quinta-feira, 10 de março de 2016

Igreja Católica alerta que Angola não pertence a "clube de amigos"

O petróleo não é o único culpado pela crise em Angola. A falta de ética, a má gestão e a corrupção também contribuíram, diz a conferência episcopal angolana. E promete não se calar perante violações de direitos humanos.
Numa nota divulgada terça-feira (09.03) pela Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), a Igreja Católica angolana considera que a crise económica e financeira que Angola enfrenta não foi causada apenas pela queda do preço do petróleo, mas pela "falta de ética, má gestão do erário público e corrupção generalizada" no país.
Para a CEAST, a crise deve-se igualmente à "mentalidade compadrio ao nepotismo, em acúmulo à discriminação derivada da partidarização crescente da função pública, que sacrifica competência e o mérito".
Os bispos lamentam também o agravamento preocupante da pobreza entre as populações e criticam asubida vertiginosa de preços de bens essenciais e os atrasos salariais. "A falta de critérios no uso dos fundos públicos, gastos exorbitantes e importação de coisas supérfluas" são outros dos problemas apontados.
Aumento vertiginoso do preço de bens alimentares atinge muitos angolanos
A DW África falou sobre a atual crise e o agravamento da pobreza em Angola com o porta-voz e vice-presidente da CEAST. José Manuel Imbamba explica que o alerta lançado serve para chamar a atenção para a mentalidade existente de que "o país é um clube de amigos".
Outro dos temas abordados foi o impedimento da extensão do sinal da rádio Ecclesia a todo o país, solicitado há quase 15 anos. Segundo o bispo de Saurimo, o impasse na expansão resulta da "falta de vontade política" do Governo angolano. Fundada em 1955, a emissora católica de Luanda passou por um longo processo de renovação a pensar na extensão, mas o Ministério da Comunicação Social condicionou o início das emissões à entrega de uma licença, que ainda não foi concedida.
DW África: A Igreja Católica angolana considera que a atual crise económica e financeira que o país enfrenta não foi causada apenas pela queda do preço do petróleo, mas também pela "falta de ética, má gestão do erário público e corrupção generalizada". Estão descontentes com o Governo?
José Manuel Imbamba (JMI): Não é que estejamos descontentes. Nós somos pastores, somos vigilantes da sociedade e estamos a alertar no sentido de despertamos para aquelas responsabilidades que às vezes transcuramos quando estamos à frente dos cargos públicos. Porque às vezes preocupámo-nos mais com o material, sem velarmos pela nossa consciência, pela nossa formação humanística, pelos princípios éticos que devem nortear o nosso agir. A nossa missão não é de condenarmos A ou B, mas é simplesmente de chamarmos a atenção.
Sede da rádio Ecclesia, em Luanda
DW África: A CEAST diz também que está a aumentar "assustadoramente" o "fosso entre os cada vez mais pobres e os poucos que se apoderam das riquezas nacionais". E fala numa "mentalidade de compadrio com o nepotismo". O que é preciso fazer para mudar este cenário em Angola?
JMI: Este cenário passa necessariamente pela criação de oportunidades iguais para todos. É preciso levar os bens e serviços a todas as partes do país, distribuir o desenvolvimento por todo o país, fazer com que todos tenham acesso à riqueza, à escola e ao emprego. Porque o problema que se coloca é que as assimetrias – sociais, culturais e informativas – ainda são muito acentuadas no país. Fizemos esta análise de sentido de chamarmos a atenção sobre esta mentalidade que há de pensarmos que o país é um clube de amigos, de alguns escolhidos. O país somos todos nós.
DW África: Quanto à expansão do sinal da rádio Ecclesia, emissora católica de Luanda, a todo o país, uma pretensão com quase 15 anos, continua a haver falta de vontade política?
JMI: É mesmo falta de vontade política, porque tecnicamente já não há nada que impeça que isto aconteça. Ainda queremos acreditar no diálogo e na boa vontade, para que este desiderato se venha a concretizar. No meio de tudo isto, foram surgindo novas rádios. Sob que base legal, não sabemos. Se é a mesma que nos impede de termos as estações radiofónicas nas restantes dioceses, não sei sob que outra base legal essas novas rádios novas surgiram.
DW África: A rádio Ecclesia atravessou recentemente graves dificuldades financeiras. Estão a receber algum apoio do Governo?
JMI: Bom, não se trata de dependermos do apoio do Ministério da Comunicação. Depende de nós mesmos. Este é um problema de gestão interna da rádio Ecclesia porque as fontes de receitas não são só esta e nem devem ser só estas. É um problema que está a ser ultrapassado. Estamos a redimensionar o pessoal que está na rádio Ecclesia.
 
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Igreja Católica alerta que Angola não pertence a "clube de amigos"

DW África: Portanto, não estão a receber qualquer tipo de ajuda do Governo?
JMI: Eu não digo que não estamos a receber qualquer tipo de ajuda do Governo. O Governo apoia todas as rádios privadas, não só a rádio Ecclesia. Dentro do Orçamento do Estado há uma parte direcionada para apoiar todas as rádios privadas que funcionam em Angola, incluindo a rádio Ecclesia.
DW África: Uma carta aberta enviada recentemente à Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) pede um posicionamento da Igreja Católica sobre os casos do ativista de Cabinda Marcos Mavungo, o líder seita "A Luz do Mundo, José Kalupeteka, e os 15+2 ativistas. No documento, é criticado o "silêncio perturbador" da Igreja face a alegadas violações de direitos humanos. Já responderam a esta carta?
JMI: Nós nunca recebemos esta carta. Quanto à nossa posição sobre estes processos, já nos pronunciamos. Não sei que tipo de pronunciamentos querem ouvir mais. O que temos vindo a dizer é que a Igreja Católica não é um partido da oposição. A Igreja Católica nunca se calou e nunca se calará perante violações graves de direitos humanos.

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