domingo, 20 de março de 2016

Joaquim Veríssimo desmente imprensa privada e Human Rights Watch

Urge criar comissão independente para Kapise - Defendem bancadas parlamentares
Por Argunaldo Nhampossa e Abílio Maolela

Continua acesa a controvérsia sobre as circunstâncias em que mais de dez mil moçambicanos abandonaram suas casas no norte da província de Tete, para se refugiarem no Malawi, onde vivem em condições simplesmente dramáticas. Doutro lado da fronteira, esse povo pé descalço está abandonado pelo governo do seu país, Mocambique, e é assistido apenas pelo governo malawiano e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). As autoridades moçambicanas, que não gostaram do relatório da  Human Rights Watch (HRW) e dos relatos da imprensa privada que denunciam atrocidades cometidas pelas forças governamentais na região, despacharam uma equipa para o terreno, mas a investigação pariu um rato. Mesmo com a frente propagandística nos meios de comunicação social pró-governamentais, não cessam as acusações de que a movimentação irregular daquelas populações foi mesmo resultado de ataques perpetrados pelas forças governamentais, na tentativa de conter a presença de homens armados da Renamo na região. “Os homens da Renamo vieram e acamparam em Nkondezi. A Frelimo (as FDS na linguagem governamental) veio também ocupar um lugar próximo e começou a atacar, queimar casas e matar pessoas”, este foi o relato de Rogério Conselho quando abordado pelo SAVANA em finais de Janeiro, no centro de refugiados de Kapise, no Malawi.  Rogério Conselho, de 57 anos, camponês que devido à instabilidade se refugiou em Ceta, contou que sobreviveu milagrosamente depois de ver sua casa incendiada, alegadamente pelas forças governamentais. Este foi o testemunho de quem sentiu na pele a acção derivada da tensão político-militar que envolve o governo e a Renamo. Tal como Conselho, tantos outros cidadãos nacionais estiveram em condições similares e abandonaram o país rumo ao centro de refugiados de Kapise, no vizinho Malawi. Numa primeira fase, o governo quis se distanciar do assunto, considerando que se tratava de deslocados e não refugiados, ou mesmo  de familiares de guerrilheiros da Renamo. Mais tarde, uma missão chefiada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Oldemiro Baloi, escalou aquele ponto e constatou que na verdade tratava-se de nacionais que se refugiaram devido ao conflito armado. A cada dia avolumavam-se os relatos das atrocidades atribuídas aos elementos das Forças de Defesa e Segurança. Investigar violação dos direitos humanos Depois de o SAVANA ter escalado as zonas atingidas pelo conflito, em finais de Janeiro do presente ano, a HRW, uma organização não-governamental de defesa dos direitos humanos, produziu um relatório no qual recomenda ao governo moçambicano para investigar com urgência as alegações das execuções sumárias, maus tratos e abusos sexuais supostamente perpetrados pelas tropas governamentais. A organização diz ter recolhido relatos de refugiados moçambicanos acantonados em Kapise, no Malawi, que sem pestanejar acusam as FDS de violarem os direitos humanos como forma de obter confissões sobre a localização dos guerrilheiros da Renamo. Apontam também que em alguns casos são submetidos àquelas sevícias por alegadamente estarem a albergar guerrilheiros ou as casas servirem de quartéis de armamento das tropas daquele partido da oposição que prometeu governar nas seis províncias onde reclama vitória eleitoral, a partir deste mês de Março. Juiz em causa própria Em jeito de resposta, o governo moçambicano criou uma comissão de inquérito liderada pelo vice-Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Joaquim Veríssimo, para averiguar a questão das alegadas violações dos direitos humanos nos distritos de Moatize e Tsangano, na província de Tete, pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS). O trabalho de Veríssimo conclui que os relatos de violação dos direitos humanos por parte das FDS, naquela parcela do país, não eram verdadeiros e exige provas por parte de quem lançou as acusações. Em conferência de imprensa, concedida no final da tarde do passado  domingo, o dirigente falou da existência de boas relações entre as FDS e as comunidades de Nkondedzi, no distrito de Moatize. “Existe um ambiente de ordem, segurança e tranquilidade, graças à acção das FDS. As pessoas estão a circular livremente com seus bens”, precisou. O governante moçambicano admite, no entanto, que há um sentimento de medo em alguns dos pontos visitados devido às ameaças da Renamo. Para o ex-governador da Zambézia, o partido de Afonso Dhlakama é o principal culpado por esta situação e foi a Renamo quem raptou e assassinou seis líderes comunitários nas comunidades de Nkondedzi. Sublinhou ainda que estes ataques derivam das pretensões daquele partido