sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Ruptura das Relações Públicas da RENAMO Guerra de Propaganda de Chissano

Do livro: RENAMO, EM DEFESA DA DEMOCRACIA EM MOÇAMBIQUE. por Sibyl W. Cline, pp. 43-64

A RENAMO tem muitas críticas verbais, mas nenhumas tão grandes como as de Chissano. Em 1987 estive sentada com Chissano, durante três horas e, nesse encontro, ele deve ter usado a expressão «bandido», ao referir-se à RENAMO, mais de 500 vezes. Seguidamente, uma semana mais tarde, enviou o seu chefe do estado-maior para nos informar acerca da RENAMO. Mostrou-nos as informações dos serviços secretos sobre as forças militares da RENAMO, a sua estrutura civil, os nomes dos seus comandantes provinciais e mesmo os números de série das suas armas. E tudo isto, mesmo depois de ele ter tão energicamente negado que a RENAMO nem sequer existia como uma organização séria. Porquê? Sem dúvida que, durante a entrevista, Chissano se apercebera da nossa descrença em relação à sua descrição da RENAMO e queria afastar a ideia que não tinha sido honesto connosco... A mofa favorita de Chissano contra a RENAMO é que a mesma foi criada pelos brancos da Rodésia e depois preservada pelos sul-africanos brancos. Os membros não são nada a não ser, supostamente, marionetas que se movem numa guerra racista contra os legítimos dirigentes africanos. A visão mais comum da RENAMO descrita pela campanha de propaganda de Chissano é que se trata de um banho de «anti-Robins dos Bosques» que tiram aos pobres para darem a eles próprios e que não têm conta os danos físicos que têm infligido no processo. Trata-se de um quadro que tem sido aceite, na sua maior parte, pelos meios de comunicação. O segundo ponto favorito de Chissano na sua guerra de propaganda é que a RENAMO não tem capacidade civil administrativa. Se se insistir mais População civil local — homens, mulheres e crianças — encontram-se com administradores políticos da RENAMO numa clareira perto da sua aldeia. 44 um pouco, Chissano admite que a RENAMO pode ter algum talento e estruturas militares, mas volta sempre ao refrão de que possivelmente a organização não poderia formar governo e governar um país. Chissano tem conseguido com muito êxito insinuar este conceito distorcido na opinião pública mundial. A experiência que obtive no meu passeio de 320 km não comporta este quadro. Muito pelo contrário, foi-me dado ver algumas escolas, diversas clínicas e reuniões políticas civis realizadas em plena liberdade. Existem cartazes de Afonso Dhlakama por toda a parte — é evidente que ele começou a fazer a sua campanha para as eleições que há tanto ambicionava. As pessoas comportam-se de uma forma muito amigável com os nossos acompanhantes da RENAMO que nos escoltam. Deram-nos livremente alimentos e instruções. Recebi grande número de olhares curiosos, porquanto os nativos tinham muito poucas mulheres brancas, mas nenhum expressou medo ou antipatia. Na Gorongosa entrevistei diversas entidades civis da RENAMO que me descreveram a sua organização corrente e os objectivos que tinham para o seu país. Consegui entrevistar os chefes dos Departamentos de Ideologia, Educação e Cultura, Agricultura, Saúde e Administração Interna. Cada um dos departamentos encontra-se organizado em níveis provinciais, regionais, distritais, locais e de zona, e, a nível de distrito para baixo, existe uma organização paralela tradicional, que consiste num chefe principal, a nível distrital, e abaixo dele chefes locais, subchefes e chefes de zona. Cada um dos chefes administra quatro ou cinco casas. Estas estruturas encontram-se estabelecidas e trabalham 45 em todas as áreas libertadas pela RENAMO. (Diagramas da administração civil da RENAMO, sua estrutura militar e textos completos das minhas entrevistas encontram-se indicados nos Apêndices.) O tema geral destas histórias