quinta-feira, 31 de março de 2016

Paradoxos da nossa democracia


Marcelo Mosse 49

1.Paradoxos da nossa democracia
Mais um episódio digno de rocambole… um arsenal em casa de um líder partidário em pleno coração de Maputo…um partido armado ate aos dentes, cujos deputados reconhecem o Estado por via de sua presença no Parlamento e recebem honorários pagos por nossos impostos. De repente estamos todos a financiar esta deriva sanguinária. O Estado financia um partido que combate o próprio Estado, um partido que anuncia que vai golpear o próprio Estado. Somos de uma anormalidade castrófica, uma democracia que se hesita, um Estado paria que não exerce autoridade onde devia e quando devia.
Imaginem eu pegando numa pistola e pondo-me a disparar la para as bandas da Junta para tudo o que é machimbombo. Sou logo detido, não sou? E esses apaniguados que andam por ai a solta, sobre eles não recai nada, sobre seus mandantes a justiça se silencia. Os caminhos da paz devem ser sulcados com firmeza. Mas um partido que se quer impor destruindo o Estado, e a economia e o povo que pretende governar? Sou contra essa refeudalização do poder em Moçambique. O desarme das residências de DHL faz sentido, sim.
2.Volpadas
Mais uma volpada a caminho. Fonte sénior do Ministério da Economia e Finanças diz desconhecer…mas minhas fontes muito bem colocados garantem uma coisa. O italiano naturalizado nigeriano, Gabrielle Volpi, que tomou conta do negócio da Base Logística de Pemba, prometendo investir mundos e fundos, esta para solicitar ao Governo que avalize um credito de mais de 200 milhões de USD, dinheiro para ele usar na construção da infra-estrutura. Ulalá! Isto é mesmo uma granda volpada. Então o dono da Orlean Investiment abocanhou o negocio da Base Logística de Pemba e agora quer nosso Governo se meta em suas traficâncias.

Não creio que o bom senso do Ministro Maleiane entre nessa jogada que, a concretizar-se, compromete o Estado em mais uma divida que poder gerar problemas no futuro em face de possíveis incumprimentos. Em jeito de post scriptum, vale a pena recordar que por causa do Volpi, a Anadarko descartou sua utilização da base logística de Pemba. Volpi não tem folha limpa na justiça federal americana...por isso a base de Pemba vai ter que ser redimensionada. E agora esta...volpada!!!
3.Vem ai dinheiro fresco para o Tesouro
Maleiane deve estar a esfregar as mãos de contente. Vem ai dinheiro fresco. Dinheiro resultante da tributação sobre mais valias. Mas se é bom a curto prazo, há mais incerteza a médio prazo relativamente a monetização de parte do Gás do Rovuma. Estou a falar da ENI. Eis o que foi noticiado, confirmando-se algumas indicações recentes.
“A gigante petrolífera italiana Eni está em conversações para vender à Exxon 50% dos activos que detém em Moçambique ainda este ano, noticiou o jornal financeiro norte-americano Wall Street Journal, citando fontes próximas do processo. De acordo com o jornal, a Exxon Moçambique estará em conversações com a Eni para ficar com 50% dos activos da petrolífera italiana em Moçambique, já que a posição da empresa italiana no país africano é uma das que estarão disponíveis para o mercado. Na semana passada, o presidente executivo da empresa, Claudio Descalzi, fez uma apresentação na qual confirmou que há negociações em curso para vender cerca de metade dos activos moçambicanos, acrescentando que a venda poderia acontecer ainda este ano. Há três anos, a Eni já tinha vendido 20% da sua posição no país por 4000 milhões de dólares, e desde então que o mercado tem noticiado o interesse da companhia italiana em reduzir a participação em Moçambique, que se prepara para começar a beneficiar significativamente das reservas de gás natural que têm sido descobertas nos últimos anos”.
Pois...se a operação se concretizar, o Estado vai encaixar e resolver alguns problemas pontuais de Tesouraria...espero que não comprem mais armas...mas a médio e longo prazo pode-se começar a questionar sobre se, no caso vertente, teremos o gás no mercado em 2022 ou atrasaremos mais
4.Porque não te callas
O ex procurador-geral da Republica, Joaquim Madeira, apareceu ontem na STV e declarou que temos condições para uma investigação de crimes económicos na mesma esteira da lava jato no Brasil. Eu não vou repetir aqui minha opinião sobre uma lava jato aplicada ao nosso contexto. O que eu repudio é essa cena de gente que esteve na liderança em entidades do Estado e do Governo e que ficaram notáveis por não tugirem nem mugirem contra determinadas ilegalidades aparecerem hoje a reclamar para si o direito de abrirem a boca para exigirem dos outros aquilo que eles mesmos não foram capazes de fazer.
