domingo, 6 de março de 2016

Máfia destampada

Comissão desvenda mistério em torno das obras do Complexo Desportivo do Zimpeto
Por Abílio Maolela

C om quatro dias de atraso em relação ao prazo que estava inicialmente previsto, que era 26 de Fevereiro, a Comissão de Inquérito criada para averiguar as causas do desabamento da parede da fachada frontal da Piscina Olímpica do Zimpeto veio, esta terça-feira, apresentar os resultados do seu trabalho. Como se esperava, a Comissão concluiu que o desabamento parcial da pa￾rede resultou de “um conjunto de acções que fragilizaram a mesma, na qual, devido à actuação de uma acção importante do vento, foram ultrapassados os limites de resistência dos materiais que a constitui”. O que não deixa de ser curioso nesta telenovela é a divergência entre os actores envolvidos na construção do empreendimento que, no fim de Fevereiro, matou e destruiu. O governo, através da Comissão de Inquérito, atira todas as culpas ao empreiteiro e ao fiscal. Só que estes, por seu turno, não dão a cara para assumir as conclusões da equipa governamental. É caso para dizer a procissão ainda vai ao adro. O vento, que é apontado como res￾ponsável pelo incidente daquele sá- bado, que vitimou o seleccionador nacional de natação, Frederico dos Santos, soprava com uma velocida￾de média de 26 km/h com rajadas de 46 km/h e a temperatura tinha atingido 44,9º C, segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia à Comissão. Entretanto, estes factores, que são naturais, tiveram apoio da acção humana, que não observou alguns princípios de construção civil, du￾rante o período de edificação da obra. Segundo constatou a Comissão de Inquérito, liderada pelo Inspector das Obras Públicas, Alberto An￾dissene, o pano da parede desabado apoiava-se, ao longo do seu desen￾volvimento, sobre uma viga rasa de Comissão desvenda mistério em torno das obras do Complexo Desportivo do Zimpeto 0iÀDGHVWDPSDGD betão armado à cota de 6.20 me￾tros. A mesma era constituída por três painéis, sendo o inferior com 2,80 metros, o intermédio com 2,60 me￾tros e o superior (o desabado) com 4,60 metros e com 46 metros de comprimento. Visitada a piscina e analisada a parede desabada, verificou-se que havia insuficiência de aderência da argamassa de assentamento à superfície dos blocos, que reduziu a capacidade de mobilização da resistência à tracção; a ausência de juntas de dilatação e de elementos de contraventamento ao longo de todo o comprimento da parede; a ausência de aberturas na parede que permitiriam o alívio de eventuais pressões devidas à acção do vento; a ausência de amarração da parede no topo, funcionando esta em con￾sola; e o facto de a parede ter sido construída num alinhamento afas￾tado do alinhamento dos pilares. (PSUHLWHLURHÀVFDO responsabilizados Neste sentido, a Comissão de In￾quérito responsabiliza o empreitei￾ro, constituído pelo consórcio Mo￾ta-Engil e Soares da Costa, “por negligência ao não ter em conta a alteração da solução inicial da pare￾de frontal do complexo das piscinas que carecia de uma reavaliação da segurança estrutural”. O facto, segundo estes, é que o pro￾jectista da especialidade de estru￾turas previa a construção de uma parede parcialmente vazada para o alívio das pressões do vento, refor- çada com varões de aço embutidos e com uma estrutura metálica so￾lidariamente ligada aos elementos estruturais horizontais, conferindo à parede uma maior resistência à acção do vento. Porém, por achar que era uma so￾lução morosa para o cumprimento do prazo de execução da obra, o Empreiteiro optou, unilateralmente, por alterar a solução para uma parede impermeável ao vento e a mesma foi feita sem nenhuma base documental. Esta revelação veio contrariar o posicionamento do consórcio que, ao longo da semana, garantiu que cumpriu escrupulosamente com o projecto concebido. Aliás, o projecto de construção da Piscina do Zimpeto foi concebido pelo consórcio e o Estado desembolsou cerca de 16 milhões de euros para a construção do empreendimento e tinha a garantia de 15 anos. A Comissão de Inquérito sublinha que durante a construção e pós- -obra surgiram, recorrentemente, fissuras nos mesmos locais (junto aos alinhamentos dos pilares e na base) tendo a Fiscalização alertado da sua existência e solicitado a devida reparação. Entretanto, apesar de ter alertado o consórcio sobre alguns erros de construção, a Técnica-Engenheiros e Construções não foi ilibada do processo. Segundo a Comissão de Inquérito, a fiscalização é responsável “por não ter exigido a documentação justi- ficativa das alterações feitas pelo Empreiteiro” e por “ter sido omissa na aprovação” das mesmas. Aliás, aquele grupo de peritos con￾cluiu que a validade do contrato de empreitada ainda não deveria ter expirado pelo facto de a obra ainda não ter sido recepcionada definiti￾vamente. Quem sai ilibado do caso é o dono da obra, neste sentido o Comité Organizador dos X Jogos Africa￾nos (COJA), que na altura assinou os contratos para a construção do empreendimento. Contactado pelo SAVANA, na tarde de quarta-feira para se pro￾nunciar em relação às conclusões do Inquérito, o Empreiteiro negou de o fazer, alegando que