é que a RENAMO é um conjunto de selvagens assassinos que estão interessados apenas em violarem, pilharem e matarem, «por dá cá aquela palha», e que nenhum governo deve rebaixar-se a tratar com eles. Talvez algumas das histórias sejam verdadeiras. As guerras africanas não são propriamente consideradas pelo seu comportamento humanitário e cavalheiresco e nada me custa a acreditar que soldados primitivos e sem qualquer espécie de educação, tanto da FRELIMO como da RENAMO, tenham cometido alguns actos brutais. Das minhas observações, porém, tudo indica que Dhlakama disciplina os seus soldados severamente pelos excessos cometidos e qualquer tipo de brutalidade é certamente contra a sua política de Estado. A RENAMO, como organização de guerilha, confia no povo local como suporte. Não pode dar-se ao luxo de o alienar. Chissano parece pensar que, pelo facto de negar legitimidade à RENAMO, não terá de tratar com a oposição no que concerne ao seu governo de partido único e pode fazer com que as potências ocidentais evitem falar com Dhlakama também. Esta estratégia tem, no entanto, sido notavelmente coroada de êxito. A FRELIMO controla a agência noticiosa, AIM, e os novos órgãos de comunicação dos países vizinhos, que largamente simpatizam com Chissano, transmitem tudo aquilo que a AIM refere sem se interrogarem. Estas histórias são seguidamente pro- 46 pagandeadas nos meios de comunicação internacionais e foi assim que surgiu o mito sobre a RENAMO. Poucos políticos estão dispostos a desafiar a imagem monstruosa da RENAMO. Posso dar três exemplos das histórias que, como resultado da minha experiência, foram questionáveis ou falsas e que, contudo, foram referidas como se se tratasse do Evangelho no noticiário internacional. (Apenas necessitamos de nos referir à cobertura das últimas notícias oficiais do que se passou na República Popular da China para verificar os padrões de exactidão e verdade nas agências noticiosas controladas pelos países marxistas.) «Massacre da RENAMO.» Em 1987, quando estive em África com os consultores dos Negócios Estrangeiros para os candidatos presidenciais republicanos, houve dois «massacres» atribuídos à RENAMO. Um foi em Homoine e outro em Manjacaze, ambos perto da costa sudeste, a menos de 320 km a norte de Maputo. Homoine foi o primeiro. Os relatos do que aconteceu em Homoine foram divulgados com inconsistência lógicas e continham referências, mas a versão do Governo fez durante semanas um empolamento do caso na imprensa internacional. O Governo clamou que 300 a 600 soldados da RENAMO, atacaram Homoine, dirigindo-se primeiro ao hospital, onde fuzilaram os doentes. Em seguida, juntaram 386 civis e mataram-nos. Os atacantes escreveram nas paredes do edifício frases e temas pró-RENAMO. Depois, supostamente, enterraram todos os mortos numa 47 vala comum. Nunca ficou bem esclarecido que os corpos fossem alguma vez identificados ou contados. Existem vários problemas relacionados com este caso. Primeiro, as forças da RENAMO quase nunca viajam em grupos tão grandes como 300 a 600. Não têm botas ou uniformes novos. Segundo, seria difícil juntar 386 civis, a fim de os fuzilar. Os africanos desaparecem no mato ao primeiro som de um disparo. Do mesmo modo, vestir os uniformes do inimigo e cometer atrocidades é uma táctica de guerra em África que o tempo honrou. Além disso, apenas repórteres situacionistas tiveram de imediato acesso ao local. Todos os outros tiveram de esperar dez dias a duas semanas. No entanto, a imprensa internacional levantou um coro de gritos e protestos contra as atrocidades provocadas pela RENAMO. Algumas semanas mais tarde, aconteceu supostamente um segundo «massacre» em Manjacaze. Fui convidada pelo Governo a ir ao local do massacre; acompanhada pelo ministro de Cultura, assim o fiz. À medida que o dia passava, a história do