domingo, 15 de maio de 2016

Deixaram o crime organizado dominar a Administração da Justiça e agora...

Magistrados gritam pelo socorro
Ignorado por várias esferas da sociedade moçambicana, incluindo os operadores da justiça, o crime organizado está a dar sinais de ter tomado conta do Estado moçambicano. O assassinato de juízes e procuradores, nos últimos anos, apenas exterioriza um facto que há vários anos vem vitimando agentes da polícia, jornalistas, políticos, académicos, para além do cidadão comum. Preocupada com o facto de o crime organizado ter virado as suas atenções para os alicerces do sector de administração da justiça, a Associação Moçambicana de Juízes (AMJ) organizou um seminário denominado: “O crime organizado e os desafios dos órgãos de administração da justiça” e juntou à volta da mesma mesa vários parceiros da sociedade civil, da política, do meio forense e outros poderes de Estado para discutir aquilo que apelida de clima de ameaça e tensão no seio da classe. A AMJ diz que os juízes estão assustados com a insegurança a que estão sujeitos na defesa da justiça e, como tal, apelam à criação de medidas especiais de segurança. Coincidindo com dois anos do assassinato do juiz Dinis Silica, um crime macabro que ainda não foi esclarecido, a classe de magistrados judiciais refere que está assustada com a falta de segurança, principalmente quando lidam com “casos quentes” envolvendo pessoas influentes. O grito de socorro foi lançado por Carlos Mondlane, presidente da AMJ, que disse que há necessidade urgente das partes se unirem e encontrar formas de dominar este mal que parece estar a ficar cada vez enraizado. Sublinha que há necessidade de se reformar a legislação, melhorar os meios de trabalho, potenciar os recursos humanos, aperfeiçoar a articulação entre diferentes intervenientes do sector da justiça e de outros órgãos de Estado. Mondlane fala da necessidade da criação de uma força especial para garantir a segurança dos juízes e de outros fazedores da justiça. “Nós, como poder judicial, fazemos partes dos três poderes. Somos um órgão de soberania. Porém, somos os únicos cuja segurança é desprestigiada ou ignorada. Não estamos a exigir muito, queremos que o Estado crie condições para que o magistrado trabalhe em condições de segurança para si e família”, apelou. Pedro Mondlane disse que, formalmente, o direito à segurança está garantido, porém em termos prá- ticos essa segurança nunca existiu porque sempre que é requisitada não está disponível. Mesmo para magistrados que estão perante um caso “quente”. Desactualização da legislação e desarticulação da administração da justiça A classe política foi também chaDeixaram o crime organizado dominar a Administração da Justiça e agora... Por Raul Senda mada para dar o seu contributo na busca de soluções para o combate ao crime organizado. Edson Macuácua, presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade na Assembleia da Repú- blica (AR), referiu que o legislador moçambicano sempre se preocupou com a criação de instrumentos que permitem o combate ao crime organizado. Sucede que o grosso da legisla- ção atinente ao crime organização encontra-se de forma avulsa, o que dificulta a sua materialização. Debruçando-se sobre o tema: Medidas Legislativas no Combate à Criminalidade Organizada, Macuácua disse, na qualidade de presidente da Primeira Comissão, que a grande fragilidade da legislação moçambicana prende-se com a falta de uma abordagem sistemática e integrada das leis do combate ao crime organizado. Entende o parlamentar que é necessário integrar essas leis no mesmo sítio de modo a facilitar o trabalho dos magistrados, bem como de outros operadores do sistema judiciário, mormente: a polícia, oficiais da justiça, advogados e magistrados do Ministério Público e Judiciário. Sublinhou que a legislação que aborda o crime organizado em Mo- çambique carece de actualização com vista a responder aos desafios do momento. “Todos os dias o crime organizado sofistica-se, os agentes do crime adoptam novos métodos de prática dos seus actos. Perante esta situa- ção é necessário que as instituições adoptem mecanismos para responder às novas exigências”, disse. Macuácua disse que a dispersão da legislação dificulta a articulação processual entre os diferentes intervenientes da justiça e até há situa- ções em que a