domingo, 17 de abril de 2016

Nyusi em Bruxelas para debater crise política e economia

Presidente de Moçambique visita Berlim

Filipe Nyusi estará na Alemanha a partir de segunda-feira (18.04). Relações comerciais deverão dominar a sua agenda. Especialistas esperam que Berlim observe melhor os direitos humanos e transparência neste campo.
Filipe Nyusi, Presidente de Moçambique
As relações entre a Alemanha e Moçambique estão cada vez mais estreitas, quer no apoio ao desenvolvimento do país africano nas mais variadas áreas, como também no investimento privado. A descoberta e exploração dos recursos naturais, como carvão mineral por exemplo, impulsionaram o estreitar de laços comerciais.
Sediado em Berlim, o KKM (Comité Coordenador Moçambique, em português) é uma organização que tem por objetivo estabelecer pontes entre os dois países nas mais diversas áreas. Ela manifesta a sua satisfeção em relação a aproximação. Peter Steudtner é membro do Comité e diz: "Estamos a ver um crescimento no engajamento, especialmente de empresas de consultoria [alemãs] na áera da indústria extrativa, o que é um passo em frente, porque achamos que a indústria extrativa é um passo rumo ao desenvolvimento em Moçambique."
Mas por outro lado o KKM quer ver outros valores salvaguardados, esperando, por isso, uma maior intervenção de Berlim: "Mas ao mesmo tempo vemos que os direitos humanos não são respeitados nesta área e esperamos dos governos, alemão e moçambicano, o cumprimento das regras e leis vigentes, especialmente no que diz respeito aos reassentamentos forçados."

Em 2015 a Alemanha deixou de contribuir para o Orçamento Geral de Estado moçambicano. Segundo Berlim, isso não significa o fim da ajuda, mas a disponibilização dos fundos diretamente para áreas específicas, com vista a um maior controlo sobre o dinheiro.
Peter Steudtner, membro do conselho diretivo do KKM
Zonas de tensão na sobreposição das relações comerciais e de apoio
Entretanto, a sobreposição de relações de apoio ao desenvolvimento com as comerciais podem originar zonas de penumbra no que diz respeito a valores universais, entende Elísio Macamo, pesquisador moçambicano que residiu cerca de 25 anos na Alemanha: "Por um lado acho que essas são questões muito importantes, a questão da transparência, dos direitos humanos e da qualidade da governação. A Alemanha, não só por ser um país democrático, é também um país que faz as coisas prestando contas ao seu próprio eleitorado. Então, ele tem que ter interesse em manter relações com Moçambique que tenham como base esses valores."
O pesquisador aponta um ponto nevralgico ao considerar que "o que muda um pouco as coisas é o facto da Alemanha não é só um parceiro comercial de Moçambique, como também um país doador. E aí há sempre uma tensão, por um lado entre explorar o melhor que puder as vantagens que podem advir da cooperação com Moçambique e não comprometer isso as exigências que o Governo de Moçambique possa não estar interessado em cumprir. Mas por outro lado não querer descurar coisas que são importantes, em termos de valores para a própria Alemanha."

Macamo destaca que os pontos em causa constituem um calcanhar de aquiles para Moçambique e isso, ao seu ver, proporciona vários elementos críticos para que a amizade entre os dois países seja abordada numa perspetiva mais crítica do que seria desejado para a saúde das suas relações comerciais.
Professor Elisio Macamo, investigador na Universidade da Basileia, Suiça
Aproveitamento político?
Ainda a destacar o facto desta visita de Filipe Nyusi a Alemanha, acontecer numa altura em que Moçambique vive mergulhado numa crise político-militar, envolvendo o Governo e a RENAMO, o maior partido da oposição. Até que ponto esse assunto preocupa a Alemanha?

Elísio Macamo está certo que preocupa: "Podemos partir do pressuposto geral que essas coisas preocupam qualquer país. Então, questões de corrupção, de falta de trensparência na tomada de decisões, inclusivamentete a crise política são coisas que sempre vão preocupar a Alemanha."
Mas por outro lado ele alerta "que não se pode esquecer é o uso que a Alemanha pode fazer dessas coisas para tirar vantagem na sua relação com Moçambique. Não podemos esquecer que os mesmos problemas que vemos em Moçambique vemos numa escala muito maior noutros parceiros da Alemanha, como a Árabia Saudita, a China..."
No entendimento do pesquisador os países não são colocados ao mesmo nível no que diz respeito as relações: "Mas eles nem sempre abordam essas questões com esses parceiros da mesma forma como abordam conosco. Pode haver um certo aproveitamento diplomárico e político dessas nossas fraquezas. Portanto, é preciso ter cuidado ao observar essas coisas."