acontecimento sofria sempre alterações. Primeiro, havia 300 soldados da RENAMO, mais tarde 1000. Supostamente 101 civis tinham sido mortos, mas não se viam nenhuns vestígios na cidade — nem sangue, nem orifícios de balas nas casas, nenhuns corpos. O principal dano que vi tinha sido feito ao gerador de energia que tinha ido pelos ares e ao edifício da Administração que tinha sido pilhado. Perguntei onde ê que as pessoas tinham sido mortas e disseram-me, com um gesto vago, «fora da cidade». Os meus guias levaram-me ao hospital, onde duas camas tinham sido ligeiramente queimadas. Perguntei aos auxiliares 48 se alguém tinha sido morto e disseram-me: «Bem, não, os doentes levaram consigo os mais doentes». Finalmente perguntei se havia quaisquer frases ou graffitis como tinha acontecido em Homoine. Os meus guias olharam para mim com ar admirado e trocaram impressões entre eles. Em seguida, 20 minutos mais tarde aproximadamente, ao dobrarmos uma esquina havia um muro com um grande sinal onde se lia: «Viva a RENAMO». Aproximei-me e, por alguma razão, passei o meu dedo pela pintura. Para minha surpresa e choque, estava fresca. Pude apenas deduzir que, fosse o que fosse que tivesse acontecido em Manjacaze, o Governo tinha agarrado a oportunidade de fazer com que se parecesse com o incidente de Homoine, descendo mesmo ao ponto de se falar de ataque ao hospital. Inicialmente, porém, tinha esquecido o graffiti. O representante do Departamento de Estado dos Estados Unidos que estava connosco em Manjacaze ficou tão céptico quanto eu no que se refere a qualquer «massacre» que tivesse ocorrido. Tinha visitado Homoine — quando finalmente lhe deram autorização para lá ir — duas semanas após o acontecimento. Disseme que tinha, igualmente, sérias reservas sobre a versão que tinha sido veiculada sobre aquele acontecimento. Sem qualquer sombra de dúvida, enviou os relatórios para Washington, mas parece que tiveram pouco ou nenhum efeito. Entreguei o meu relatório sobre os «massacres» à secretaria africana do Departamento de Estado, mas nem sequer um vislumbre de interesse chegou aos meus ouvidos. Até agora, estes dois «massacres» foram incidentes que permaneceram isolados. Não houve ne- 49 nhum, antes da visita da delegação dos Negócios Estrangeiros e, desde então, também nenhum outro foi referido. Tudo leva a crer que foram orquestrados pela FRELIMO para benefício da delegação. «Ataque da FRELIMO»» Mais recentemente, em 1989, na minha viagem através de Moçambique e no meu caminho para a Gorongosa, tinha o hábito de todas as noites escutar as notícias na rádio. Às 8 horas costumávamos reunir em volta da fogueira e sintonizávamos a «Voz da América» da BBC. Uma noite ouvimos um relato de que a FRELIMO tinha capturado cinco bases da RENAMO, tinha morto mais ou menos 300 guerrilheiros e libertado cerca de 400 civis. Tal era descrito como uma ofensiva de grande porte e de êxito para as forças da FRELIMO. Tentámos fazer uma ideia onde é que o ataque tinha ocorrido e, à medida que a rádio referia nomes locais, compreendemos que estávamos sentados no meio da alegada zona de batalha e que tínhamos caminhado por ela todo o dia. Tinha sido uma história completamente fabricada. Fiquei horrorizada, mas os meus guias da RENAMO limitaram-se a rir e disseram que a FRELIMO publica histórias como essa a todo tempo. Tais relatos constituem um triste testemunho de como um governo decadente está disposto a distorcer a verdade para permanecer no poder. 