própria legislação se contradiz. Entende o deputado que o mais importante para o país é se investir na prevenção que é menos oneroso para o Estado do que na repressão que é mais cara. Para Edson Macuácua, o combate ao crime organizado passa pela existência duma legislação bem estruturada, organizada, integrada e actualizada, visto que permitiria uma melhor coordenação das estruturas de administração da justiça. Também permitiria troca de informações em tempo útil com as administrações de justiça de outros países, para além de garantir melhor protecção aos fazedores de justiça. O parlamentarista refere que a legislação moçambicana ainda é frágil perante diferentes tipos de crime. Frisou que a revisão feita recentemente ao Código Penal não se mostra suficiente para responder às exigências oriundas da sofisticação do crime organizado. É que, segundo Macuácua, o Código Penal deve ser complementado pelo Código do Processo Penal que neste momento se mostra desactualizado perante a realidade actual. “Sem o Código do Processo Penal actualizado e adequado à nova realidade, o novo Código Penal não será capaz de responder aos desafios actuais. Por isso, urge a aprovação do novo Código do Processo Penal”, elucidou. Edson Macuácua sublinhou que a reforma legislativa deve ser acompanhada pela reestruturação dos serviços de investigação criminal quer em termos de recursos humanos bem como em meios tecnológicos. Não há Estado de Directo sem justiça independente Luís Mondlane, juiz conselheiro do Tribunal Supremo (TS), reconheceu que há tendências do crime organizado capturar o Estado e até formar um Estado paralelo. Essa situação ganha mais espaço quando um Estado não potencia as suas instituições. Mondlane, que tem um processo crime embargado pelos seus colegas do Tribunal Supremo em conexão com a prática de crime de abuso de poder, corrupção e uso abusivo dos bens de Estado aquando da sua passagem pela presidência do Conselho Constitucional, referiu que um operador da justiça é uma pessoa normal tal como outros cidadãos que vivem no país e que goza de todos os direitos consagrados na Constituição. Porém, devido à especificidade do seu trabalho, o operador da justiça precisa de um tratamento especial que não passa necessariamente pela garantia de segurança exclusiva, mas pela criação de mecanismos que garantam uma justiça independente, isenta, transparente e que se cinge na lei. Luís Mondlane diz que a justiça é justiça quando é praticada por um órgão independente e em obediência à constituição e à lei. Sublinha que um verdadeiro Estado de Direito só pode ser observado num país onde existe um judiciário independente. “Podemos falar de segurança especial para juízes, mas a melhor segurança do judiciário provém das garantias constitucionais. A melhor segurança e apoio à justiça provém da confiança do cidadão. Uma justi- ça desconfiada nunca terá seguran- ça. Só uma justiça confiável é segura”, elucidou o venerando. Chamando atenção à nova geração da magistratura, Mondlane disse que um juiz deve ser uma pessoa humilde, paciente, honesta, didá- tica, transparente, independente, justa e que, na medida do possível, procure se afastar de todas as manobras de manipulação e pressão porque sempre existirão. Sublinha que uma sentença pode ser politicamente incorrecta para o visado, mas se for tecnicamente inatacável não provocará um sentimento de ódio, mas sim de conformismo. No entanto, Mondlane não se esqueceu de expor a penúria que reina no meio judiciário em termos de matéria de segurança. Segundo Mondlane, Moçambique é dos únicos países onde o acesso ao tribunal confunde-se com a entrada de qualquer lugar público que não precisa de medidas especiais de segurança. Diz que é comum o juiz partilhar o mesmo elevador, corredor ou parque de estacionamento com o réu, a sua família muita vezes está exposta e vulnerável e quando os operadores da justiça reportam casos de ameaça ninguém considera. Entretanto, só quando as pessoas são assassinadas é que se procura andar atrás do prejuízo. Falta vontade política para o combate ao crime organizado Para o jornalista e jurista Ericino de Salema, os grupos criminais devem ser alvos de todas as organizações e estruturas da justiça e de outras entidades. Falando do tema: Criminalidade organizada e Acesso à informação privilegiada, Salema sublinha que o