de montar um governo paralelo naquele local. Depois dos resultados do inquérito governamental veiculados via imprensa oficiosa, o SAVANA ouviu Zenaida Machado, uma das investigadoras da HRW que prontamente disse que nada indica que o governo tenha feito uma investigação independente para apurar as acusações feitas pelos refugiados. Machado refere que nesta fase a sua organização prefere não se pronunciar pelo facto de estar em curso inquérito da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, mas diz que a sua organização está aberta para colaborar com o governo na identificação de casos de abusos e violação dos diretos humanos. “A HRW documentou e continua a documentar abusos resultantes do conflito político-militar entre o governo e a Renamo. A nossa posição mantém-se e ela é de que o governo tem a responsabilidade de investigar as acusações feitas pelos moçambicanos em Kapise e trazer à justiça  todos os autores dos abusos, quer sejam elementos das FDS ou guerrilheiros da Renamo”. “Só por acidente trariam resultados credíveis” - Renamo Como forma de alargar o debate acerca do assunto, o SAVANA saiu à rua, esta quarta-feira, para ouvir o posicionamento das três forças políticas representadas na Assembleia da República, nomeadamente a Frelimo, Renamo e Movimento Democrático de Moçambique (MDM), em relação ao relatório da Comissão governamental. A chefe da bancada parlamentar da Renamo, Ivone Soares, diz que nada de novo poderia esperar numa situação como esta, em que o governo da Frelimo, por sinal a principal acusada de cometer abusos, cria uma comissão de inquérito para se auto-ilibar. Avança que só por acidente aquela comissão traria resultados credíveis e aponta que aqueles resultados não têm nenhum valor. Para Soares, “os refugiados denunciaram tempestivamente as atrocidades e até hoje não há ideias concertadas dentro da própria Frelimo sobre como tratar a situação que os desmascara nacional e internacionalmente”.  Recorda que numa primeira fase a Frelimo quis se distanciar daquele assunto alegando que se tratava de membros da Renamo, e só mais tarde com a pressão da imprensa é que teve coragem de segui-lo. “Se somente num distrito a Renamo tem mais de 11 mil membros, é motivo acrescido para que governe o seu povo que sofre represálias por dizer não à governação da Frelimo”. De forma a trazer um inquérito imparcial, Ivone Soares diz que a sua bancada já depositou uma proposta para que seja criada uma comissão de inquérito parlamentar, no entanto, a mesma ainda aguarda o respectivo agendamento. “Matérias que interessam o povo deviam ser agendadas com rapidez. Infelizmente, a vontade da pseudo-maioria é capaz de não ir de encontro com a proposta dos verdadeiros deputados eleitos pelos moçambicanos”, concluiu.  “Não se pode criar uma comissão para se auto-investigar”, MDM Por sua vez, a Bancada Parlamentar do MDM considera infeliz a iniciativa governamental de criar uma comissão para averiguar a situação de Nkondedzi. Na voz do chefe da bancada deste partido, Lutero Simango, não se pode criar uma comissão para se auto-investigar, porque esta perde a autoridade moral e legitimidade de averiguar toda esta situação. Simango considera válidas as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Oldemiro Baloi, no parlamento, do que as da Comissão governamental, porque o Ministro corrigiu o governador de Tete, repondo a verdade. Aquele líder parlamentar afirma que a violação dos direitos humanos, em Moçambique, não é uma novidade e que a situação agravou-se nos últimos 10 anos, onde tanto o governo de Armando Guebuza, como o de Filipe Nyusi não tiveram capacidade para travar este cenário. “Nos últimos 10 anos temos assistido uma situação da violação sistemática das liberdades individuais e denunciamos por várias vezes. Só por um içar da bandeira do MDM, há represálias e ameaças e isso viola a Constituição da República”, aponta Simango, acrescentando: “O governo sempre assistiu de forma passiva a esta situação e falhou ao não embarcar num discurso oficial de que Moçambique é um país democrático e multipartidário, onde ninguém tem o direito de impedir o outro de realizar o seu trabalho político. Porque não houve esse discurso, hoje assistimos essa violência que se vive no país”. “Estamos a viver numa situação de guerra não declarada, onde há balas a serem disparadas em todo o lado, com as florestas a servirem de cemitérios e as nossas crianças a tornarem-se órfãs e perderem o direito à educação”, continuou. Quanto à criação da Comissão Parlamentar para averiguar a situação de Nkondedzi, Lutero Simango disse que a sua bancada ainda está a estudar internamente se “é viável” termos uma comissão parlamentar independente, mas adianta que aquele grupo parlamentar teve o privilégio de propor a averiguação da questão dos refugiados no Malawi.