50 Relatório Gersony Outras vozes se juntaram à enfadonha litania de Chissano. O denominado «Relatório Gersony», intitulado «Resumo dos Acontecimentos Relacionados com os Refugiados Moçambicanos, principalmente no que respeita à Experiência Relacionada com o Conflito em Moçambique», foi escrito por Robert Gersony, consultor junto da Secretaria de Programas para Refugiados, Departamento de Estado, com a data de Abril de 1988. Como é de imaginar, produziu um efeito absolutamente desastroso na reputação da RENAMO, nos círculos governamentais e da comunicação. Nele se acusa a RENAMO de assassinar pelo menos 100 mil civis, da destruição sistemática de áreas civis e da violação institucionalizada, sevícias, roubos, sequestros e mutilações. O relatório foi recebido como se tratasse do Evangelho e boatos de «atrocidades no estilo do Pol Pot» correram rapidamente em Washington. Porém, podem colocar-se muitas questões respeitantes à metodologia do relatório e sobre as conclusões possivelmente falsas do autor. Gersony escreveu sobre condições dentro do território controlado pela RENAMO, tirando as suas conclusões exclusivamente das informações que lhe foram dadas por refugiados em campos, tanto dentro como fora de Moçambique. O autor nunca pôs os pés no território controlado pela RENAMO nem falou sequer com qualquer dos representantes ou oficiais da RENAMO. Muito provavelmente, de uma forma rigorosa e hábil, apresentou as suas informações, mas o problema são as informações em si. O autor admite que durante a sua pesquisa se 51 lhe depararam problemas de localização. Teve de falar através de intérpretes, eram poucos os entrevistados que sabiam contar acima de 10, a maior parte eram pessoas primitivas, supersticiosas, absolutamente dependentes das autoridades que dirigiam os campos onde viviam. Gersony escreve: «Não existem queixas contra os soldados do Governo por parte dos refugiados no interior de Moçambique. Todas as queixas contra estes vêm dos refugiados que se encontram fora de Moçambique. Tal pode reflectir uma hesitação natural dos refugiados nas áreas controladas pelo Governo para expressarem a sua crítica sobre os soldados sob cuja protecção dependem... As auscultações de opinião entre as fontes religiosas independentes tenderam a reforçar esta conclusão.»6 O autor parece não ter conhecimento que estas restrições de expressão eram igualmente verdadeiras nos campos de refugiados do Malawi, Tanzânia e Zimbabwe. Fiz algumas visitas juntamente com várias famílias de missionários que trabalhavam nos campos do Malawi e todos afirmaram que os agentes da FRELIMO tinham livre acesso aos campos e que neles se infiltraram, pelo que os mesmos se passaram a reger, ainda que não oficialmente, pela SNASP, a polícia secreta da FRELIMO. Tais afirmações foram confirmadas pelo oficial veterano de segurança do Malawi. As mesmas condições prevalecem no Zimbabwe e na Tanzânia, países que têm relações amigáveis com a FRELIMO e violentamen- 52 te se opõem à RENAMO. Dos 25 locais que o Sr. Gersony menciona, 12 situavam-se em Moçambique, três no Zimbabwe, cinco no Malawi e dois na Tanzânia. Os três restantes ficavam na África do Sul. O notável conteúdo e semelhanças nos relatórios podem, em parte, atribuir-se a dois factos: a um desejo simples de as pessoas agradarem àqueles que os alimentam, e a sua exposição universal à propaganda da FRELIMO contra a RENAMO. Mais do que provável, seja o que for que eles ouçam na rádio, repetirão aos seus benfeitores. Igualmente, uma vez nos campos, sem dúvida absorvem a «linha do partido» dos agentes da FRELIMO e primeiros refugiados e — por medo e idêntica pressão — aderem ao mesmo. Permito-me questionar o «elevado nível de credibilidade» que Gersony atribui aos relatos dos refugiados. Até mesmo a estatística que ele apresentou tem o seu quê de fantasia. Declara: «Os 'negativos associados' respeitantes à RENAMO foram de 96%, contra 17% no que diz respeito à FRELIMO. Os positivos associados mais 'nenhumas queixas' respeitantes à FRELIMO foram de 83%, contra 4% no que concerne à RENAMO.»7 Tanto a RENAMO como a FRELIMO retiraram as suas tropas das mesmas águas — moçambicanos, na sua maior parte sem educação, não