Todos sabem que eu sou um activista anti-corrupção e minha opinião contra essa replicação mimética da lava jato nas condições de instabilidade que vivemos é formada de consciente limpa. Agora, um fulano, como o Dr Madeira, que virou as costas a uma seria de evidencias de corrupção, não tem autoridade moral para vir exigir do Ministério Publico aquilo que ele não fez quando ele estava a frente desse órgão. O Dr Madeira fechou os olhos a um certo numero de linhas de investigação sobre criminalidade económica que deviam ter sido seguidas na base de evidencias levantadas aquando da instrução contraditória (e mesmo do julgamento) do caso do assassinato do jornalista Carlos Cardoso. Porque não te callas?
5.O Inevitável Samora
Acaba de sair uma lista dos dez maiores líderes políticos africanos de todos os tempos. O critério de nomeação ou eleição não está bem descrito. Mas o nosso Samora Machel esta lá em peso. Com Mandela, Nyerere, Krumah, Jomo Kenyatta, Thomas Sankara. Dos dez apenas uma está no poder. A presidente da Libéria, Ellen Johnson-Sirleaf, a única mulher. E com ela, apenas dois estão vivos. O outro é Alpha Oumar Konare, ex-presidente do Mali. É notável a ausência de Mugabe e de outras sumidades que resvalaram para despotismos, como Hosni Mubarak. E é ensurdecedora a ausência do Ze Du, o kamba mor lá da banda. De Samora destaca-se sobretudo o facto de ter sido um líder “forte e respeitado pelo povo”. Mas os autores exageram dizendo que suas “acções e ideologia continuam a ajudar muita gente hoje em Moçambique”. Seus valores, creio eu, não cabem na deriva desta arca.
6.Feliz Pascoa, Feliz Eid...
Meu amigo Amid Abdul vai trabalhar amanha. Ele eh motorista num gabinete ministerial. Acontece que ele eh o único não cristão. Todos os outros colegas estarão a comemorar a ressurreição de Cristo. Seus colegas motoristas, o chefe da frota e aqueles que mandam no expediente e aqueles a quem é seu dever transportar não vão trabalhar em virtude da tolerância de ponto. Será assim em muitos serviços. E penso que alguns dos não cristãos que forem ao trabalho acabarão não trabalhando… de facto. Outros vão ficar em casa, mostrando a ineficácia da decisão do Ministério de Trabalho e Segurança Social.
E creio que muitos escritórios fecharão as portas…incluindo agências bancárias com trabalhadores não cristãos. Para que serve, então, e para quem serve uma tolerância de ponto durante o dia todo mas que não abrange todo o trabalhador, independentemente da sua religião.
Porquê não se estabelece uma tolerância para todos na Pascoa e uma tolerância para todos num dos Ides? Porque nos Ides (Eid ul Fitre e Eid Ul Adha) os cristãos também festejam na boleia da mestiçagem da nossa sociedade. Estas hesitações e meio termos não ajudam em nada. E, por outro lado, este ano, com o Pais em crise, esta medida é uma hosana a improdutividade.
7.O Tripe de Moro aplicado a Moçambique
Sérgio Moro, o juiz da lava jato no Brasil, acreditava num pilar triangular:
a) investigação...judicial e policial de uma forma rigorosa.
b) a delação...premiada...mecanismo em que suspeitos e detidos colaboram com a Justiça revelando tudo o que sabem sobre os outros envolvidos, ganhando com essa delação uma redução de penas (Marcelo Odebrecht, que levou 19 anos, recusou essa via, embora ja pondere negociar)...
c) divulgação...nomeadamente a ideia de expor os corruptos nos Media...para “(manter) o interesse do público elevado e “(garantir) o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas (obstruam) o trabalho dos magistrados”.
Temos condições para uma abordagem com esta matriz? Não. Porquê?
a) A investigação judicial e policial continua a ser feita de forma rudimentar, se tomarmos em conta a ausência de vontade politica, que se pode traduzir também na falta de investimento nessa área.
b) A delação premiada ainda não esta integrada no nosso Código do Processo Penal (a revisão em curso podia considerar isso...mas uuummmmm!!!! Pode criar um novo mercado de negociação informal de penas para beneficio de juízes e procuradores corruptos).
c) A divulgação também originaria um mercado paralelo de chantagens e extorsão.
Pois...ando muito pessimista...estamos no fundo do poço em matéria de reação penal contra a corrupção e sair dele sem um comprometimento forte da liderança politica com investimento material e aprofundamento legal, vai ser complicado.
8.Activismo irresponsável?