 “Fazemos fé ao que foi apurado no terreno”, Frelimo A Bancada Parlamentar da Frelimo faz “fé ao que foi apurado no terreno”, embora admita que “há muito mais por analisar”, porque diariamente reportam-se novas situações. O porta-voz desta força política na chamada “Casa do Povo”, Edmundo Galiza Matos Júnior, entende que o trabalho feito pelo executivo “reveste-se de mérito”, mas salienta que “como não estivemos no terreno, pouco podemos apurar, a não ser aquilo que nos é reportado”. “A apreciação é de que estamos diante de um problema, que deve ser encarado frontalmente, independentemente das conclusões”, explica Galiza Matos, questionado acerca das diferentes conclusões tiradas pelas organizações que já visitaram o terreno. “Esta situação é causada por um conflito que não devia acontecer. Infelizmente, os políticos recorrem às armas para fazer aquilo que deviam fazer com as palavras. Portanto, todas as interpretações no terreno são nulas, enquanto os moçambicanos estiverem a sofrer”, acrescentou. O SAVANA perguntou se havia, ao nível do parlamento, a ideia de criação de uma Comissão Parlamentar para estudar o mesmo dossier, ao que respondeu: “Pensamos que nada obsta que se crie uma Comissão. Aliás, é actividade da AR fiscalizar os actos da governação e não só. Sendo uma questão a ser colocada aos deputados da comissão parlamentar, pensamos que é uma abordagem de se acolher”, garantiu sem, no entanto, falar de datas. “Não posso dizer para quando é que será criada, porque ainda não houve nenhum debate acerca desta matéria. Como sempre, pautamos por consensualizarmos as nossas posições ao nível da comissão permanente, nós somos favoráveis as matérias que são levadas”, terminou. “Não esperava outra coisa”, Alice Mabota Além das formações políticas, a nossa reportagem ouviu a Liga dos Direitos Humanos (LDH) que, na voz da sua presidente, Alice Mabota, confessou que “não esperava outra coisa da Comissão criada pelo governo”. “Em países sérios, criam-se comissões independentes para investigar este tipo de assunto, porque ninguém deve ser juiz em causa própria. Imaginemos Dhlakama a fazer uma comissão de inquérito para investigar as atrocidades dos seus militares, o que pode dizer? Em todo o mundo, os militares violam os direitos humanos. Mesmo os capacetes azuis (forças da ONU) violam os direitos humanos, mas só as comissões independentes é que desmascaram esses assuntos”, disse. Por essa razão, Alice Mabota disse ser uma pena que o governo tenha feito isto, porque “mais uma vez faltou à verdade e é a mentira que hipoteca este país”. “As pessoas gostam de polir e isso faz com que o nosso país caia na lama. Será que a imprensa que relatou atrocidades está maluca? Será que a HRW também está maluca?”, questiona. Após a divulgação do relatório governamental, a Comissão nacional dos Direitos Humanos criou uma Comissão de Inquérito Independente para averiguar a mesma situação. O SAVANA questionou Alice Mabota se a LDH faria o mesmo, ao que respondeu: “gostávamos muito de estar no terreno, mas se tivéssemos dinheiro, podíamos fazer uma investigação independente. Mas, infelizmente não temos dinheiro para nos deslocarmos ao terreno”.