sofisticados e nascidos no mato. É uma coisa que desafia o senso comum que o seu comportamento numa situação militar fosse tão diferente que um dos lados cometesse todas as atrocidades, enquanto o outro nenhuma. É, igualmente, irracional presumir que a RENAMO treine as suas tropas para serem bárbaras. Uma força de guerrilha tem que confiar na boa 53 vontade do povo, entre o qual vive, a fim de sobreviver. Não só têm sobrevivido, mas o seu número tem crescido. O Sr. Gersony afirma que a RENAMO divide todas as áreas que controla em «áreas de impostos, áreas de controlo e áreas de destruição»8 , em que a população é regida por métodos que variam de graves a brutalmente desumanos. Em Maio de 1989 atravessei as províncias de Tete e Sofala no meu caminho para a Gorongosa e, pelo menos naquelas áreas, posso testemunhar que tal estrutura não existe. Caminhámos durante todo o dia, durante 19 dias, e muitas vezes os nossos acompanhantes não estavam seguros do caminho. Frequentemente, paravam e perguntavam ao povo local, a fim de receberem instruções e novamente retomávamos o nosso destino. Quando o nosso grupo pedia para parar ou para seguir um local de paragem ou um caminho diferente, o nosso guia concordava sempre. A rota não podia ter sido planeada, a fim de esconder a destruição maciça, a fome e brutalização do povo que Gersony descreve. (Fiquei convencida de que a nossa rota não era de forma alguma planeada. Os nossos guias não usavam bússolas e, em alguns dias, tínhamos que caminhar em grandes curvas, seguindo ao longo dos melhores caminhos possíveis. Muitas vezes mudávamos de rumo, seguindo o conselho local.) De facto, a população era amiga, curiosa e sem medo. Muitas vezes dormimos perto da cabana de um chefe tribal e uma vez o nosso grupo, os soldados da RENAMO e todos participaram numa festa de tambores e dança. Ninguém morreu de fome, ninguém correu para o mato á nossa aproximação. 54 Aldeões, reunidos com as tropas da RENAMO para um encontro político, disfrutam uma tarde de festividades. A esposa do chefe encoraja todos a juntarem-se-lhes numa dança. Parece-me que este não é o comportamento de um povo que foi violado, mutilado e assassinado. A minha evidência é corroborada pela de Nicholas della Casa, o jornalista inglês que durante ano e meio foi mantido como prisioneiro da RENAMO sob suspeita de ser um espião e foi libertado no ano passado. Viajou com os soldados da RENAMO por todo o Moçambique durante a seca de 1987. Aquele jornalista refere que os soldados que se encontravam com ele durante um mês inteirinho viram-se, apenas, obrigados a comer nozes e mais nada, mas que ele não viu que alguém extraísse pela força alimentos ao povo. De facto, eles organizavam as pessoas para trazerem comida das províncias que a tinham para aquelas que nada tinham e distribuíram essa comida pelo povo. A opinião de Della Casa so- 55 bre a RENAMO é tão boa que, apesar da temporada que passou como prisioneiro, regressou ao território da RENAMO connosco, em Maio, a fim de fazer um documentário. Durante a nossa visita houve comida em abundância. As forças da RENAMO têm um sistema de recolha e fazem funcionar centros de armazenagem de alimentos chamados «controlos». A quantidade a trazer para as forças fica ao arbítrio dos lavradores e tudo indica que os mesmos vêm de boa vontade. Num país onde não existe refrigeração, onde há pouco armazenamento e não há mercados onde vender, o seu excedente é apenas isso — extra — e podem, portanto, dar esse excedente. Além disso, enquanto caminhávamos por áreas cultivadas, os soldados nunca roubaram alimentos dos campos. Se desejávamos cereais ou fruta, pediam sempre ao proprietário dos campos autorização para os colher. Os soldados da RENAMO são severamente punidos, nem que seja por roubarem uma espiga de trigo. Um dia caminhámos 12 horas sem que