Contra essa acusação de activismo irresponsável, partilho aqui um texto, da autoria do Forum Mulher, que subscrevo na integra:
O incidente de violência policial que culminou com a detenção de 5 activistas, no dia 18 de Março, Sexta-feira, trouxe a nu os preconceitos contra a igualdade de direitos das mulheres e o estigma em relação às activistas de direitos humanos. Foi grave. Grave e revelador de que
Moçambique, que “vende” uma fachada de democracia e equidade de género, na realidade trata as mulheres e as meninas como categorias a serem controladas, e os seus corpos, como territórios a serem vigiados.
Antes de mais, houve uma insistência da polícia em considerar que eram as activistas de raça branca que lideravam a acção de rua. Tanto assim, que duas das que foram detidas e algemadas eram brancas e estrangeiras.
Em seguida, na esquadra, elas foram apresentadas aos jornalistas como as “mandantes” de toda a acção.
No contexto de Moçambique, isso é sintomático da pretensão de atribuir o protagonismo e as reivindicações os direitos humanos das mulheres e crianças a influências do estrangeiro, tentando passar a imagem de que nós, os africanos, vivíamos felizes e contentes antes de vir
o Ocidente impor as suas “modas”. É a tal famosa “mão estranha”, várias vezes invocada nos últimos anos para desqualificar demandas e lutas por direitos.
Confirmando isto, duas das activistas detidas, de raça negra, foram chamadas à parte e perguntaram-lhes porque seguiam as estrangeiras, que só queriam destruir a “nossa cultura”.
Para além disso, o comportamento dos polícias foi insultuoso a todos os níveis. A uma das activistas, de 60 anos, foi-lhe dito que deveria era ir para a machamba. Foram tratadas como menores e incapazes mentais, a quem todo o pessoal da esquadra achou por bem ir fazer sermões.
Houve também um excesso de uso de força, desde algemar as detidas até à presença de tanques militares e cães polícias no local da acção.
Este triste episódio confirma o que se vem dizendo há vários anos. A igualdade das mulheres e os direitos das mulheres e crianças em Moçambique ainda não é uma realidade. As pessoas que reivindicam direitos fazem-no no exercício dos seus direitos de cidadania e são um valioso contributo para o aprofundamento da democracia.
Muito mal estamos nós se é a polícia que decide quem pode ou não fazer ouvir as suas vozes.
E uma última palavra. As crianças podem ser menores de idade, mas são cidadãos e cidadãs de pleno direito. E ninguém, nem os pais, nem a escola, podem retirar-lhes os direitos que lhes são consagrados pela Constituição e por toda a legislação moçambicana.
9.Mea Culpa de cristão!
Acabo de deixar a igreja onde exprimo minha devoção. Tenho uma fé indisciplinada. Houve tempos em que eu tentava uma espiritualidade não religiosa, mas a obra de Jesus eh de uma inspiração transcendente. Pelo que minha devoção a Jesus se mantém firme. E hoje, em semana Santa, tento cumprir meu dever. Num dia em que li um texto de opinião de Dom Cláudio Zuanna, Arcebispo da Beira, onde faz referencia ao meu nome. Num artigo publicado hoje no CanalMoz, ele discorre sobre os efeitos do actual conflito político militar no tecido social e denuncia uma censura da comunicação social estatal relativamente ao que se passa no terreno.
”Não são as orquestradas reportagens da RM e da TVM – que mais me fazem lembrar as do tempo do colonial-fascismo – que podem servir a verdade indispensável que o Presidente não pode ignorar. Estão ali, em homens armados e desarmados, os genuínos sentimentos de grande parte da população moçambicana. Porventura da maioria”.
E depois defende que a paz deve ser para todos e não para alguns... “à maneira de alguns, como faziam os romanos”. E eu entro a seguir: ”Em vez de andarem a tratar de rotular e amesquinhar os Bispos Católicos como fez o jornalista Marcelo Mosse que eu julgava digno membro do Centro de Integridade Pública...”.
Pois eu escrevi um artigo recentemente onde interpretava as intervenções do Arcebispo como sendo de um pendor anti-sistema, anti-status quo. Terei exagerado nessa caracterização? Pode ser. Mas o que eu destacava era facto de o seu discurso não trazer a marca da independência relativamente as partes em conflito, destruindo o capital reputacional da Igreja Católica, indispensável para que ela pudesse estar na linha da frente da mediação que, como se esta a ver com a intervenção de Mario Rafaelli, terá de ser eminentemente estrangeira.
