terça-feira, 24 de novembro de 2015

O monopólio da indignação

110 PARTILHAS
Já sabíamos que só a esquerda pode governar em Portugal. Estamos agora a descobrir que também só a esquerda pode indignar-se e fazer oposição. Os outros são sempre radicais e irresponsáveis.
Logo que o PSD e o CDS se atreveram a estranhar a desenvoltura com que António Costa resolveu a derrota eleitoral do PS, a sabedoria nacional precipitou-se a exigir calma e a recomendar terapêuticas. A “direita” estava “nervosa”. Mas bastou o presidente da república promover audiências e exigir garantias, para descobrirmos quem é que de facto anda nervoso. Costa anteviu logo uma “crise política artificial”. Jerónimo de Sousa foi mais claro e ameaçou com a “resposta democrática” dos “trabalhadores”. O jogo ficou à mostra.
Vamos a ver: nunca houve regras que não tivessem sido aceites por António Costa. Foi Costa quem lembrou, de acordo com a tradição, que o partido mais votado teria prioridade em formar governo. Foi Costa quem jurou que nunca se proporia governar sem um acordo firme e à frente de uma maioria “positiva”. Depois, perdeu as eleições, mas exigiu ser o primeiro indigitado. Depois, só arranjou três “posições conjuntas”, mas propõe-se formar governo. Em qualquer país do mundo, excepto talvez na Venezuela, seria admissível ter “dúvidas”. Dúvidas sobre a autoridade de um primeiro-ministro derrotado nas eleições. Dúvidas sobre a consistência de uma governação dependente do logo-se-vê parlamentar. Mas aqui, não. Aqui, é preciso engolir tudo sem piscar os olhos.
Costa atropelou as praxes e torceu o regime. Começou por diminuir as eleições, ao submeter os seus resultados às manobras parlamentares. Depois, tentou tratar o presidente como um mero notário do parlamento, enquanto deixava os seus correligionários descer ao insulto (o “gangster”). A próxima vítima institucional de Costa será o governo, sujeito à tutela dos seus aliados parlamentares, num verdadeiro regime de assembleia. Os deputados governarão tanto como os ministros. Mas não temos o direito de comentar. Muito menos de criticar.
Tudo isto é extremamente curioso. Aqueles que não admitem se discuta a legitimidade (política) de Costa são os mesmos que, durante quatro anos, negaram a legitimidade de Passos Coelho. Aqueles que acharam inaceitável que os apoiantes de Passos aparecessem às 13h00 diante da Assembleia da República no dia da discussão do programa de governo, foram os mesmos que organizaram uma manifestação para as 15h00. Aqueles que censuram o PSD e o CDS pela indisponibilidade para amparar o governo minoritário do PS, são os mesmos que, antes das eleições, anunciaram que nunca votariam um orçamento da “direita”.
Já sabíamos que só a esquerda pode governar em Portugal. Agora estamos a descobrir outra coisa: que também só a esquerda pode indignar-se e fazer oposição. Só o PS dispõe da prerrogativa de boicotar um governo, só o PCP tem o direito de marchar nas ruas, só ao BE é dado desfolhar o lado agressivo do dicionário.
E isso explica porque é que a oligarquia está tão ansiosa pela indigitação de Costa, ou, como os oligarcas mais excitados dizem, por ter finalmente um “governo a governar”. Não tem a ver com a constituição, nem com o parlamento, nem com as finanças ou os compromissos europeus. Tem a ver com outra coisa: com as greves, as manifestações, as rupturas, a agitação a que a “maioria de esquerda” não hesitaria em recorrer se não lhe entregarem o poder e for forçada a testar as suas “posições conjuntas” em eleições. Nenhum oligarca o diz, mas é nisso que pensam.
Esse é o lado mais insalubre da manobra de Costa: ao aliar-se com dois partidos que nunca renunciaram à “revolução” (isto é, à violência política), reintroduziu na vida pública, por enquanto como ameaça, aquilo a que na I República se chamava a “rua”. É por isso que temos de andar tão calmos: não vão eles zangar-se.

15 Comentários

  • Rogerio Sousa24 Nov 2015
    Rui Ramos o exemplo perfeito do “cego surdo e mudo”, do intelectual politicamente neoliberal, cassandra ressabiada, manipulador por excelência, utilizando as celebres técnicas estilo máquina de propaganda Relvas, insistindo sistemáticamente na mentira, no apócalipse…e repete e repete e repete e repete e repete e repete !!!!!!!
    as mentiras para se tornarem verdades tem de ser muuuuuuitas vezes repetidas… os cãezinhos de Pavlov adoram!!!

