessa vez não quis ouvir dizer, com a lição bem estudada de Lalaua e crescia profissionalmente. Sabia que podia falar tanto com a Renamo como com o governo, não precisava de me esconder. O facto de terem sido detidas muitas pessoas para acondiciona-las numa minúscula cela policial do distrito, fez com que morressem ao todo 82 reclusos, de asfixia.
Nasciam assim os famosos dois crimes: da Renamo, de rebelião armada e do Estado, de homicídio qualificado, por aqueles terem morrido nas suas mãos. Na confusão de quem tinha mais culpas que o outro, escrevi pontualmente o meu primeiro livro, o “Caso Montepuez” contando a responsabilidade de ambos e a comissão parlamentar de inquérito que havia sido constituída e fora trabalhar, até hoje não apresentou o seu relatório, porque o livro antecipou-se de forma achada competente e isenta.
Quando ouvi falar-se de uma vala comum com 120 corpos, algures em Gorongosa ou Macossa, ocorreu-me algo que se parece com que se passou comigo, quando tacteava o jornalismo. Era infantil, bastava ouvir, pois citava a fonte.
Ainda que fossem duas ou três pessoas, mortas nas condições em que morreram e deitadas como o foram, estaríamos perante um crime macabro que agride os direitos humanos. Pelo que haveria uma necessidade de encontrar os responsáveis daquela repugnante acção.
Mas nos três casos algo em comum é a violência. Podemos não duvidar de quem seja a obra, conhecendo a sua trajectória ou podemos encontrar outras forças, mas o que há por reter é que só em ambiente de violência isso acontece.
As vozes que condenam o recurso à violência são contra esse tipo de situações, mau grado alguns sectores serem indiferentes às causas do que leva a este estágio.
Ora, para um jornalista não cair na tentação a que caímos no primeiro caso (Lalaua), deve fazer também as contas, para além de se aproximar às fontes, quer sejam anónimas quer sejam de peito aberto. Fazer contas significa, ter o mínimo de noção de grandeza.No caso, 120 corpos. Este número em muitos casos, representa uma aldeia nas zonas rurais do nosso país.
Haveria o desaparecimento de 120 pessoas sem deixar pistas donde partiram? Supondo que fossem recolhidas individualmente, ninguém ficaria para estranhar a acção sendo concertada?
Por fim, se não for o que considero infantilismo jornalismo, que se pode confundir com a falta de profissionalismo e rigor, poderíamos tentar perceber como é que o jornalista ou o jornal, ou ainda uma agência noticiosa, chegou a esse número? Contou?




Tudo indica que a velha máxima que diz que ‘o que não mata engorda’ está a ser levado ao pé da letra por alguns transportadores, vendedores e consumidores de pão na cidade de Maputo. Graves atropelos aos requisitos de higiene e sanidade são notáveis a olho nu.
O pão é arrumado e transportado, das padarias para alguns pontos de venda, em viaturas de caixa aberta e txovas, sem nenhuma protecção. Já nos locais de comercialização, o ciclo de descuidados ganha mais corpo: o produto é exposto a poeiras, insectos e outras condições que atentam à saúde pública. Ainda assim, não falta cliente para o santo alimento.
domingo fez-se ao terreno onde encontrou algumas vendedoras do alimento tido como “indispensável” na dieta do citadinos.
Em conversa com Gilda Ernesto e Isolina Langa, que praticam o negócio há vários anos, ficou cristalizada a ideia de que a culpa pelo desmazelo com a saúde deve ser repartida por diferentes segmentos: vendedores, consumidores e fiscalizadores. À esta lista, domingo acrescenta alguns transportadores, por motivos acima mencionados.
CLIENTES GOSTAM DE TOCAR NO PÃO
Algumas bancas de venda visitados pela nossa reportagem, localizadas no bairro George Dimitrov, chamam atenção por uma condição foram do comum. As suas estruturas podem ser, de certa forma, consideradas como sendo geminadas. Possuem um compartimento pequeno, mas devidamente fechado, para proteger o produto ali comercializado. Porém, por opção das vendedoras e para atenderaos caprichos dos clientes, estrados de madeira foram encostados às paredes das casinhas formando um segundo espaço para exposição e venda.