tivéssemos qualquer alimento — nem pequeno-almoço, nem almoço, nem lanche, absolutamente nada. Eu deitava olhares cobiçosos para todas as papaias por que passávamos. Todavia, ninguém tirou nada. As forças da RENAMO utilizam, na verdade, tal como Gersony refere, carregadores civis. A única forma de transportar qualquer coisa é, em geral, à cabeça de cada um. Existem muito poucos caminhos suficientemente largos para permitirem a passagem de um Land Rovers. Supostamente, a RENAMO possui alguns motociclos funcionais, mas também nunca vi quaisquer desses veículos. Quase todas as 56 coisas são transportadas a pé. Todos os soldados transportam mercadoria e posso facilmente crer que consigam civis para transportarem mercadorias também. Todavia, não houve qualquer indicação de que passam fome ou batam nos carregadores até os deixarem mortos, tal como Gersony alega. Por três ocasiões, o nosso grupo levou um civil connosco, duas vezes para nos indicar o caminho e outra vez para transportar um pacote. Estes civis, porém, apenas permaneceram connosco durante algumas milhas e depois regressaram. Finalmente, a precisão das declarações de Gersony sobre o tratamento das mulheres é questionável. Diz: «Uma outra função das raparigas e das adolescentes e mulheres adultas é oferecer sexo aos combatentes. Dos relatórios dos refugiados, tudo indica que estas mulheres são requisitadas para se submeterem às exigências sexuais, na verdade para serem violadas, numa base frequente e mantida.»9 Isto implica que a RENAMO permite e institucionaliza a violação, o que — dada a sua dependência do suporte da população e das boas relações que observei entre os civis e os soldados — é pouco provável. Em 1986, Robert Mackenzie estava na província da Zambézia, escoltando alguns missionários para fora de Moçambique e testemunhou uma perseguição da RENAMO sobre um caso de violação. Um comandante miliar tinha violado uma rapariga e os pais tinham-se queixado à RENAMO. O comandante foi arrastado diante das tropas, despromovido e espancado. Tornou a entrar na RENAMO destituído de todas as suas insígnias. Se, como dizem, a RENAMO permite a violação, é difícil crer que os pais desgostosos se tivessem dirigido aos oficiais da RE- 57 Guerrilheiros da RENAMO armados, alguns vestidos com os seus melhores uniformes, recebem instruções do seu comandante supremo. NAMO para que administrassem justiça pelo crime cometido. Então, porque é que há tantos refugiados? — perguntei a Dhlakama e ele respondeu-me que a FRELIMO tem uma política consciente de criar refugiados. Com o auxílio da Força Aérea do Zimbabwe, as forças governamentais usam o bombardeamento e a forma de intimidação para alienarem a população civil e a afastarem da RENAMO. «O povo do Zimbabwe», acrescentou, «sabe pela sua própria experiência o que foi a guerra de guerrilha na Rodésia e como os guerrilheiros confiam na população.» Num dia do nosso passeio ouvi aviões a jacto transportando bombas e não me pareceram que se encontrassem perto de qualquer alvo militar. 58 Os meus amigos missionários analisaram o problema dos refugiados de uma forma semelhante a Dhlakama. O povo ouve o bombardeio ou passa por qualquer incidente relacionado com a guerra e foge. Vêm para os campos, onde são alojados e alimentados e ali recebem mais cuidados médicos do que alguma vez tiveram. Não têm que trabalhar. Assim, ali permanecem. Um missionário argumentou que o auxílio internacional estava a criar uma massa de preguiçosos que sobressaía dos anteriormente grandes trabalhadores fazendeiros e que o auxílio de alimentos devia ser cortado, de forma a que pudessem regressar às suas herdades em Moçambique. Todavia, a palavra de alimento de graça espalha-se e surgem cada vez mais potenciais consumidores. O Relatório Gersony tem sido largamente citado. Efectivamente, proibiu qualquer