Esta é a primeira visita de Filipe Nyusi a Alemanha na qualidade de Presidente de Moçambique, desde que tomou posse no início de 2015. Dia 20 termina a estadia em Berlim e o estadista moçambicano segue para Bruxelas, onde deverá manter vários encontros, um deles com o presidente da Comissão Europeia.
 
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Presidente de Moçambique visita Berlim


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O chefe da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeier, vai até Moçambique. Acompanham-no vários empresários. Mas as empresas alemãs são cautelosas face a situação económica e confrontos no país.

O Presidente Filipe Nyusi inicia na quinta-feira uma visita de dois dias a Bruxelas, tendo previstas conversas com os titulares das principais instituições europeias sobre a crise política e económica que o seu país atravessa.
“É uma oportunidade para se encontrar um espaço de diálogo ao mais alto nível com a União Europeia [UE], com incidência na crise económica, que se junta à crise política”, disse à Lusa o representante do bloco europeu em Maputo.
Segundo Sven von Burgsdorff, a deslocação de Nyusi, a primeira que realiza a Bruxelas, surge no seguimento das visitas a outros importantes parceiros europeus de Moçambique, Portugal e França, em julho do ano passado.
A deslocação ficou confirmada em fevereiro, durante a visita da alta representante da UE para Assuntos Externos e Política de Segurança, Federica Mogherini, a Maputo, quando alertou que a instabilidade política em Moçambique ameaça os sucessos alcançados nas últimas décadas
A nova crise política e militar em Moçambique, associada às dificuldades da sua economia, representa “um desafio maior para autoridades e povo moçambicanos”, observou o chefe da delegação da UE em Maputo, e a presença de Nyusi em Bruxelas é também “uma oportunidade para falar com toda a franqueza sobre esses desafios e procurar a melhor forma de os resolver”.
Na agenda do chefe de Estado, estão previstos encontros com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e Federica Mogherini, com o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, e ainda com presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.
Moçambique vive uma crise política e militar caracterizada por confrontos entre as forças de defesa e segurança e o braço armado da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), no centro do país, e por ataques a veículos militar e civis em troços das principais estradas da região, atribuídos ao principal partido de oposição.
Na origem desta crise, está a recusa da Renamo em reconhecer os resultados das eleições gerais de 2014 e sua exigência de governar nas seis províncias onde reivindica vitória nas urnas, condicionando a retoma de negociações à mediação da África do Sul, União Europeia e Igreja Católica.
Sublinhando que a UE não recebeu nenhum pedido formal de mediação do Governo e da Renamo, Sven von Burgsdorff comentou que o bloco europeu “está disponível a 100% para apoiar o país” no processo de paz.
“Se as partes envolvidas insistirem na nossa presença, não nos vamos opor”, declarou o representante europeu, lembrando que a UE tem uma relação de 32 anos com Moçambique.
Por outro lado, a economia moçambicana tem sido atingida por uma queda vertiginosa do metical face ao dólar, descida das exportações e subida de inflação, por efeito de causas externas, como a baixa cotação de matérias-primas, e também de uma persistente seca que atinge centenas de milhares de pessoas.
Outra ameaça prende-se ainda com o risco de agravamento da dívida pública, num momento em que Moçambique conseguiu restruturar o empréstimo de 850 milhões de dólares, contraído para a empresa estatal de atum, mas em que surgem notícias dando conta da existência de um segundo encargo até agora desconhecido, no âmbito do mesmo dossiê.
Sobre este segundo empréstimo, o representante da UE disse não ter ainda “nenhuma informação oficial do Governo nem das instituições [Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial]” e aguarda mais dados.
Na sexta-feira, o FMI cancelou uma missão prevista para a próxima semana a Moçambique devido às revelações de um empréstimo que desconhecia no âmbito do caso dos “títulos do atum”.
“O empréstimo em causa ascende a mais de mil milhões de dólares (884 milhões de euros) e altera consideravelmente a nossa avaliação das perspetivas económicas de Moçambique”, disse a diretora do Departamento Africano, Antoinette Sayeh.
A UE é um dos principais parceiros de Moçambique e o próximo programa de apoio prevê um financiamento de 734 milhões de euros até 2020, com foco no fortalecimento do Estado de direito e rigor das finanças públicas.
Fonte: Lusa

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