É deste modo que os comerciantes respondem com dinamismo ao negócio. O pão é arrumado “com esmero” e o cliente, ‘exigente’, “faz questão de tocá-lo”, palavras de Gilda Ernesto, que garantiu que contrariar este desejo e vício não é uma boa ideia, pois “amanhece e escurece sem comprarem o produto. Eles não gostam que arrumemos o pão nos depósitos ou em caixas fechadas”, testemunhou, desta feita, a vendedora Isolina Langa.
É perigo à solta. Vítimas, voluntárias, são várias. Nos pontos de venda do Benfica fala-se de viajantes, que transitam pela Estrada Nacional Número Um, e moradores do bairro e arredores.
Facto confortante, é que Gilda e Isolina reconhecem a existência de falhas que custam caro à saúde dos consumidores. “Sabemos que arrumar o pão ao ar livre não faz bem à saúde. O produto fica cheio de poeira e aqui pousam insectos oportunistas, como moscas”.
Não obstante este importante avanço em termos de consciência, o défice é notável no que diz respeito à tomada de decisão. É que proteger o produto em caixas ou depósitos passa por todos os vendedores aceitarem esta medida. “Eu não tenho problema. Posso passar a arrumar o pão neste depósito atrás de mim, mas os outros colegas devem, igualmente, sair do passeio”. De contrário, nada feito! “Vou ter que continuar a vender aqui”, disse Isolina.
COMPRAR PARA ENCURTAR DISTÂNCIAS
Bastas vezes o cliente foi apontado como agente que induz à exposição do pão em condições nocivas à saúde.   
A nossa reportagem conversou com Nativo Macamo, técnico informático, e Francisco Mahumane, polidor. A rotina diária obriga-os a passar as refeições longe dos seus lares. O pão para o pequeno-almoço é adquirido em bancas instaladas nas ruas.
Nativo Macamo compra-o a pouquíssimos metros do seu local de trabalho, pois “as padarias estão distante daqui. Sou obrigado a comprar neste ponto, mesmo reconhecendo a existência de problemas graves, como a falta de observância de cuidados de higiene. Há, aqui, muitas moscas”.A meio desta conversa, o já conhecido problema da ‘testagem’ foi apontado: “os clientes pegam/largam…, e vão fazendo isso até encontrar o pão dos seus gostos, sob olhar indiferente das vendedoras”, denunciou.
Trata-se de um facto a ter em conta, até porque, Nativo Macamo contou ao domingo que certa vez enfrentou problemas de saúde, “diarreia, por causa de alimentos comprados na rua”, daí que apela aos vendedores que redobrem a higiene e apresentem-se limpos e asseados, veja-se, apontou, “uma daquelas vendedoras, nem sempre se apresenta limpa”.
LOCAIS QUE CHEIRAM À URINA
Francisco Mahumane endureceu o dedo acusador ao referir que existe uma banca de venda de pão instalada “numa esquina” onde, à chegada da noite, moradores da rua colocam as cabeças para descansarem das agruras da vida.
É um sítio que cheira à urina. Ali dormem delinquentes, sujos”… no entanto, “compro naquele local, que fazer?… tenho medo de ficar doente, e preferia que os vendedores se instalassem num lugar limpo mas, uma vez que isso não acontece, acabo comendo daquela banca”, confessou.
CORRE-SE RISCO DE VIDA
Alice Magaia de Abreu, directora de Saúde da Cidade de Maputo
“Não é aceitável, nem recomendável a venda de qualquer alimento sem observar medidas de higiene. Pode-se desencadear doenças infecciosas transmitidas por vírus, bactérias e outros parasitas, que causam diarreias, que podem ser acompanhadas de febres. E os microrganismos devem ser diagnosticados e tratados de acordo com o tipo. Geralmente, eles provocam um mal-estar, desequilíbrios hidro-electro-lítico, ou seja, défice de água e minerais no organismo. Tratando-se de cólera, esta doença pode levar à morte em seis horas”. Desta forma se pronunciou Ana Magaia de Abreu, directora de Saúde da Cidade de Maputo, a propósito do comércio do pão em condições que colocam a saúde das pessoas em risco.  
Reagindo à constatação de que o pão é, nalguns casos, transportado em veículos inapropriados a directora da saúde recomendou que este produto seja sempre protegido dentro de caixas adequadas para o efeito.
Já os vendedores, a seu espaço, “devem armazená-lo em recipientes apropriados, para além de fazer uso de luvas descartáveis no acto da entrega ao cliente”, evitando, dessa forma, a possibilidade de contaminação.
