terça-feira, 29 de março de 2016

Governo de Filipe Nyusi mantém agricultura de reprodução da dependência e do subdesenvolvimento


“A alimentação condigna não deve constituir um privilégio. Ela é um direito humano básico que assiste a todos os moçambicanos”, disse o Presidente Filipe Nysui, aquando da tomada de posse, mas o curso dos acontecimentos parece desmenti-lo. Milhares de pessoas não têm sequer uma refeição. João Mosca, director do Observatório do Meio Rural (OMR), entende que no primeiro ano do mandato do Chefe de Estado na?o houve políticas de estímulo à produção e produtividade agrícola, de modo a evitar que essa gente, ameaçada pela insegurança alimentar, há décadas, morra à míngua de um prato de comida. O Estado não só é frágil, dominado um mercado selvagem e predador de recursos naturais, como também dispõe de poucas oportunidades de emprego, impera a exclusão e as desigualdades sociais. Para o académico, apesar dos discursos de incremento da produção, o que no terreno ocorre é uma “reprodução da dependência e do subdesenvolvimento".
O Executivo moçambicano continua a mover céus e terra defendendo, de pés juntos, que a agricultura é a base da economia nacional e uma fonte segura para alimentar o povo. Todavia, depois de alguma fartura, por um curto período nos anos subsequentes ao Acordo Geral da Paz (1992), há décadas que a população é ciclicamente assolada pela fome, que para António Francisco, docente e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), são fenómenos naturais perante os quais o Governo deve se preparar.
"Porque a agricultura é a base fundamental do nosso desenvolvimento, tal como define a Constituição da República de Moçambique, a ela prestaremos atenção privilegiada da nossa governação", disse Filipe Nyusi, comprometendo-se a promover "o aumento de investimentos públicos e privados à agricultura, à pecuária e à pesca. Uma atenção particular será dada ao sector familiar, que sustenta a maioria da população moçambicana. Prosseguirei com as políticas de incentivos aos camponeses que permitam elevar a produção e produtividade agrárias. Apostaremos na industrialização da nossa agricultura".
Filipe Nyusi prometeu igualmente que no seu governo garantiria que "as acções de pesquisa, produção, distribuição e industrialização sejam feitas de forma transparente e responsável, contribuindo para a expansão, transformação e modernização da economia moçambicana", o que na perspectiva do OMR e IESE ainda não se vislumbra.
Na passada quarta-feira, as duas instituições e o Cento de Integridade Pública (CIP) analisaram o primeiro ano de governação do Presidente Filipe Nyusi, tendo, mais uma vez, reiterado que, apesar de tantas advertências, a produção agrícola nacional ainda carece de uma visão clara e vontade política para a sua promoção com vista ao alcance da propalada produtividade, pois não satisfaz às necessidades de segurança alimentar, além da corrupção que mina as instituições do Estado.
João Mosca foi igual a si mesmo, ao manter a sua posição crítica em relação à relegação da agricultura para segundo plano pelo Estado. Segundo ele, o modelo económico do país espelha um Estado frágil suportado pelas poupanças externas, evidencia uma política liberal, um mercado selvagem e predador de recursos naturais, poucas oportunidades de criação de emprego, exclusão e desigualdades sociais.
No seu tema - "Agricultura e Desenvolvimento Rural: Em Busca de um Novo Paradigma?” - o economista disse que na nível institucional, a agriculta debate-se com problemas tais como de legislação deficiente e com lacunas, corrupção, alianças e promiscuidade nos interesses económicos, clientelismo, entre outros vícios.
Estes obstáculos, na óptica do académico, podem ser ultrapassados, não obstante a persistência de forças de resistência à mudança, que capturaram o sistema político, num contexto em que certos actores económicos não têm competências para a actividade empresarial que se mostram determinados a abraçar.
Para João Mosca, no primeiro ano do mandato de Filipe Nyusi na?o houve medidas de estímulo à produc?a?o e produtividade agrícola. Foi um período caracterizado pelo "combate ao tráfico de madeira e marfim", pela promoção do "programa cinco milhões de DUAT's, importação de tractores, selecção discricionária de agricultores emergentes, linhas de crédito especiais, investimento privado, comercialização de grãos para exportação" e criação de "silos e bolsas de mercadorias".
Apesar de Filipe Nyusi exigir que haja maior produção interna para reduzir a dependência externa, a distância entre os discursos e a prática continua abismal. Nem o PROAGRI, o primeiro Programa Nacional de Investimento no sector da agricultura (1998-2004), foi suficiente para alterar a nossa condição de esfomeados, pese embora tenha sido um plano desenvolvido como um instrumento do Plano de Acção de Redução da Pobreza Absoluta (PARPA).
O programa foi considerado um fiasco porque consistiu fundamentalmente na reforma institucional e modernização do sector, centrando-se longe dos locais onde o mesmo deveria chegar. Ou seja, a preocupação era apetrechar o Ministério da Agricultura de carros e computadores e não possibilitou aos camponeses a obtenção de renda para melhorarem a sua condição material.
Com a "Revolução Verde", uma das bandeiras de Armando Guebuza, na altura em que foi Chefe de Estado, as coisas não foram diferentes e até a Estratégia de Produção de Alimentos fracassou sem que ninguém do Governo explicasse o que se passou.