combate efectivo ao crime organizado passa pela vontade de todos, o que neste momento parece faltar. Ericino de Salema, que também é director do Programa do Acesso à Informação e Engajamento do Cidadão na Ibis, disse que, no caso concreto do nosso país, não há vontade política para o combate a este mal. Exemplificando, apontou facto de, no passado não muito distante, o Governo ter ensaiado a criação da polícia judiciária, tendo para o efeito formado especialistas na matéria, mas depois o projecto caiu no esquecimento e os especialistas formados ficaram marginalizados. Falou da necessidade do aumento dos níveis de ética e deontologia profissional no seio dos profissionais de justiça. No que concerne ao acesso à informação, Salema referiu que o direito à informação e o instituto de presunção de inocência são dois direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados. No entanto, certos casos há necessidade de serem contrabalançados tendo em conta o interesse público. Tomás Vieira Mário, Presidente do Conselho Superior de Comunica- ção Social (CSCS), entende que a justiça deve ter a comunicação social como grande parceira e procurar explorar os pontos positivos. Lembrou que a comunicação social nunca se intrometeu nos assuntos da justiça. Tudo o que a comunica- ção social faz é no sentido de informar o público. Lembrou que os grandes crimes são despoletados na comunicação social antes da própria justiça tomar conta. Albano Silva, advogado, diz que quer a justiça bem como a comunicação social estão a ser assaltados pelo crime organizado e por interesses políticos que as usa para satisfazer seus interesses e assassinarem o carácter de opositores ou de magistrados honestos. Sublinha que uma justiça que quer ser séria deve afastar-se das manipulações e de interesses obscuros. Falou da necessidade de haver mais profissionalismo, ética e deontologia profissional no seio dos operadores da justiça.

Apontada durante anos como um dos principais nós de estrangulamento para os negócios e investidores em Moçambique, a temática da insolvência e recuperação de empresas conheceu uma nova vida em 2013 no país, quando entrou em vigor o Regime Jurídico de Insolvência e Recuperação de Empresários Comerciais (RJREC). Decorridos três anos de vigência na norma, a juíza-presidente da 2ª Secção Comercial do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, Fátima Fonseca, diz que o país registou uma evolução no ambiente da insolvência e recuperação de empresas e explica porquê: “A actual lei responde melhor às necessidades de salvaguarda dos interesses dos credores, assim como de recuperação das empresas”. Ademais, os novos moldes do regime de recuperação podem assegurar a salvação da empresa e de postos de trabalho. De que forma a Secção Comercial do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo se preparou para se adequar ao novo regime de insolvência? As Secções Comerciais prepararam- -se para a implementação do novo Regime Jurídico de Insolvência e Recuperação de Empresários Comerciais (RJIREC) do mesmo modo que se preparam para a aplicação de qualquer outra lei nova aprovada. Há um momento de estudo individual das novas leis por parte dos magistrados e dos funcionários para posterior aplicação. Algumas vezes são realizadas ac- ções de formação complementar ou seminários específicos dirigidos a magistrados e funcionários. No caso concreto do RJIREC, antes da sua entrada em vigor, em Agosto de 2013, foi realizado um seminário de dois dias no qual participaram juízes, procuradores, advogados e escrivães afectos às Secções Comerciais para que estes operadores se familiarizassem com a Lei. Obviamente que um seminário de dois dias não é suficiente para que se tenha o domínio total da Lei, mas é passo nesse caminho. O facto de terem participado diferentes actores no seminário foi uma oportunidade para que fizéssemos uma discussão conjunta sobre os desafios impostos pela nova Lei. Como avalia o regime de insolvência vigente se comparado com  as disposições revogadas do CPC? O novo RJIREC representou uma certa evolução na abordagem de questões sobre insolvência das empresas. Desde logo, a actual lei responde melhor às necessidades de salvaguarda dos interesses dos credores, assim como de recuperação das empresas. O regime anterior acentuava a vertente que podemos chamar “punitiva” para as empresas em dificuldades, decretando a sua falência. Pelo contrário, o regime actual favorece melhor que, através de uma administração profissional, seja preservada a empresa, contribuindo assim para a manutenção de postos de trabalho e protecção dos interesses dos credores. Outra vantagem é que actualmente o processo está simplificado, tendo sido reduzida substancialmente a intervenção dos juízes, o que dá maior protagonismo e responsabilidades aos administradores de insolvência. Mais uma diferença substancial é o facto do novo regime aplicar-se também às pessoas individuais, ao contrário do anterior que se aplicava apenas às empresas. Que avanços trouxe o novo regime? Há os avanços que referi na resposta à pergunta anterior, nomeadamente, quanto aos sujeitos abrangidos, os objectivos do regime, os intervenientes e a tramitação que foi simplificada. Contudo, parece-me que ainda existem desafios por superar em conjunto. O desafio mais importante será fazer uma maior e melhor divulgação da lei, especialmente junto dos empresários que operam em Moçambique. É importante que se perceba que a lei, utilizada na sua plenitude, poderá ser uma boa oportunidade para recuperar as empresas em dificuldades. Repare que têm sido muito poucos os processos de insolvência que deram entrada no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo. Quanto à recuperação de empresas, creio que não recebemos nenhum caso. Sendo uma lei de 2013 e, olhando para os desafios que se tem colocado aos empresários ao longo dos anos, era expectável que recebêssemos muito mais casos. Morosidade na tramitação processual Que dificuldades se podem apontar na implementação do novo regime? Penso que as dificuldades estão associadas a duas questões transversais no sistema de justiça: formação e recursos humanos em número suficiente. É importante que sejam ministrados cursos de formação complementar que abordem temáticas específicas como as da insolvência, recuperação de empresas e tantas outras importantes. Em todas as áreas do direito existe um conjunto de temas novos que merecem ser aprofundados, sob pena de não nos capacitarmos da melhor forma neste mundo cada vez mais exigente. Quanto aos recursos humanos, é sabido que são necessários muito mais técnicos afectos aos tribunais e procuradorias. No que particularmente respeita ao RJIREC, será necessário, por exemplo, administradores de insolvência devidamente formados e profissionalizados. Até agora, dada a inexistência de administradores, essa função é exercida por advogados nomeados pelos tribunais. Mas acredito que também os advogados poderiam beneficiar de formação específica sobre estas matérias. Um outro desafio importante será a aprovação do Estatuto dos administradores de insolvência que debruce sobre a regulamentação da actividade do administrador de insolvência, nomeadamente, sobre os requisitos (aprofundamento), forma de recrutamento, honorários e questões sobre a ética dos administradores. Que acções devem ser levadas a cabo? Penso que as respostas às perguntas anteriores já apontam para alguns caminhos que precisamos de percorrer para superar os desafios. A formação é central neste processo. À formação, deve aliar-se o recrutamento de administradores e, sobretudo, a divulgação da lei. Mas eu acrescentaria também a necessidade de aprovação de um estatuto dos administradores de insolvência, como referido anteriormente. Os empresários alegam morosidade na tramitação processual, mesmo com a entrada do novo regime. Que estará por detrás da aparente lentidão? A morosidade é um desafio a ser ultrapassado no sistema como um todo. Aliás, é um desafio que se coloca a generalidade dos sistemas de justiça do mundo. Dizer isso não nos conforta, de modo nenhum. Simplesmente aumenta as nossas exigências. Haverá causas estruturais que explicam a morosidade. É aí que deve haver uma intervenção. A sugestão que avancei poderá, de certo modo, mitigar esse problema. Acredito que à medida que forem concretizadas algumas acções básicas, serão identificadas novas necessidades com vista ao aperfeiçoamento do sistema. Que medidas foram tomadas para resolver a pendência? Se percorrermos a história da administração da justiça moçambicana, percebemos que muitas medidas foram tomadas. Desde logo, medidas de natureza legislativa, nomeadamente revisão de