Comissão desvenda mistério em torno das obras do Complexo Desportivo do Zimpeto
Por Abílio Maolela
C
om quatro dias de atraso
em relação ao prazo que
estava inicialmente previsto, que era 26 de Fevereiro,
a Comissão de Inquérito criada
para averiguar as causas do desabamento da parede da fachada frontal
da Piscina Olímpica do Zimpeto
veio, esta terça-feira, apresentar os
resultados do seu trabalho. Como
se esperava, a Comissão concluiu
que o desabamento parcial da parede resultou de “um conjunto de
acções que fragilizaram a mesma,
na qual, devido à actuação de uma
acção importante do vento, foram
ultrapassados os limites de resistência dos materiais que a constitui”.
O que não deixa de ser curioso nesta telenovela é a divergência entre
os actores envolvidos na construção
do empreendimento que, no fim
de Fevereiro, matou e destruiu. O
governo, através da Comissão de
Inquérito, atira todas as culpas ao
empreiteiro e ao fiscal. Só que estes,
por seu turno, não dão a cara para
assumir as conclusões da equipa
governamental. É caso para dizer a
procissão ainda vai ao adro.
O vento, que é apontado como responsável pelo incidente daquele sá-
bado, que vitimou o seleccionador
nacional de natação, Frederico dos
Santos, soprava com uma velocidade média de 26 km/h com rajadas
de 46 km/h e a temperatura tinha
atingido 44,9º C, segundo dados
fornecidos pelo Instituto Nacional
de Meteorologia à Comissão.
Entretanto, estes factores, que são
naturais, tiveram apoio da acção
humana, que não observou alguns
princípios de construção civil, durante o período de edificação da
obra.
Segundo constatou a Comissão de
Inquérito, liderada pelo Inspector
das Obras Públicas, Alberto Andissene, o pano da parede desabado
apoiava-se, ao longo do seu desenvolvimento, sobre uma viga rasa de
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betão armado à cota de 6.20 metros.
A mesma era constituída por três
painéis, sendo o inferior com 2,80
metros, o intermédio com 2,60 metros e o superior (o desabado) com
4,60 metros e com 46 metros de
comprimento.
Visitada a piscina e analisada a
parede desabada, verificou-se que
havia insuficiência de aderência
da argamassa de assentamento à
superfície dos blocos, que reduziu
a capacidade de mobilização da
resistência à tracção; a ausência de
juntas de dilatação e de elementos
de contraventamento ao longo de
todo o comprimento da parede; a
ausência de aberturas na parede que
permitiriam o alívio de eventuais
pressões devidas à acção do vento;
a ausência de amarração da parede
no topo, funcionando esta em consola; e o facto de a parede ter sido
construída num alinhamento afastado do alinhamento dos pilares.
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responsabilizados
Neste sentido, a Comissão de Inquérito responsabiliza o empreiteiro, constituído pelo consórcio Mota-Engil e Soares da Costa, “por
negligência ao não ter em conta a
alteração da solução inicial da parede frontal do complexo das piscinas
que carecia de uma reavaliação da
segurança estrutural”.
O facto, segundo estes, é que o projectista da especialidade de estruturas previa a construção de uma
parede parcialmente vazada para o
alívio das pressões do vento, refor-
çada com varões de aço embutidos
e com uma estrutura metálica solidariamente ligada aos elementos
estruturais horizontais, conferindo
à parede uma maior resistência à
acção do vento.
Porém, por achar que era uma solução morosa para o cumprimento
do prazo de execução da obra, o
Empreiteiro optou, unilateralmente, por alterar a solução para uma
parede impermeável ao vento e a
mesma foi feita sem nenhuma base
documental.
Esta revelação veio contrariar o
posicionamento do consórcio que,
ao longo da semana, garantiu que
cumpriu escrupulosamente com o
projecto concebido.
Aliás, o projecto de construção da
Piscina do Zimpeto foi concebido pelo consórcio e o Estado desembolsou cerca de 16 milhões de
euros para a construção do empreendimento e tinha a garantia de 15
anos.
A Comissão de Inquérito sublinha
que durante a construção e pós-
-obra surgiram, recorrentemente,
fissuras nos mesmos locais (junto
aos alinhamentos dos pilares e na
base) tendo a Fiscalização alertado
da sua existência e solicitado a devida reparação.
Entretanto, apesar de ter alertado
o consórcio sobre alguns erros de
construção, a Técnica-Engenheiros
e Construções não foi ilibada do
processo.
Segundo a Comissão de Inquérito,
a fiscalização é responsável “por não
ter exigido a documentação justi-
ficativa das alterações feitas pelo
Empreiteiro” e por “ter sido omissa
na aprovação” das mesmas.
Aliás, aquele grupo de peritos concluiu que a validade do contrato de
empreitada ainda não deveria ter
expirado pelo facto de a obra ainda
não ter sido recepcionada definitivamente.
Quem sai ilibado do caso é o dono
da obra, neste sentido o Comité
Organizador dos X Jogos Africanos (COJA), que na altura assinou
os contratos para a construção do
empreendimento.
Contactado pelo SAVANA, na
tarde de quarta-feira para se pronunciar em relação às conclusões
do Inquérito, o Empreiteiro negou
de o fazer, alegando que ainda não
estava na posse do Relatório.