Mosca, que não vê sinais de concretização das promessas do Alto Magistrado da Nação, disse no encontro que no nosso ramo agrícola há indícios de capitalização e criac?a?o da burguesia rural, que dada a sua intromissão no Estado afasta as hipóteses de inclusão da grande maioria dos produtores e dos cidadãos. Para além da existência de mercados politizamos e selvagens, quando se esperava que fossem devidamente regulados, fiscalizados e o Estado orientado para uma planificado com qualidade, reproduz-se a dependência e o subdesenvolvimento.
Moçambique dispõe de uma extensão de 36 milhões de hectares de terra arável, dos quais apenas 3,6 milhões de hectares (10%) é que são explorados, e detém igualmente uma diversidade de zonas agro-ecológicas. Contudo, prevalece a incapacidade alimentar e depende sobremaneira de importações.
Mas os problemas deste sector não esgotam aí. A falta de infra-estruturas tais como vias de acesso aos locais de produção e para escoamento de produtos, os elevados custos de transporte, o difícil acesso a tecnologias, ao crédito bancário - o que em pare resulta da ausência de instituições financeiras nas zonas rurais - fazem parte de uma extensa lista de empecilhos.
As soluções a estes e outros obstáculos tardam chegar, num canário em que aqueles que acusam o Executivo de falta de vontade política no que tange ao assunto em questão são considerados contra o sistema. Aliás, o pedagogo Joa?o Pereira, que proferiu as palavras de abertura da conferência que juntou as três organizações acima referidas, afirmou que se estava naquele encontro para o que chamou de "um desafio à política do silêncio e do medo (...). Queremos partilhar soluções para circunstâncias presentes, mas sobretudo para que sejam encontradas respostas para o nosso futuro colectivo".
Há política de fechamento a ideias
Na perspectiva de João Pereira, a negação da pluralidade de ideia reduz as relações do Estado com os cidadãos à expressão da força militar e arrogância. "Ser democrata é acreditar que todos têm direito a ser actor e cada actor tem as suas razões e que nem sempre a razão do mais forte é a mais forte das razões. (...) O debate deixou de concentrar-se nas ideias, nas alternativas políticas de desenvolvimento, na criação de uma utopia que aglutina a nação moçambicana. Se apresentarmos uma ideia contrária ao Governo, somos da Renamo. Mas se concordamos com as ideias do Governo, somos da Frelimo. Esta situação compromete a sociedade de encontrar espaço para debates salutares e impede a emergência de uma cidadania activa e pluralista em Moçambique".
População vive na precariedade
Neste contexto, António Francisco, também conhecido pela sua aversão ao actual estágio do sector agrícola e miséria que flagela o povo, não se deixou intimidar pelo medo de ser conotado como um a favor ou contra fulanos e sicranos. Falou da "Estratégia de Crescimento e Orçamento do Estado: Desta Vez e? Diferente?”, tendo frisado que "a agricultura, nas condições em que estamos, é inviável", pois não permite evitar que a população viva de "forma precária".
De acordo com o professor, persiste uma apologia à maximização do crescimento económico através da substituição da (insignificante) poupança interna pela poupança externa.
A administração de Nyusi é uma continuação da anterior estratégia de maximização do crescimento com a poupança externa. (...) Há uma tendência de fazer com que a poupança interna, seja um complemento da poupança externa, "através da geração de novas formas de crédito, principalmente, títulos de dívida, emitidos por via do Orçamento do Estado e sem lastro real ou produtivo”.
Se, por um lado, para João Mosca, no sector agrícola nacional, por exemplo, existe gente que se imiscui em actividades que pouco percebe, por outro, António Francisco disse que as empresas têm um grande problema em termos de funcionamento institucional, debatem-se com a fuga ao fisco, litígios com a inspecção, entre outros.
Ao nível produtivo, as mesmas firmas revelam tantas outras dificuldades, "ou por causa da tensão político-militar ou por causa do estrangulamento institucional e falta de apoio". Para sair disto, o estado não deve injectar crédito alegando que está a fomentar a produção, deve encontrar mecanismos de "criar boas condições para a produção e circulação", disse ao @Verdade o pesquisador, acrescentado que nos distritos, por exemplo, ainda é um calvário ter "registo pessoal ou tirar fotocópia". Com a guerra, o cenário agravou-se. Aqueles que têm dinheiro não poupam internamente, guardam o seu dinheiro na África do Sul ou na Europa, devido, também, aos raptos.
Ao grosso da população não pouca e não o vai fazer enquanto não tiver condições para melhorar a sua produtividade, em especial agrícola. "As pessoas caem permanentemente em bolsas de fome, que podem ser evitadas com alguma produtividade que gere reservas alimentares", mas tal não acontece Por conta do consumismo demasiado, pois a maioria do povo "está na subsistência".
A seca e as cheias, a que o Governo recorre constantemente para justificar os baixos índices de produção e produtividade, são dependências da natureza, mas há que fazer com que isso não impeça que o povo de ter comida e saiba-se poupar, disse Francisco, lembrando que "temos um cajueiro por moçambicano" e 25 milhões destas plantas "podiam produzir" amêndoa, que as autoridades alegam "não estarem a exportar" satisfatoriamente, porém, "não temos um plano de utilização" dessas mesmas árvores. "40% das famílias tem um cajueiro" e se alguém perguntar a elas o que estas plantas geram, a resposta será: "Não geram nada (...)".
@VERDADE – 28.03.2016

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