A directora da Saúde da Cidade referiu-se ainda à necessidade dos comerciantes seguirem à risca as recomendações do sector da Saúde no que diz respeito à avaliação do seu nível de sanidade em unidades sanitárias, para que se possa credibilizar a sua actividade. É nestes locais onde poderão obter o cartão de sanidade, que tem um prazo de validade anual, sendo que a sua renovação é condicionada à submissão a pequenas análises. De contrário, “o comerciante estará a trabalhar de forma irregular”, alertou.
Entretanto, de acordo com a directora, os comerciantes espalhados pelos mercados são submetidos, amiúde, ao teste de zaragatoa, no caso, uma colecta feita nos dedos das mãos, com o objectivo de obter informação sobre a existência ou não de microrganismos. Conforme revelou, os resultados têm sido surpreendentes: “temos encontrado bactérias fecais em unhas. Aliás, deixe-me referir que é proibido a criação de unhas a quem desenvolve estas actividades”.
Mais recomendações foram aqui avançadas e estendem-se aos vendedores de comida em carros e outros pontos: “é preciso primar pela higiene pessoal, do local de armazenamento e dos utensílios utilizados no manuseamento dos alimentos”. Detergentes, sabão neutro, até produtos como javel, certeza e, obviamente, a água devem ser utilizados. Quanto à conservação dos produtos, especialmente em congeladores, indicou que devem ser arrumados de maneira estratificada, em colunas para peixe, frango, outras carnes, tomate, só para citar alguns exemplos, “para evitar que quando um entra em putrefacção, os outros fiquem contaminados. É na esteira disto que se torna importante monitorar a sua ordem de entrada nos aparelhos: o primeiro a entrar para conservação deve ser o primeiro a ser consumido”, orientou Ana Magaia de Abreu.
TODOS NÓS DEVEMOS SER INSPECTORES
- Virgínia Muianga, da Inspecção Nacional das Actividades Económicas
Para a Inspecção Nacional das Actividades Económicas deve haver uma responsabilidade conjunta na questão de venda e consumo de alimentos nas vias públicas mas, sobretudo, “a sociedade deve velar pelo seu comportamento; deve ter consciência da necessidade de ingerir um alimento limpo”.
Virgínia Muianga realçou um indicador a ser levado em conta quando se fala do perigo de consumir o alimento da rua: a cidade enfrenta problemas de sanitários públicos. Assim sendo, “imagine-se, ao querer satisfazer as suas necessidades fisiológicas, para onde se dirige a ‘senhora’ que vende pão e badgias na rua? Existirão condições para a sua higiene pessoal?”, questionou e, em seguida, acrescentou que “todos nós devemos ser inspectores quando se trata de um alimento. Onde fica a consciência de quem compra? É preciso denunciar o que não está bem, independentemente das facilidades ilusórias que esses pontos de venda nos trazem. Não importa se estão perto de nós, é preciso que haja higiene”, apelou.
Texto de Carol Banze
carolbanze@snoticias.co.mz
Fotos de Inácio Pereira



O lago Niassa é um dos destinos turísticos menos explorados do nosso país. Faltam-lhe investimentos em infraestruturas e o povo das cercanias apenas utiliza este imenso reservatório de água doce e pouco menos.
Viajar para o lago Niassa é ir ao encontro da natureza tal como foi inventada. Se não fosse a parte urbana da vila de Metangula, sede do distrito de Lago, que metamorfoseou uma parte considerável da paisagem, muitos aficionados por passagens bíblicas diriam que aquele é um pedaço do Jardim do Éden.
Da capital provincial, Lichinga, para o lago é necessário percorrer uns 110 quilómetros em estrada asfaltada que servem de introito para um espectáculo que só os deuses sabem como criaram. Ar puro, revigorante, montes e montanhas de perder de vista, enfim, uma paisagem para cartões postais.
Por ali, seria tudo perfeito se não soubéssemos que a vegetação verde que hoje adorna o ecossistema fica sujeita a queimadas descontroladas durante toda a época seca, o que até põem em risco a vida da própria população local. Arde o capim e, por contágio fortalecido pelo vendo, casas e celeiros viram cinza.
Entretanto, o tempo fresco ainda só começou e, por isso, a fotossíntese vai no adro, pelo que está tudo verde como manda o figurino. A intercalar a mata são visíveis plantações de eucaliptos e casuarinas que se enfileiram caprichosamente como soldados em dia de parada na avenida.