leis processuais; reorganização dos tribunais, criando secções de competência especializada; a própria formação inicial de magistrados e funcionários; a introdução de metas de desempenho; a introdução de administradores judiciais, com vista a melhorar a gestão dos tribunais e reduzir a intervenção dos juízes-presidentes nessa função; entre outras medidas. Neste momento está a ser estudada a possibilidade de criação de serviços especí- ficos para a resolução alternativa de conflitos nos tribunais. Mas também é certo que, em todas as áreas, a demanda aumentou consideravelmente nos últimos anos e que a conflitualidade tornou-se mais complexa, exigindo não só uma adequada preparação da nossa parte, como também tempo para conduzir e apreciar os casos de forma criteriosa. Quanto aos casos específicos de insolvência e recuperação de empresas, acho que precisamos de ter todos os intervenientes a trabalhar em pleno para testar melhor o modelo e os tempos da justiça. O novo regime tem impulsionado uma maior adesão dos agentes económicos ao instituto da insolvência? Há um ligeiro aumento de processos, mas não parece que reflicta as reais condições do empresariado nacional ou que opera em Moçambique. Repare que nem sempre vivemos num contexto económico favorável para a actividade empresarial. A realidade sugere que, infelizmente, existirão muitas empresas em dificuldades financeiras. Posso estar enganada em relação a esta questão, mas parece que a demanda não é proporcional ao potencial de mobilizadores que existirá. Creio que tem a ver com a questão da divulgação da lei. Não Insolvência e recuperação de empresas “Demos um salto qualitativo” recorrendo ao processo de recupera- ção, algumas empresas acabam irremediavelmente por fechar as portas, prejudicando os credores e atirando para o desemprego muitos trabalhadores. As consequências económicas e sociais são graves, como se sabe. Doing Business Que vantagens identificaria para as partes com o recurso à insolvência? O regime de recuperação permite a tomada de providência económicas, financeiras, produtivas, organizacionais e jurídicas por meio das quais se aumenta a capacidade produtiva de uma empresa, de modo a torná- -la rentável e, assim, conduzi-la a superação da crise em que estava mergulhada. Já o regime de insolvência permite ao devedor que tenha de liquidar a empresa, nomeadamente, a mobilização de um único processo permitindo uma melhor gestão e distribui- ção dos bens entre os credores e evita a proliferação de execuções. Tanto o regime de recuperação como o de insolvência contêm mecanismos que permitem a rápida satisfação dos credores (incluindo os trabalhadores), ainda que, de parte dos créditos a que tinham a receber. Um sistema de gestão electrónica solucionaria o problema? É importante mas não parece ser uma prioridade para este tipo de processos. Parece-me ser urgente e relevante investir em dois aspectos: na formação e na divulgação da lei. Qual é a apreciação que faz em relação aos indicadores de resolução de insolvência e execução de contratos no quadro do índice “Doing Business” sobre o ambiente de negócios? No que particularmente respeita a esta matéria, o “doing business” tem em conta indicadores como o tempo, o custo, os resultados da resolução de conflitos, a taxa ou índice de recuperação de empresas e a efectividade do quadro jurídico. O ranking resulta de uma análise combinada destes indicadores. Foi bom saber que, por exemplo, em 2016 Moçambique melhorou no ranking respeitante à resolução de conflitos comerciais. No geral, estamos em 66º lugar em matéria de tratamento de casos de insolvência, o que é lisonjeiro quando estamos a falar de uma classificação mundial. Numa pontuação de zero a seis, Moçambique recebeu a classificação de quatro valores no que particularmente respeita ao índice “gestão dos bens do devedor”. De qualquer modo, penso que o “doing business” não deve ser interpretado de forma dogmática. Poderá ser indício da situação em que nos encontramos, mas não muito mais do que isso. Acho que seriam necessários estudos profundos do sistema de administração da justiça que não só expliquem de forma mais sistemática e contextualizadas as diferentes situações que vivemos, como também ajudem a identificar caminhos consistentes de reforma que melhor respondam às necessidades de acesso à justiça. 