“Colaboramos com a Comissão
de Inquérito durante o período
de investigação, mas não fomos
informados, oficialmente, sobre
as conclusões da mesma. Temos
acompanhado pela imprensa, mas
não podemos comentar sem ter o
documento base, porque estão em
causa algumas questões técnicas”,
explicou José Peçanha, do Gabinete de Comunicação do Consórcio.
Quanto ao Fiscal, a Técnica-Engenheiros Consultores, não foi
possível colhermos alguma reac-
ção, porque a pessoa indicada não
se encontrava no seu gabinete de
trabalho.
“A pessoa que pode falar acerca
desse assunto não se encontra no
escritório. Só pode ligar amanhã”,
disse uma recepcionista da empresa, contactada na tarde de quarta-
-feira.
Enquanto isso, a nossa equipa de
reportagem procurou, a todo o
custo, ouvir o Director do Fundo
de Promoção Desportiva, Adamo
Bacar, que, entretanto, nos remeteu
ao relatório.
O mesmo acontece com os dirigentes do COJA, nomeadamente, Solomone Cossa e Penalva César, que
na altura assinaram os contratos
para a construção das piscinas, mas
neste caso vertente não foi possível
ouvi-los.
Embora a Comissão de Inquérito
tenha concluído que houve negligência durante a construção, o
Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, Carlos Bonete Martinho, disse que o
consórcio “será responsabilizado
criminalmente, caso se conclua que
houve negligência”.
A queda da parede da Piscina suscitou dúvidas em torno do estado
actual do Estádio Nacional do
Zimpeto, que também apresenta
alguns sinais de degradação. Mas,
Bonete garantiu que a sua institui-
ção está a trabalhar para avaliar o
ponto de situação.
Como é comum no nosso país,
estas verdades só foram conhecidas, porque uma parede desabou e
matou um dos ícones de natação,
que estava a centésimos dos Jogos
Olímpicos.
Durante todo este tempo, a Inspecção das Obras Públicas estava
no silêncio e acerca desse assunto,
Poo titular da pasta das obras explicou
que “o papel da inspecção existe
e é permanente. Os media que se
aproximem à Inspecção para saber
da situação, porque muita coisa tem
sido feita, mas não passamos os relatórios à imprensa”, disse.
Obra de natureza duvidosa
O desabamento daquela parede
trouxe novas revelações. Durante o
seu trabalho, a Comissão de Inqué-
rito constatou a ausência de uma
série de documentos importantes
que detalham o processo de concepção e construção do empreendimento.
Dentre os documentos em falta,
destacam-se o caderno de encargos
com as devidas especificações dos
materiais; o documento que detalha
o tipo de tecnologia de construção
implementada na execução da obra;
o projecto aprovado pelas entidades
administrativas (MJD, CMCM); o
plano de controlo de qualidade; o
livro de obra; o manual de utiliza-
ção e o plano de manutenção das
instalações; o dossier com informa-
ção dos equipamentos instalados;
a indicação do responsável técnico
da obra; o termo de responsabilidade dos projectistas; a licença de
construção; as fichas de controlo de
qualidade das alvenarias e dos seus
componentes; a informação dos
trabalhos realizados antes da entrada em funções da Fiscalização, nomeadamente a zona de tratamento
da fundação.
O SAVANA procurou o Conselho
Municipal de Maputo para saber
como permitiu que se construísse
uma infra-estrutura cujo projecto
não foi aprovado e sem nenhuma
licença de construção, mas sem sucesso. Além destas revelações, a parede
que vitimou Frederico dos Santos
e deixou mais oito pessoas feridas
e destruiu três viaturas ligeiras,
permitiu aos moçambicanos conhecerem a triste realidade daquele
empreendimento, construído para
servir o desporto moçambicano, no
geral, e a natação, em particular.
As imagens que constam do relatório de inquérito revelam um
avançado estado de degradação do
empreendimento, apresentando fis- Alberto Andissene apresentando o relatório
suras nas paredes de toda a infra-
-estrutura; a falta de enchimento
no apoio das vigas; a corrosão dos
órgãos de drenagem e dos elementos de fixação da viga de cobertura;
e o gerador desmontado. A Comissão de Inquérito concluiu
que houve deficiência no controlo de qualidade da obra; a não
existência de especificações dos
materiais aplicados na obra (por
exemplo, traço das argamassas, categoria dos blocos); a insuficiente
assistência técnica à obra durante
o período de garantia; deficiências
de Fiscalização; insuficiência de
ensaios de controlo da qualidade
dos materiais fornecidos em obra
para efeitos de provação dos certi-
ficados de qualidade do fabricante;
o projecto de estrutura não teve
em consideração a importância da
acção do vento sobre a parede em
causa, considerando-a apenas como
parede divisória; e que os técnicos
moçambicanos sentiram restrições
em relação ao seu poder de decisão
(do sistema unitário de drenagem
das águas residuais proposto para
o separativo em vigor no país, houve também insistência em se fazer
aprovar o ante-projecto como sendo o projecto executivo).
Recordar que a parede da piscina
do Zimpeto desabou no dia 20 de
Fevereiro, vitimando nove pessoas,
das quais uma acabou ficando sem
vida.
Imagens
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