Mário Raffaeli, coordenador da equipa de mediadores do Acordo Geral de Paz de 1992 e membro da Comunidade de Sant´Egídio, reuniu-se quarta-feira em Maputo com o Chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, numa iniciativa destinada a encorajar o Governo e  a Renamo a apostarem no diálogo para a restauração da estabilidade no país. “É um grande amigo de Moçambique, ele esteve empenhado no processo que conduziu à assinatura do Acordo Geral de Paz (em 1992) e, sendo assim, ele veio nesta missão para falar com as partes com o objectivo de encontrar formas de os moçambicanos poderem falar e resolver a questão da paz”, declarou, à comunicação, o assessor do Presidente da República para os Assuntos Diplomáticos, Manuel Mazuze. Mazuze afirmou que a ligação de Mário Rafael aos assuntos de Moçambique propiciou a sua iniciativa nos esforços de superação dos obstáculos à paz. “Qualquer situação que configure alguma perturbação à paz que ele próprio ajudou conquistar é natural que ele se sinta na obrigação de ajudar para que as partes conversem”, indiciou ainda o assessor do Presidente moçambicano para os Assuntos Diplomáticos. No quadro da sua iniciativa visando a busca da paz em Moçambique, Mário Raffaeli agendou também para esta semana um encontro com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama. A crise político-militar em Moçambique tem vindo a intensificar a  escalada, com confrontos entre as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas e o braço armado do principal partido da oposição e ataques a veículos em alguns trajectos da principal estrada do país na região centro. Mário Raffaeli chefiou a equipa de Mário Raffaelli em Moçambique para ajudar na reconquista da paz Ricardo Mudaukana mediadores do Acordo Geral de Paz de 1992, que pôs termo a 16 anos de guerra entre as forças governamentais e a Renamo. As negociações entre o Governo e a Renamo estão num impasse há vários meses e o movimento de Afonso Dhlakama ameaça governar nas seis províncias do centro e norte onde reivindica vitória nas eleições gerais de Outubro de 2014. A Renamo propõe a intervenção do Presidente sul-africano, Jacob Zuma, da Igreja Católica e da União Europeia.

agência de notação financeira Moody’s agravou a qualificação do risco de dívida de Moçambique de B2 para B3, alertando para a perspectiva de baixar o rating do crédito soberano do país na próxima avaliação. Na avaliação, divulgada esta semana, a agência norte-americana justifica a degradação da capacidade de pagamento da dívida de Moçambique com a deterioração da balança de pagamentos  e à fragilização da capacidade de o país honrar os seus compromissos com o exterior. “O principal factor para esta revisão em baixa do ‘rating’ de Moçambique é a posição da balança de pagamentos, que está a deteriorar-se, e a reduzida capacidade para o Governo pagar a dívida, como se demonstra pela descida do nível de reservas em moeda estrangeira do Banco de Moçambique e pela decisão de propor uma reestruturação da dívida”, refere a Moody´s. De acordo com a agência, há um forte risco de evolução negativa, que deverá ser determinada pelo pedido recentemente anunciado pelas autoridades moçambicanas de restruturação da dívida da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM). A intenção de Maputo é ver uma redução de 20% dos 850 milhões de dívida da EMATUM e um alargamento do período de maturidade de 2010 para 2023. Segundo a Moody’s, as Reservas Internacionais Líquidas de Moçambique baixaram de 3,2 mil milhões de dólares em agosto de 2014 para para 2,3 mil milhões no final do ano passado, devendo continuar a cair em 2016. A queda dos preços das matérias-primas e os atrasos no arranque dos projectos de Gás Natural Liquefeito também estão a contribuir para a degradação da posição de Moçambique, assinala a agência. RM.

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