A StarTimes continua a expansão do seu sinal digital por todo o Moçambique. Depois do lançamento na cidade de Pemba, a 15 de Abril, a rede digital chegou à cidade de Xai-Xai no passado dia 10 de Maio. Com esta expansão da cobertura da capital provincial, mais moçambicanos poderão disfrutar da televisão de qualidade, com uma oferta variada de conteúdos, a um preço bastante acessível. Xai-Xai, 10 de Maio de 2016: Depois de Pemba, a cidade do Xai-Xai passou também a ter a cobertura digital de TV de alta qualidade da Startimes. O lançamento na cidade do Xai-Xai vai de encontro à estratégia de expansão da rede digital iniciada na cidade de Pemba, no passado dia 15 de Abril. Esta 2ª fase de expansão do sinal digital será completo com extensão da oferta de serviços Pay-Tv às cidades de Lichinga, Chimoio e Maxixe. “Este é mais um passo no cumprimento da visão da StarTimes: a de levar o entretenimento digital a todas as casas moçambicanas”, disse Liang Mu, CEO da StarTimes em Moçambique. A StarTimes irá também abrir lojas em todas as capitais provinciais, alargando assim os seus canais de vendas e chegando a um maior número de moçambicanos. Contando actualmente com 8 lojas a funcionar em pleno, a abertura destas novas cidades irá possibilitar à Startimes disponibilizar um total de 15 lojas físicas, para além de uma rede de distribuição com mais de 300 agentes e um conjunto de várias dezenas de pontos de venda. A Startimes possui uma oferta de qualidade, com grande variedade de canais, a melhor qualidade de sinal, por um preço muito acessível. Quando completa a rede passará a transmitir mais de 52 canais de TV em HD através de emissores com potências de 1 KW, utilizando a norma DBVT2, com uma oferta de pacotes exclusivos para diferentes regiões do país. O sinal possibilitará a oferta de 3 opções de Bouquets: O Buquet Novo com 14 canais, o Básico com 32 canais e o Clássico com 52 canais. Esta expansão possibilitará o acesso à TV Digital e uma grande variedade de canais a uma grande parte da população moçambicana. A expansão da rede da StarTimes irá continuar e chegará ainda este ano às localidades de Montepuez, Cuamba, Monapo, Gurué, Alto-Molocué, Mocuba, Caia e Quissico. Todas as cidades e localidades receberão o sinal digital da StarTimes alargando as ofertas de entretenimento, informação e educação, e de uma forma geral a oferta de serviços nesses locais e aos cidadãos mo- çambicanos. Esta fase de crescimento completará o projecto inicialmente apresentado ao Governo de Moçambique, aquando da entrada da StarTimes no país em 2010. O investimento total rondou cerca de cento e trinta milhões de dólares, utilizados maioritariamente na elaboração de estudos técnicos, instalação das infraestruturas, investimento em equipamentos, formação de pessoal e aquisição de conteúdos. ACERCA DA STARTIMES A StarTimes é uma operadora líder da Televisão Digital em África cobrindo 80% da população do continente com uma enorme rede de distribuição com mais de 200 escritórios, 3.000 lojas e 5.000 distribuidores. A StarTimes é detentora de uma plataforma com mais 440 canais de TV, com notícias, cinema, desporto, entretenimento, programas infantis, moda, religião, documentários e outros géneros televisivos. A nossa visão é “Fazer com que todas as famílias africanas disfrutem da Televisão Digital por um custo acessível”. A StarTimes, para atingir este objectivo, combina os sistemas Digital Terrestre (DTT) com o Saté- lite (DTH), de forma a obter uma platafor Empresa fornece um sinal forte que permite a transmissão de canais públicos ou privados e oferece aos consumidores conteúdos Premium em programas de Pay-TV, Multimédia, Mobile e Wirless. Star

Crime organizado
Por Ericino de Salema
A Associação Moçambicana de Juízes (AMJ) promoveu, esta segunda-feira, 9 de Maio, um seminário sobre “Crime organizado e os desafios dos órgãos de administração da justiça”, no qual tivemos o privilégio de participar e de apresentar uma comunicação sobre “Crime organizado e o acesso à informação privilegiada”. Cinco pontos foram por nós considerados: aspectos gerais do crime organizado, sobretudo o transnacional; questões tecnoló- gicas; a premência da boa preparação da Polícia [Polícia de Investigação Criminal (PIC), em particular]; centralidade da vontade política; e ética e deontologia profissional, em jeito de conclusão. Somos, como país, parte da Conven- ção de Palermo sobre Criminalidade Organizada Transnacional, aprovada em 2000 e em implementação desde 2003. Moçambique