segunda-feira, 4 de abril de 2016

Presente envenenado

RUI SÁ04 Abril 2016 às 00:00

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Teria eu uns 20 anos quando o meu irmão Henrique me ofereceu um carro que se lhe tinha tornado inútil face à aquisição de uma nova viatura. Naturalmente que fiquei feliz. Era o meu primeiro carro e permitiu-me fazer uns "brilharetes". Mas rapidamente descobri que, apesar das boas intenções e da generosidade do meu irmão, o carro era um "presente envenenado"! Bebia gasolina à farta e gostava de a acompanhar com óleo, para além de outros "luxos" que a minha vida de estudante não comportava. Tive, assim, de me livrar dele...

Recordo este episódio quando assisto à intenção do Governo de transferir a STCP para a gestão dos municípios. Tal como o meu irmão, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, terá a melhor das intenções. Creio, até, que é de louvar a coragem e a coerência que teve na decisão de fazer reverter a concessão da STCP, Carris e metros do Porto e Lisboa decidida pelo anterior Governo O que reforça a ideia de seriedade e competência que tenho de Matos Fernandes, que conheço dos tempos da faculdade e, depois, da vereação da Câmara do Porto

Mas, sendo eu um indefetível adepto da regionalização e do poder autárquico, não estou de acordo com a "municipalização" da STCP? Não. Apesar de defender (diria mesmo exigir!) que os autarcas tenham um papel de relevo na gestão dos transportes públicos que servem os seus territórios e as suas populações.

Mas a gestão da STCP tem de ser articulada com a gestão dos outros transportes públicos - Metro, CP, para além dos transportes privados, rodoviários e fluviais. Pelo que não me parece adequado distribuir tutelas que não se articularão entre si - e as Autoridades Metropolitanas de Transportes, que nunca funcionaram, são um exemplo dessa falta de articulação.

Acresce que as autarquias apenas querem ser concessionárias da STCP para, de imediato, a subconcessionarem. Veja-se o caso do Porto: uma autarquia que concessiona a limpeza e a gestão dos parcómetros (áreas para a qual detém competências, pessoal e experiência), concessionará evidentemente a gestão dos transportes públicos, de que "nada" percebe.

Mas, o que mais me leva a opor-me a esta "municipalização" é o facto de achar que o Governo se quer desresponsabilizar das suas obrigações em matéria de transportes públicos. Transferindo para as autarquias o défice que, tendencialmente, os transportes públicos geram, dado que devem ser entendidos como um serviço público que visa proporcionar, a todos, mobilidade (essencial para a economia) com preços sociais. Daí a existência das chamadas "indemnizações compensatórias" que o Governo devia pagar às empresas de transportes para as compensar dessa diferença tarifária. Sem elas, o défice é das autarquias. Que não o conseguirão comportar. E que ficarão com o ónus de diminuir frequências, eliminar carreiras menos "rentáveis" e aumentar o custo dos bilhetes.

Por isso defendo a participação ativa dos municípios na gestão dos transportes públicos. Mas com o Estado como responsável por essa gestão...

PS: Rui Moreira afirmou publicamente que, na sua intervenção sobre a concessão da limpeza, nunca quis pôr em causa a minha gestão do Pelouro do Ambiente nem a minha seriedade e competência enquanto vereador (ver artigo da semana passada). Assunto esclarecido!

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