contacto político com a RENAMO, mesmo pessoalmente. Qual o homem de Estado que gostaria de tratar com o moderno equivalente de Átila, o Huno? O relatório fechou imensas portas e fechou imensos espíritos. O Departamento de Estado publicou o Relatório Gersony em Abril de 1988, pouco depois de o mesmo ter sido terminado. Naquela altura, Dhlakama estava a fazer planos para visitar os Estados Unidos e o relatório não deixou qualquer pergunta nos espíritos daqueles que o receberam de que o representante da RENAMO não seguiria, nem de perto nem de longe, a política americana de «compromisso construtivo». O apoio dado a Dhlakama para a sua proposta viagem foi considerado pelo secretário aos desejos do Departamento de Estado. 59 Filhos de Gersony Dois outros relatórios que prejudicaram ainda mais a imagem pública da Renamo seguiram-se ao Relatório de Gersony. Se bem que não tenham sido directamente atribuídos ao Departamento de Estado, usam, no entanto, a mesma metodologia e citam o Relatório de Gersony como fonte. O primeiro, um relatório feito por William Minter para a Fundação Ford, «A Resistência Nacional Moçambicana — conforme Descrita por Ex-- Participantes», presumível entrevista a ex-soldados da RENAMO que se entregaram à FRELIMO, a fim de serem amnistiados. Para começar, trata-se de uma amostra questionável e, além disso, está comprometida pelo facto de que esses ex-soldados da RENAMO foram apresentados pelo governo de Maputo e encontravam-se sob o controlo do governo. Uma das conclusões do Senhor Minter é que, pelo menos 90% dos soldados da RENAMO, são recrutados à força.»10 Curiosamente perguntei a Dhalakama o que é que ele pensava da alegação de Minter e ele limitou--se a rir. Por sua vez, perguntou-me como é que ele conseguia controlar um exército constituído por 90% de homens que se mostravam relutantes em estarem ali? Bem, era de querer que os pudesse atar e seguidamente dar-lhes uma arma, mas não estava muito crente que eles pudessem lutar muito daquela forma. Além disso, durante a nossa caminhada o grupo de soldados, forma muitas vezes, uma fila ao longo de diversos quilómetros e os que vão descalços e transportando as cargas mais pesadas ficam para trás e atrasam-se horas. Nada haveria que os impe- 60 disse de fugirem como, certamente, teriam feito se, como dizem, tivessem sido recrutados à força. Em vez disso, cada noite todos aqueles que se atrasam, embora extremamente cansados, apresentam-se, lealmente, no acampamento. O segundo, um estudo de Moçambique por William Finnegan, publicado no New Yorker, fala também sobre a RENAMO, dos boatos que se ouviram, Finnegan nunca se aventurou, também, a entrar em território da RENAMO11, e o seu artigo é uma estranha colagem de opiniões controversas e contraditórias. A certa altura declara que a «RENAMO surgiu do Inferno»12. Repete alegações ridículas — que os soldados da RENAMO decapitam as cabeças dos velhos para as usarem como assentos e que comem crianças — como se aceitasse tal como um facto consumado13. Finnegan cita Minter e as suas descobertas, nas mais adiante discorda das conclusões de Minter de que os soldados da RENAMO sejam, em grande parte, obrigados pela força dizendo «na verdade, tal é um desafio ao senso comum que um exército de cativos lutasse tão encarniçadamente como muitas vezes se diz a RENAMO faz»14. Cita, o Relatório de Gersony muitíssimas vezes, mas nalgumas páginas mais adiante, admite que «a tónica do Departamento do Estado, que por encanto fez surgir grandes campos de escravos, lhe parece errada»15. O artigo do Sr. Finnegan constitui uma tentativa de que todas as informações divergentes e controversas que existem sobre Moçambique façam um certo sentido. Pelo menos, admite que, na realidade ele não tem capacidade de poder julgar entre as 61 verdades, as mentiras, os relatos sinistros, propaganda