quinta-feira, 7 de abril de 2016

João Soares, um ministro à solta no Facebook

ANÁLISE

O ministro da Cultura, que através do Facebook prometeu bofetadas aos colunistas do PÚBLICO Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente, utiliza a rede social como um cidadão sem responsabilidades políticas, fragilizando a sua imagem institucional.
Há vários anos com presença assídua naquela rede social, o perfil de João Soares no Facebook manteve um teor pessoal após a chegada ao Governo de António Costa, vulnerabilizando a imagem institucional de ministro. A um ritmo quase diário, continuou a partilhar as fotografias de viagem que mostrava quando foi presidente da assembleia parlamentar da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa). Manteve o hábito de registar os almoços e os jantares com amigos e os passeios com os filhos. Já ministro da Cultura, passou a elogiar e a recomendar espectáculos, exposições e publicações. Continuou a mostrar os presentes recebidos a título pessoal e enquanto membro do executivo. E não deixou de reagir intempestivamente à crítica.
Quem acompanhava a presença de Paulo Cunha e Silva no Facebook não podia deixar de notar semelhanças entre a intensa actividade virtual do vereador portuense, falecido em Novembro e até ali apontado como um potencial ministro da Cultura de Costa, e o ritmo de partilha de Soares. Havia, contudo, uma diferença importante, os posts conseguiam contar a história de uma nova dinâmica cultural que estava a mudar a cidade do Porto.
Acusado de “amiguismo” pelo colunista do PÚBLICO Augusto M. Seabra, o Facebook de João Soares é fértil em elogios a artistas e personalidades próximas do socialista: ao “amigo eng. Luís Cardoso, ilustre escritor timorense”, à “amiga Teresa Dias Coelho”, aos amigos Hélder Costa e Maria do Céu Guerra, ao “amigo Inácio Matsinhe”, ao amigo Carlos Cruz – “Lá estive. Ou melhor, passei, amizade oblige, escrevia sobre a recente apresentação da autobiografia do antigo apresentador de televisão, actualmente a cumprir pena de prisão por crimes de abuso sexual de menores. Pelo meio, fotografias de almoços com Elísio Summavielle, escolha de Soares para presidir ao Centro Cultural de Belém. E de um jantar, em Alcochete, com o produtor de cinema Paulo Branco e o ex-Monty Python Terry Gilliam. Semanas depois, o PÚBLICO noticiava a compra dos direitos de Dom Quixote, projecto de Gilliam, por Branco, que recusou avançar como seria financiado o filme. E esta é uma amostra não exaustiva de mês e meio do Facebook do ministro da Cultura.
Há também os sinais de uma relação difícil com a imprensa. Em Janeiro,acusava o jornalista do PÚBLICO José António Cerejo de o seguir de forma "obsessiva" após a publicação da notícia da contratação do filho do ministro, João Barroso Soares, pela vereadora da Educação da Câmara Municipal de LisboaEm Março, acusava José Manuel Fernandes, publisher doObservador, de “bolsar [sic] grosserias e calúnias”. “Nunca na minha vida, tenho sessenta e dois anos, fui grosseiro ou intolerante com ninguém. Pudesse ele orgulhar-se do mesmo”, escrevia na altura. Sinais de imponderação e precipitação também. Em Janeiro de 2013, Soares admitia aoExpresso que tinha feito uma “grande confusão” no Facebook ao sugerir que Marcelo Rebelo de Sousa, então na qualidade de comentador político na TVI, tinha mentido sobre uma conversa telefónica supostamente mantida com o pai, Mário Soares, na altura internado no Hospital da Luz em Lisboa. A conversa tinha acontecido realmente, mediada pelo primo Eduardo Barroso.
O incidente desta quinta-feira, com a promessa de bofetadas aos colunistas do PÚBLICO Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente, ameaça, porém, ultrapassar a fronteira entre uma mera gaffe e um acto dificilmente conciliável com a conduta de um membro de governo com a tutela da comunicação social.

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