sábado, 5 de março de 2016

Um moçambicano no topo da arbitragem internacional

Diamantino Vasco Muchuane surgiu no boxe quando estudava em Cuba. Em 1988 filiou-se pugilista no Matchedje de Maputo, clube que representou em duas épocas. Parou de combater. Fez o bacharelato em Educação Física. Retornou ao clube “militar” em 1994 para exercer funções de treinador de boxe, juntamente com o outro formador de pugilista que respondia pelo nome de Paixão.
Como treinador trabalhou três anos ao serviço do Matchedje. Parou de dar treinos, numa altura em que o boxe nacional se encontrava à deriva. No processo da reactivação da modalidade foi “namorado” por Gudinho, filho do treinador Gudo, a seguir o ramo da arbitragem. Aqui encontra Jorge Amade, um grande homem do boxe nacional, que lhe dá as primeiras lições de ajuizar combates, dentro e fora do ringue. Foi quando se viu próximo de António Paulo, outra figura da arbitragem do nobre desporto. De curso em curso, ministrados por Jorge Amade, Diamantino foi aprendendo mais.
Em 2013 teve a primeira formação internacional, na Suazilândia, de que foi o único moçambicano. O curso foi ministrado por Mike Morroka, na altura presidente da Zona IV. Teve nota de 17 valores que lhe valeu a eleição de melhor aluno. Saiu dessa formação com a categoria de árbitro de uma estrela,que lhe permitia participar em vários eventos da região e do SCASA.
Quando Benjamim Uamusse (Big Ben) ascendeu ao cargo de presidente da Federação Moçambicana de Boxe (FMBoxe) convidou-o para chefiar a comissão de árbitros.
Mesmo com funções de chefe da comissão de árbitros na FMboxe, Diamantino continuou a ajuizar combates em vários torneios, o que lhe valeu a atribuição da categoria de três estrelas, graduação  lhe conferida no último torneio regional, realizado em Maputo, no Pavilhão do Estrela Vermelha.
“Teria sido atribuído duas estrelas aquando da realização, em Botswana, dos Jogos de Amizade, em 2014, mas não pude viajar para lá por falta de dinheiro, o que aborreceu o Sr. Morroka. Mais tarde fui observado no Zimbabwe e na África do Sul nos jogos da Zona IV, tendo sido elevado à categoria de três estrelas, cujo distintivo recebi agora aqui em Maputo, no regional. Não cheguei de receber o distintivo de duas Estrelas”, explica Diamantino Vasco.
Um árbitro com uma estrela só pode participar em torneios da zona e nas provas internas do seu país. Com duas estrelas é permitido participar em eventos envolvendo regiões e pode ser convidado para jogos ou campeonatos mundiais e jogos olímpicos. Com três estrelas pode apitar e ajuizar combates dos campeonatos continentais, mundiais e jogos olímpicos. É a categoria máxima da arbitragem do boxe.
“Estou a preparar-me para participar, nos Camarões, em finais de Março, no apuramento dos árbitros africanos para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro”, revela. E lá pode ser nomeado para seguir ao Brasil.
ANGÚSTIAS
Diamantino está angustiado com a prevalência do discurso de pobreza na classe do boxe. Entende que esforços devem ser feitos para que com os fundos recebidos anualmente do Estado se faça algo visível, muito mais quando somados com os patrocínios que os dirigentes da federação e das associações se deviam obrigar de arranjar.
“A falta de dinheiro para formação do atleta, formação do árbitro e organização de torneios e campeonatos vai aos poucos afastando todos do boxe, modalidade que corre o risco de desaparecer do mapa desportivo nacional. O que devia faltar no boxe são aqueles dirigentes, árbitros e atletas que ao invés de servirem o desporto, servem-se do desporto” enfatiza Diamantino, um desportista de poucas palavras, mas devidamente seleccionadas.
Mesmo sem árbitros com formação contínua e adequada, Diamantino acha que a arbitragem do nosso boxe “de modo geral é tida de boa, num universo de bons e maus árbitros”.
Tirando ele, que atingiu o todo da arbitragem de boxe, os outros árbitros moçambicano não conseguem transitar da categoria nacional para uma estrelae em diante. Foi por essa falta de oportunidade dos seus colegas que Diamantino Vasco abdicou do cargo de chefe da Comissão Nacional de Árbitros de Boxe.
“Eu sempre defendi junto da direcção a categorização dos árbitros existentes e da formação de novos.Fiz projectos para esses fins que nunca foram satisfeitos. Sempre tive a resposta de não há dinheiro. Não havendo dinheiro não é possível trazer instrutores de fora para a categorização dos actuais nem para juntar candidatos à formação. Os meus projectos de formação sempre foram tidos de muito bons mas nunca houve dinheiro para a sua implementação. Foi isso que me fez levantar as mão e dizer ao presidente da federação, adeus. Já tinha convidado Morroka para vir dar formação internacional aos meus colegas, mas, à última hora, fui informado que não havia dinheiro. Eu próprio tive que pagar cem dólares para me formar na Suazilândia. O grande problema é sempre a falta de dinheiro.” 
Não havendo dinheiro, não pode haver boa arbitragem, e, consequentemente, a qualidade do boxe não pode ser boa. Os árbitros devem estar actualizados. Um árbitro formado goza de credibilidade em relação ao não formado. O treinador e o atleta não dão seriedade ao árbitro não formado. Falta de dinheiro impede progressão dos árbitros, dos treinadores, dos atletas e da própria modalidade, observa Diamantino Vasco.
No entanto, Diamantino considera o nosso boxe de muito rico em talento. “Temos bons atletas. Não conseguem ser muito bons por falta de rodagem. Deviam competir constantemente. Temos nível competitivo muito baixo. Outra vez dizemos que falta dinheiro para torneios de rodagem e massificação, como se fazia nos bairros. Também o atraso na preparação dos atletas para provas nacionais e internacionais não ajuda em nada. Foi o que agora aconteceu no regional, razão pela qual alguns atletas, campeões nacionais,  não participaram”.
Todos males juntos fazem regredir a modalidade. Mas há males maiores, como o de treinar sem competir, que para Diamantino “faz com que os clubes desistam de praticar o boxe e os atletas desistam de ir aos treinos. A solução passa por arranjar patrocínios junto do empresariado local, desde que se tenha dirigentes que saibam falar com ele. E precisa-se de fiscalização da utilização dos fundos que são alocados às federações. Saber-se se vão para o que foi apresentado como programa. Sem essa fiscalização ou inspecção chega-se ao ponto de nem água haver para os atletas nas competições que se realizam.”
Questionado se os fundos do Estado alocados às federações deviam ser direccionados à formação, em todas as suas vertentes, Diamantino prefere dizer que “não sei o que se faz com esse dinheiro. Não sei quanto se recebe nem para que serve. Fiquei quatro anos na federação sem saber o que se fazia com o dinheiro do erário público, mas sempre a ouvir dizer não há dinheiro. Se na cidade de Maputo, de quando em vez se compete, é porque o presidente da associação por conta própria organiza algo. Tal como em outras modalidades, no boxe é preciso que se gaste dinheiro para haver competições, pois paga-se montagemdo ringue, compra-se energia para iluminar o sítio alugado, paga-se ao médico, paga-se aos homens de segurança… Por vezes o que se promete não é aquilo que se dá, porque o organizador do evento depois descobre que lhe falta dinheiro.
Como recomendação, o nosso entrevistado observa que “os dirigentes desportivos devem ser pessoas que estejam no desporto para servir o desporto e não a si próprias. Saberem apoiar as academias porque nelas os antigos pugilistas formam os atletas de hoje e amanhã.”

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