e informações enganosas pelo que faz com que todas pareçam uma espécie de amálgama. Se bem que, entremeado de diversas imprecisões e inexactidões, o arrigo tem um certo valor, uma vez que tenta explicar os dois lados do problema. Culpabilidade da RENAMO É, na verdade, um facto triste que estes relatos permaneçam isolados e conquistem a opinião pública devido à omissão e negligência existentes. Os dirigentes permanecem isolados no mato e não apresentam qualquer boletim informativo oficial para o exterior. Os seus representantes estrangeiros encontram-se distantes, espalhados e desorganizados. A RENAMO, como organização, parece também atrair marginais lunáticos de «grupelhos que gostam de fazer a guerra de guerrilha» e que se apresentam como voluntários para patrocinar a sua causa, mas cujo resultado se traduz por um infinito detrimento da sua credibilidade. Por exemplo, em Washington D.C. tem havido duas agências de informações noticiosas designadas RENAMO e cada uma delas luta insistentemente com a outra. Se alguém quiser falar com um representante responsável da RENAMO encontrar-se-á em grande dificuldade para encontrar alguém que seja tanto acessível como racional. Evo Fernandez, ministro de Investigação da RENAMO, foi assassinado o ano passado em Lisboa e o seu mais conhecido porta-voz é um refugiado que se encontra no Ca- 62 nada, a quem está interdita a prática de quaisquer actividades politicas. Resposta de Dhlakama Como é evidente, Dhlakama está absolutamente a par da guerra de propaganda que lhe promovem e no final da minha entrevista, Dhlakama apressou-se de livre vontade a prestar-me as seguintes declarações: A RENAMO não é de forma alguma o retrato daquilo que a «pintam» lá fora. Desde 1977 que temos estado embrenhados na luta, jovens e velhos, fracos e fortes, porque estamos lutando por aquilo que o povo quer e deseja. Se fôssemos como a FRELIMO nos descreve e nos apresenta, há muito tempo que teríamos desaparecido. A acusação de que a RENAMO foi fundada por Smith na Rodésia não passa de pura propaganda. Somos, na verdade, uma organização genuinamente popular. Nas suas fases preliminares a RENAMO teve alguma ajuda proveniente da Rodésia, mas continua ainda a ser moçambicana. Até mesmo a FRELIMO foi formada na Tanzânia, mas ninguém diz que pertença à Tanzânia. A RENAMO tem os seus próprios objectivos democráticos: um sistema de múltiplos partidos, eleições livres e justas, um conjunto que representa os interesses do povo, liberdade de expressão e direitos humanos. E tudo isto não 63 existe na FRELIMO. O povo de Moçambique foi quem criou a RENAMO e continuará a apoiá-la. Não somos essencialmente uma organização só militar; somos uma organização política. No final da guerra colonial, discutimos com a FRELIMO um sistema para substituir o colonialismo. A FRELIMO respondeu com violência e matou muitos dos nossos políticos que não estavam de acordo com a política da FRELIMO. Assim, a fim de não desaparecermos e sermos eliminados fomos para uma luta armada. Somos, todavia, um partido político com um exército. A força militar foi criada para podermos alcançar os nossos objectivos políticos. Não queremos destruir a FRELIMO; esse não é o nosso objectivo. Queremos uma mudança política; se a FRELIMO desejar falar connosco seriamente sobre a paz, deporemos as nossas armas. A RENAMO constitui uma força central poderosa implantada no país. A FRELIMO verificará que é impossível destruir a RENAMO, uma organização que é pela paz, mas uma paz verdadeira em que o povo pode votar escolhendo o governo em que está interessado. O poder em Moçambique deve estar com os 14 000 000 de pessoas e não com uma minoria militar. O partido deve pertencer ao povo e não vice-versa. Infelizmente, o Ocidente não reconhece a RENAMO.

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