assinou-a em 2000, tendo a ratificado seis anos depois, ou seja, em 2006. Um aspecto que julgamos ser de capital importância no que ao combate à criminalidade organizada diz respeito são as polí- ticas criminais, que devem considerar, sempre, as dinâmicas que a história tem estado a provar serem próprias deste tipo de arquitectura delituosa. Na verdade, independentemente de qualquer tipo de manifestação criminal concreta, em termos de conduta, as organizações criminais devem ser sempre o alvo de todo o sistema de administração da justiça, no quadro do que o desmantelamento das estruturas que suportam as organizações criminosas, estritamente domésticas ou transnacionais, deve ser o enfoque. Especializada literatura diz, de resto, que os grupos criminais têm uma natureza oportunística, no quadro do que eles se movimentam e se mudam facilmente de um tipo legal de crime para o outro, com dois objectivos centrais: ou ganhar conveniência operacional ou adquirir amplos benefícios financeiros. Nisso, o acesso à informação privilegiada se afigura sempre como algo fulcral. Como, então, esse tipo de informação chega às redes criminosas organizadas? Que acções, no caso moçambicano, podem ser desenvolvidas para que o combate, existindo, à criminalidade organizada possa surtir os efeitos desejados? Antes mesmo de tentarmos dar o nosso ponto de vista quanto a estes pontos, importa, ainda que sucintamente, elaborar sobre o uso estratégico que grupos tais fazem das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), para depois desembocarmos naquilo que julgamos ser o problema central da nossa PIC, o que, a nosso ver, só pode ser razoavelmente captado quando enquadrado político-institucionalmente. As TICs, segundo Pedro Dias Venâncio (2011), não só trazem novos instrumentos para a prática de crimes já conhecidos, como novas realidades cuja protecção os estados têm entendido merecer dignidade penal. As especificidades da chamada criminalidade informática colocam-se, pois, não só na transferência de comportamentos ilícitos para o ambiente legal, como na tipificação de novos crimes, com elementos caracterizadores de natureza digital. Pode ser (mera hipó- tese), que em países como Moçambique os níveis de segurança da ‘Banca Virtual’ não sejam suficientemente sólidos para evitar que os agentes do crime organizado acedam à informa- ção privilegiada sobre as suas potenciais vítimas. Por outro lado, as práticas e capacidades da informática, em particular da Internet, potenciam exponencialmente a internacionalização da criminalidade, com o que se torna mais difícil a reconstituição do percurso das informações entre o ponto emissor e o ponto receptor, permitindo a dissimulação de actos e agentes criminosos. Para responder a situações tais, a PIC se acha num claro défice em termos de meios humanos e técnicos. Está-se a registar um desenvolvimento tecnológico acelerado, mas ela [a PIC] não está, nem de longe, a acompanhar essa realidade. Ainda que absolutamente inconcebível em plena era da informação, a PIC nem acesso regular e estável à Internet possui. O que temos visto no país no que à (falta de) reacção policial aos raptos e assassinatos diz respeito nos parece ser bastante para efeitos de documentação do défice técnico e humano em que nos encontramos como país: quando, há sensivelmente três/quatro anos, a febre dos raptos atingiu o seu ponto mais alto, a tónica era a de que os bancos é que forneciam informa- ção privilegiada às redes criminosas, o que, mesmo sendo potencialmente verídico, não nos parece ser assim tão linear, uma vez que os bancos possuem informação, até suportada por imagens, sobre quem acede às contas dos clientes, termos em que, havendo suspeita, não parece difícil chegar aos que, sem necessidade lícita, tenham a elas acedido; quanto aos assassinatos, os que são, quase invariavelmente, de imediato destacados ao local do crime são os agentes da Polícia de Protec- ção, vulgo ‘cinzentinhos’, não fazendo coisas tão básicas como o isolamento imediato do local da ocorrência do facto criminoso, no que seria absolutamente útil a presença de peritos de diversas especialidades (balística, por exemplo). Sem prejuízo de eventual equívoco, achamos nós não haver vontade política para que a criminalidade organizada seja profissional e severamente combatida. Algumas situações que quanto a nós indiciam isso: (a) depois de um investimento considerável visando a transformação da PIC em Polícia Judiciária (PJ), há por aí 15 anos, de repente