À medida que nos afastamos de Lichinga em direcção ao nordeste, a estrada se afunila até parecer de faixa única. O capim cresce a ponto de estorvar o trânsito. Prudência exige-se a quem vai ao volante porque surgem sempre motociclistas, ciclistas, transportadores semi-ecolectivo e peões de todas as idades que trafegam alheios ao perigo. Puros incautos.
Salta à vista o facto de as comunidades locais preservarem até hoje o hábito de viver em aldeias comunais, aquelas que foram combatidas com sofreguidão pelos opositores que surgiram logo após a independência nacional. Porém, aquelas aldeias estão ali até hoje, alinhadinhas. Aliás, é assim em quase toda a região norte do país.
Tanto na travessia das aldeias como no resto da via, a viagem corre lenta porque aqui e ali há uma curva e contracurva apertada que é mascarada pelo capim alto que quase nos engole. Nas aldeias a vida parece estagnada, mas ganha ímpeto nos pequenos mercados onde não falta a batata-reno e feijão manteiga.
Vistas as coisas por um ângulo meramente de mercado, estes dois produtos agrícolas deviam constar da bandeira da província, a par do peixe chambo (tilápia) e do seu concorrente, o minúsculo peixe conhecido por ussipa ou ucipa (não temos a grafia certa). São de uma fartura incrível.
Enquanto o resto do país se queixa do preço da batata importada, em Niassa há baldes e sacos cheios e disponíveis em qualquer esquina, o peixe é encontrado fresco ou seco. Em todo o lado. O feijão, idem.
E por falar em fartura, Niassa também possui uma riqueza incrível de alho e cebola, aquela roxa que os nutricionistas formais e informais recomendam. Este conjunto de produtos é uma espécie de vício dos produtores. E a terra bastante fértil faz-lhes os desejos.
MANIAMBA
Com quase uma hora de viagem, se alcança a pequena vila de Maniamba, um lugar com história de resistência e de luta pela Independência. Os livros de História de Moçambique versam sobre este povoado em longas páginas. Em tempos que lá vão, quando o colonialismo português ainda por cá fazia das suas, andou por ali um tal Batalhão de Caçadores que deixou registado que aquele aldeamento era mal organizado e muito sujo. Mas, essas foram água passadas que, como diz o velho adágio, “não movem moinhos”.
Hoje, Maniamba não é apenas lugar que encerra elementos históricos. É ali onde está uma das maiores reservas de carvão térmico do país. Pena é que o preço deste recurso mineral seja tão volátil e tenha despencado que a sua exploração esteja quase adiada.
De Maniamba em diante a estrada se torna ainda mais estreita e mais dominada pelo capim alto. De permeio há macacos que rapidamente se esgueiram nas margens prenhes de arbustos. Fotografá-los é um exercício de caçador. Exige paciência e alguma perseverança.
O que anima neste percurso é que só restam uns 30 quilómetros até ao destino, mas os buracos que a partir de ali se espalham pelo asfalto geram um certo desconforto. Para agravar, o terreno é acidentado e exige redobrada atenção de todos porque tem subidas e descidas que se alternam em curvas e contracurvas.
Quanto mais nos aproximamos, mais acentuadas se tornam as descidas, mais altas se tornam as montanhas que cortejam a estrada, mais densa é a floresta e mais medonha se torna a via. Mas, esse temor se esfuma quando finalmente surge entre as montanhas o desenho da imensa praia do lago Niassa. É lindo. É de cortar a respiração.
Com o nosso objectivo já à vista, os últimos metros do percurso já não doem. Antes pelo contrário. Tem um sabor diferente. O capim alto, os macacos, as curvas e contracurvas somem da mente. O lago é tudo. Ele domina pela sua graciosidade.
LAGO NIASSA
A administradora do distrito, Deolinda Alfeu, encabeça o governo local há escassos seis meses e, mesmo assim, já evidencia um conhecimento invejável sobre a área sobre a sua jurisdição. É ela quem nos recebe e nos revela estórias sobre o distrito e, particularmente, sobre o lago que é partilhado com o Malawi e com a Tanzânia.
O lado moçambicano tem cerca de 6400 quilómetros quadrados e é onde actuam 1682 embarcações maioritariamente de pesca artesanal que, apesar de a vila dispor de energia eléctrica da rede nacional há alguns anos, não possuem meios de frio para a conservação de eventuais excedentes.