      • Vai tudo a baixo Silva24 Nov 2015
        curioso que tenha escolhido a última frase para “criticar” o Rogerio…
        é que eu acho que é a que mais sentido dá às palavras do Rogerio!
        é que a única violência política que eu conheço em Portugal é a escandalosa, vergonhosa e criminosa usurpação, roubo, tráfico de influências e delapidação do erário público.
        e essa Rui Ramos… é feita pelo PS e PSD e não desses “dois” partidos…
        o Rogerio acertou em cheio na tamanha hipocrisia que grassa dentro de si!
        eu nem percebo qual é a lógica destes artigos de opinião… se é verdade que tem de se respeitar as diferentes opiniões, qual é a mais valia de uma opinião acéfala, primitiva e descabida?
  • Manuel Gonçalves24 Nov 2015
    Rigoroso e certeiro.
    1 – O PS não tem a menor ideia de como criar efetiva riqueza, diminuir despesa, muito menos, reformar o estado.
    Pelo contrário, é mera compra de votos, através do erário público.
    2 – Pelo exposto, radicaliza à esquerda e, tal como na publicidade enganosa, acusa os outros daquilo que faz.
    2 –

  • josé maria24 Nov 2015
    Um ex-governo que gastou 360 milhões de euros só em 2014, na renovação da frota automóvel não é altamente irresponsável, Rui Ramos ?
    É o quê, então ?
    E uma coligação de direita radical que aldrabou vergonhosamente os portugueses, pouco tempo antes das eleições, com a promessa de restituição de 35% da sobretaxa de IRS, quando agora se sabe que não iria restituir um cêntimo, é o quê, na sua escala de valores, Rui Ramos ?
    • João Sousa24 Nov 2015
      A TAP tinha um problema dramático de tesouraria, os bancos não estavam a desbloquear o dinheiro para os privados, e o Estado não podia emprestar directamente à TAP.
      Quer que lhe faça um desenho? É o problema das pessoas que refilam mas depois não precisam dar soluções. Nunca ficam perante estes cenários cinzentos e mantêm sempre a superioridade moral. É fácil manter a superioridade moral sentado no sofá, nunca se precisam salvar banqueiros ladrões para salvar poupanças e a economia, é sempre tudo branco e preto.
      Worse case o Passos fez o que Costa se propunha fazer, emprestar (indiretamente) dinheiro à TAP.
  • Luis Carlos24 Nov 2015
    Rui Ramos, pertence ao clube dos apaniguados ressabiados do finado desgoverno de Passos Coelho e Portas, tenta vender o seu peixe podre aos habituais fãs deste desgoverno finado que por aqui andam dia e noite,enfim é esta estirpe de cronistas armados em entretainersneste jornal digital, com uma bóia ao pescoço a ver se ainda conseguem uma réstia de salvação para a parelha querida deles Coelho/Portas…
  • Manuel Lisboa XII24 Nov 2015
    O historiador Rui Ramos tem razão. Constata a arrogância cretina da chamada esquerda. Evidentemente, o anterior governo de coligação não fez tudo bem; mas tinha legitimidade, cumpriu objectivos, respeitou as instituições e procurou não ser uma fonte de crispação constante. Aliás, presumo, esse tipo de comportamento constituiu a principal razão para os portugueses voltarem a dar a vitória eleitoral à mesma coligação governamental, apesar da dureza da austeridade. E esta última resultou da incompetência e arrogância de um anterior governo socialista, o qual, sublinhe-se, foi o principal negociador do programa financeiro imposto a Portugal por instituições financeiras estrangeiras, sem as quais não teria havido mais dinheiro…Recorde-se ainda: no final do século XX e durante a primeira década do XXI, exceptuando cerca de três anos, os governos foram sempre socialistas. Esse período caracterizou-se pela estagnação económica e pela degradação das contas públicas. Os principais responsáveis governamentais foram socialistas. Agora, o líder do partido socialista quer consagrar de uma maneira mais notória a tendência para o disparate, criando alianças espúrias com agrupamentos políticos (bloco de esquerda e partido comunista) ainda mais reaccionárias, que a sua própria força partidária. Subverte de uma forma completamente oportunista a tradição institucional portuguesa dos últimos quarenta anos e atraiçoa a história dos socialistas portugueses de mais cem anos, que sempre recusaram fazer alianças programáticas e muito menos governamentais com grupos políticos, cujos ideários tudo sacrificam a um colectivo imaginário, distorcido e autoritário, imposto por direcções partidárias, com visões únicas ou espartilhadas da sociedade, contrárias à liberdade individual, social e económica, portanto, inimigas do progresso e do bem-estar. Grupos e indivíduos no interior do bloco de esquerda sonham ainda com a Albânia de Enver Hoxha ou sofrem, de maneira retrograda , de crises existenciais de Sartre e Beauvoir e, no interior do partido comunista, o ideal mantém-se a União Soviética dos “gulags” e das verdades manipuladas, apregoadas como absolutas… o mero bom senso provoca indignação, perante aquilo que o dr. Costa se prepara para basear o seu programa e acção governativas.

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