tudo foi desconsiderado. Dos 23 técnicos superiores que tinham sido preparados para dirigir estratégica e tecnicamente o processo, quase todos já abandonaram a Polí- cia, estando agora no sector privado ou em sectores privilegiados da Administração Pública. Os que ainda lá se encontram (meia dúzia), estão frustrados, sem campo para aplicar os conhecimentos obtidos dentro e fora do país e à espera de uma oportunidade para abandonarem; (b) a triagem de impressões digitais ainda é feita manualmente, apesar de, desde 2009, terem já sido investidos cerca de 100 milhões de dólares norte-americanos no processo de produção de bilhetes de identidade e passaportes biométricos (SEMLEX), pelo que, na prática, há um acervo digital de impressões digitais que permitiria que o que manualmente leva “séculos” levasse um minuto apenas. Por fim, mas nem por isso menos importante, achamos nós que o crime organizado há-de estar a ganhar campo em Moçambique igualmente devido às deficiências de formação de vários quadros em termos de ética e deontologia profissional, desde bancários, agentes da PIC, juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais em geral. É, no mínimo, estranho que quem investiga criminosos seja assassinado quando se prepara ou para efectuar diligências específicas ou para emitir um despacho. Por Rui Baltazar* por uma razão prática, que eu vim a compreender mais tarde: era para não permitir que cochichássemos entre nós para fazer aquilo a que se chama hoje cábulas de ouvido. E é assim que eu tenho a minha coluna um pouco encurvada. Mas eu gosto de me ver ao espelho. Não é que me atraia muito o meu corpo ou a minha cara. Gosto da profundidade dos meus olhos. Os meus olhos são profundos, e quando os mergulho nos meus olhos do outro lado do espelho, é como se desse um salto no abismo; assim, vou-te dizer: como se mergulhasse num poço onde a primeira camada fosse feita de corvos e pesadelos, mas, à medida que fosses descendo, mergulhasses num mar de azul e céu. Tenho sorte. Tenho sorte principalmente porque depois desse tempo todo aprendi a ler o meu nome e a escrever. A escrever o meu nome e do povoado onde nasci: Lupixipixi, no Niassa. Mas tenho sorte também porque no teu conjunto de depoimentos me calhou o número oito. Eu gosto muito do número oito. É um número redondo, ondeante, como o mar. Eu nunca vi o mar, mas depois de tudo isso tenho lido e dizem que o mar tem ondas, e que as ondas do mar são mansas, quando o mar é manso, e morrem de desejo e prazer junto à areia. Mas também dizem que o mar, quando o tempo está tempestuoso, se levanta e é capaz de fazer ondas capazes de engolir um navio. Isso mesmo, engolir um navio. Percebo, agora que te estou a falar, porque é que nos meus – meus não, nossos – ritos de iniciação nos obrigavam a fazer oitos com o corpo. Fazíamos assim: nós, raparigas, adolescentes, nuas, ficá- vamos em circunferências a dançarmos o oito. Fazíamos o oito com o corpo, com a mão esquerda pendurada na cabeça, a mão direita na anca, a fazermos oitos: oito, oito, oito; pra cá, prá lá. Depois fazíamos oitos de cócoras. De có- coras mesmo, assim como estou a dizer, como Alá nos pôs no mundo. Depois fazíamos oitos deitadas de barriga: oito, oito, oito… Depois fazíamos oitos de costas: oito, oito, oito… Depois, abra- çadas umas às outras, fazíamos oito, oito, oito… Sempre oito. Gosto muito do oito. É o único número que conheço na numeração árabe que é duplamente redondo. Não é por acaso que, deitado de lado, simboliza o infinito. É muito bonito, tem muitas redondezas, tem muita ondulação do mar, do vento, tem muito apelo ao prazer do corpo, e é por isso que eu, hoje, estou a prestar-te este depoimento. E dou-me por muito feliz por me ter calhado o número oito na tua lista. Não é por acaso que, apesar de não ser particularmente bonita, nem atraente, e de não ter corpo sensual como as madames dos filmes de James Bond, sou a prostituta mais procurada e mais bem paga do Bairro de Namutequeliua, em Nampula. Como é que saí de Niassa para vir parar aqui? Não sei, pergunta aos donos da terra, pergunta a quem determina os destinos das meninas deste mundo, pergunta a quem mandou que o nosso destino fosse feito pelos contrabandistas do dinheiro e da fome que vivem à custa do desespero de quem é pobre. Eu não sou propriamente pobre, nem sou propriamente feliz. Mas não sou desesperada. Chamo-me Maimuna. Sou prostituta do Quarteirão 8, do Bairro 88, de Namutequeliua.

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