Minhas asserções não me impedem de reconhecer o papel da Igreja Católica que, com sua acção política, tem vindo a dar voz e expressão a sociedade. Foi sempre assim, usando esse instrumento de intervenção social que eh a Carta Pastoral. Dom Cláudio não faz mais do que alinhar-se nessa matriz. E aparentemente de uma forma mais veemente que as intervenções do Arcebispo Emérito da Beira, Dom Jaime Gonçalves, quando este estava no activo. Hoje, em Angola, agora que a crise estalou, eh a Igreja Católica que denuncia a corrupção. Em Moçambique já tivemos o antigo Arcebispo de Nampula, Manuel Vieira Pinto, hoje com 93 anos, cuja intervenção na defesa dos pobres foi notável. UM GRANDE HOMEM. Em Maputo, nos anos 80, o Dom José Adolfo Duro, um salesiano que dirigia a Paroquia do Bom Pastor, no Jardim, também se destacou nesse papel, tendo recebido, em 1986, ordem de expulsão de Moçambique por causa de sua intervenção politica. Continuo a achar o papel da Igreja Católica fundamental no processo político em curso. Mas minha devoção a Cristo não me impediu de procurar ler de forma consciente as posições do clérigo da Beira. Posso ter me ter enganado. Mas sou um cristão de fé
10.Eureka…Eureka…este ensino eh uma podridão!
O Ministro das Pescas, Mar e Águas interiores, Agostinho Mondlane, visitou uma escola na Matola e fez uma grande descoberta. Eureka…eureka…esta cambada de alunos não sabe nada. E pondo-se a interrogar um aluno, apresentou para as câmaras da TV o material empírico da ineficácia do ensino (um aluno gaguejando sua ignorância), colocando toda a carga de responsabilidade nesse aluno.
No ano passado cerca de 200 000 crianças reprovaram logo na primeira época. E um porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano reportou logo as conclusões do seguinte modo. “Isto revela que os nossos estudantes fazem muito pouco, ou seja não estudam e esforçam-se muito pouco”. O pessoal responsável tira conclusões apressadas sem uma avaliação profunda das causas das reprovações. E os estudantes e alunos são xingados nas redes sociais. Com uma receita milagrosa: estudem mais…estudem mais…estudem mais. Por favor chega de andarmos a debitar lugares-comuns. E de empurrar as culpas para o elo mais fraco. A culpa é dos alunos…eles não estudam.
Como escreveu recentemente o Dr. Rui da Maia, na sua Filosofia da Mentira, a aferição das causas das reprovações deve ter regras. E a regra manda sempre estabelecer um triângulo constituído pelos elementos principais do desastre, colocados um em cada canto do triângulo.
“Assim, no caso da Educação, o triângulo seria constituído por: 1. Análise dos requisitos estabelecidos para os professores, alunos, pais e encarregados de educação; 2. Análise dos requisitos estabelecidos para a componente dos recursos de ensino, nomeadamente, o livro escolar, as bibliotecas, os equipamentos laboratoriais e outros materiais e a forma como foram cedidos; 3. Análise dos mecanismos do sistema de gestão nomeadamente as políticas, a execução, as normas e regulamentos, o controlo da educação, os curricula, a pedagogia, as metodologias de ensino e aprendizagem e os objectivos e metas preestabelecidos para as competências, os sistemas de controlo e avaliação e o programa de monitoria e avaliação.
Tudo isto tem que ter evidência na forma de actas, relatórios e documentos para cada um dos trimestres. Tem que se provar que o Ministério já tinha detectado sinais de alarme ao longo dos anos escolares e que tomou procedimentos correctivos envolvendo todos os componentes do triângulo. Temos que provar que o que avaliamos nesses exames é afinal aquilo que ensinamos e que não traímos os alunos colocando coisas que não ensinamos nem na 8ª, 9ª e 10ª. Classes nem em lugar nenhum, temos que provar que do nosso lado, o lado da gestão do Sistema Nacional de Educação não falhamos e isso tem que ser feito com seriedade necessária e não com um aligeirado transferir de culpas para o elo mais fraco, os alunos pobres que nem livro escolar receberam, os professores faltosos e os encarregados de educação ausentes e pobres”. Chega de corrermos atirando as culpas ao elo mais fraco, como fez o Ministro, quando ele faz parte do mesmo leque de entidades responsáveis pelo falhanço.
11. Ti vi! Aonde? Ti vi! Aonde? Ti vi! Aonde? Ti vi! Aonde...
Pois eh assim a nova comercial da "amarela". Um elogio ao mau falar. Retratar as falas da sociedade, com seus atropelos e recriações lexicais, eh um recurso ardiloso da ficção narrativa em todo o lado. Mia Couto faz uso disso nas suas brincriações com a linguagem popular. E faz uma certa reinvenção da língua. Se eh aceitável que a literatura use desses recursos, uma comercial que passa em horário nobre terá de ser mais comedida. As crianças que ouvem esse Ti Vi acabam multiplicando o mau falar. E passar na TV vira um cheque em branco. Que deseduca! Não gosto!
Marcelo Mosse
Editor
Investigative Journalist
Consultant

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