Como resultado disso, há 1232 comerciantes de peixe seco, contra 658 comerciantes de peixe fresco, o que é por si sintomático. Aliás, há ainda525 processadores de pescado que colaboram nos esforços para secar e defumar o peixe que depois é comercializado em mercados mais distantes.
Deolinda Alfeu lamenta a inexistência de um frigorífico com capacidade para conservar tanto peixe que o lago oferece. Aliás, diz que estes poderiam produzir mais de 20 mil toneladas por ano de faina, mas as limitações são tantas que acabam se contentando com umas sete mil toneladas.
E mesmo a propósito da energia eléctrica, a nossa Reportagem apurou dos cerca de 115 mil habitantes do distrito, apenas quatro mil tem acesso à energia da rede nacional e mais uma pequena franja que beneficia de sistemas de energia solar ou fotovoltaica.
Entretanto, e para a tristeza da administradora Deolinda, “a nossa população não aprecia muito os sistemas solares. O povo quer energia da Electricidade de Moçambique (EDM). Esse é o nosso desafio. Estender a rede”, disse.
Também parece irónico ver um infinito lago de água doce, que tem 560 quilómetros de cumprimento e 80 de largura, com uma profundidade de 700 metros a banhar um território onde grande parte da população não tem acesso à água potável.
TERRITÓRIO VIRGEM
Com os olhos postos na imensidão daquele lago, percebemos que homens, mulheres e crianças usam-no como lavandaria colectiva. Toda a parafernália da cozinha é lavada ali. Roupa interior e exterior. A família inteira toma banho ali. No final, ainda se enche alguns recipientes de água que será usada para o consumo doméstico.
Também salta à vista o facto de todo aquele potencial turístico estar praticamente guardado à espera de melhores dias. Imagine-se um lago daquela dimensão, com mais de mil espécies de peixes, 300 das quais tidas como endémicas, ou seja, só ocorrem ali.
Não há hotéis e os lodges que existem, num total de 22, apenas quatro merecem essa categoria e são apontados como exemplos. Os outros funcionam assim-assim e passam a maior parte do ano às moscas.
Deolinda Alfeu afirma que brevemente será apresentado o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Distrito do Lago, instrumento por via do qual se vai piscar o olho aos potenciais investidores para orientarem o seu capital para aquelas paragens virgens.
É que, o lago Niassa não é um polo turístico isolado. Ele está naturalmente integrado num meio onde a natureza foi generosa, onde se pode fazer escaladas às montanhas que o cercam, pode-se apreciar e explorar a floresta repleta de recursos florestais como a madeira preciosa, de primeira, segunda, terceira e quarta classe.
E porque a floresta vem sempre acompanhada de fauna, quem visita o lago pode se surpreender com aves como patos dos charcos, galinhas do mato, pombos, rolas e gansos. Para os aficionados por animais maiores, há elefantes, hipopótamos, búfalos, leões, leopardos, crocodilos, facocheros, raposas e zembras. Também tem cudos, porco-espinho e bravo, pala-palas, lobos, entre outros.
Este menu farto demonstra que quem for a investir naquela área e souber combinar um pacote de turismo lacustre e cinegético pode sair dali com uns bons tostões, gerar emprego, elevar o distrito a outros patamares na arena nacional e internacional e ajudar a desenvolver aquele espaço.
HOTÉIS CAPULANA
Mas, nem tudo está parado por ali. Juvêncio Muchanga, director provincial de Cultura e Turismo, elabora de forma minuciosa sobre os planos que existem para dar mais vida ao lago Niassa que um dos principais, senão mesmo o principal atractivo turístico daquela província.
É verdade que muitos planos estão ainda no papel e na mente, como é o caso do estabelecimento de um ou mais hotéis Capulana ao longo da costa do lago. “Este é o nosso atractivo mais forte e combina muito bem o turismo de sol e praia com actividades desportivas como a canoagem, natação, pesca desportiva, assim como a simples apreciação da água doce e azul”.
Juvêncio assegura que os planos estão avançados e afirma que há fundos disponíveis para a implementação, os espaços que devem ser ocupados foram já identificados e o que está a faltar é definir o tamanho das infraestruturas (se terão 12, 16, 24 ou mais quartos). “São assuntos que estão a ser aprofundados. Mas, os concursos serão lançados em breve”.

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