ainda não estava na posse do Relatório. “Colaboramos com a Comissão de Inquérito durante o período de investigação, mas não fomos informados, oficialmente, sobre as conclusões da mesma. Temos acompanhado pela imprensa, mas não podemos comentar sem ter o documento base, porque estão em causa algumas questões técnicas”, explicou José Peçanha, do Gabine￾te de Comunicação do Consórcio. Quanto ao Fiscal, a Técnica-En￾genheiros Consultores, não foi possível colhermos alguma reac- ção, porque a pessoa indicada não se encontrava no seu gabinete de trabalho. “A pessoa que pode falar acerca desse assunto não se encontra no escritório. Só pode ligar amanhã”, disse uma recepcionista da empre￾sa, contactada na tarde de quarta- -feira. Enquanto isso, a nossa equipa de reportagem procurou, a todo o custo, ouvir o Director do Fundo de Promoção Desportiva, Adamo Bacar, que, entretanto, nos remeteu ao relatório. O mesmo acontece com os dirigen￾tes do COJA, nomeadamente, So￾lomone Cossa e Penalva César, que na altura assinaram os contratos para a construção das piscinas, mas neste caso vertente não foi possível ouvi-los. Embora a Comissão de Inquérito tenha concluído que houve ne￾gligência durante a construção, o Ministro das Obras Públicas, Ha￾bitação e Recursos Hídricos, Car￾los Bonete Martinho, disse que o consórcio “será responsabilizado criminalmente, caso se conclua que houve negligência”. A queda da parede da Piscina sus￾citou dúvidas em torno do estado actual do Estádio Nacional do Zimpeto, que também apresenta alguns sinais de degradação. Mas, Bonete garantiu que a sua institui- ção está a trabalhar para avaliar o ponto de situação. Como é comum no nosso país, estas verdades só foram conheci￾das, porque uma parede desabou e matou um dos ícones de natação, que estava a centésimos dos Jogos Olímpicos. Durante todo este tempo, a Ins￾pecção das Obras Públicas estava no silêncio e acerca desse assunto, Poo titular da pasta das obras explicou que “o papel da inspecção existe e é permanente. Os media que se aproximem à Inspecção para saber da situação, porque muita coisa tem sido feita, mas não passamos os re￾latórios à imprensa”, disse. Obra de natureza duvidosa O desabamento daquela parede trouxe novas revelações. Durante o seu trabalho, a Comissão de Inqué- rito constatou a ausência de uma série de documentos importantes que detalham o processo de con￾cepção e construção do empreen￾dimento. Dentre os documentos em falta, destacam-se o caderno de encargos com as devidas especificações dos materiais; o documento que detalha o tipo de tecnologia de construção implementada na execução da obra; o projecto aprovado pelas entidades administrativas (MJD, CMCM); o plano de controlo de qualidade; o livro de obra; o manual de utiliza- ção e o plano de manutenção das instalações; o dossier com informa- ção dos equipamentos instalados; a indicação do responsável técnico da obra; o termo de responsabili￾dade dos projectistas; a licença de construção; as fichas de controlo de qualidade das alvenarias e dos seus componentes; a informação dos trabalhos realizados antes da entra￾da em funções da Fiscalização, no￾meadamente a zona de tratamento da fundação. O SAVANA procurou o Conselho Municipal de Maputo para saber como permitiu que se construísse uma infra-estrutura cujo projecto não foi aprovado e sem nenhuma licença de construção, mas sem su￾cesso. Além destas revelações, a parede que vitimou Frederico dos Santos e deixou mais oito pessoas feridas e destruiu três viaturas ligeiras, permitiu aos moçambicanos conhecerem a triste realidade daquele empreendimento, construído para servir o desporto moçambicano, no geral, e a natação, em particular. As imagens que constam do re￾latório de inquérito revelam um avançado estado de degradação do empreendimento, apresentando fis- Alberto Andissene apresentando o relatório suras nas paredes de toda a infra- -estrutura; a falta de enchimento no apoio das vigas; a corrosão dos órgãos de drenagem e dos elemen￾tos de fixação da viga de cobertura; e o gerador desmontado.  A Comissão de Inquérito concluiu que houve deficiência no controlo de qualidade da obra; a não existência de especificações dos materiais aplicados na obra (por exemplo, traço das argamassas, categoria dos blocos); a insuficiente assistência técnica à obra durante o período de garantia; deficiências de Fiscalização; insuficiência de ensaios de controlo da qualidade dos materiais fornecidos em obra para efeitos de provação dos certi- ficados de qualidade do fabricante; o projecto de estrutura não teve em consideração a importância da acção do vento sobre a parede em causa, considerando-a apenas como parede divisória; e que os técnicos moçambicanos sentiram restrições em relação ao seu poder de decisão (do sistema unitário de drenagem das águas residuais proposto para o separativo em vigor no país, hou￾ve também insistência em se fazer aprovar o ante-projecto como sendo o projecto executivo). Recordar que a parede da piscina do Zimpeto desabou no dia 20 de Fevereiro, vitimando nove pessoas, das quais uma acabou ficando sem vida. Imagens

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