segunda-feira, 5 de outubro de 2015

É preciso ganhar os generais da Renamo Por Argunaldo Nhampossa

Lourenço do Rosário defende uma saída militar negociada

O Reitor da Universidade A politécnica e mediador do diálogo político entre o governo e a Renamo, Lourenço do Rosário, considera que o recurso à via militar para resolver assuntos políticos resulta da falta de entendimento entre as partes na sede do diálogo, com destaque para debate sobre a desmilitarização. O académico acredita que há pessoas de ambos os lados que acham que a via militar é a mais viável. Nos últimos dias é defendida, em alguns círculos belicistas da Frelimo, a chamada “solução angolana”, para acabar com a crise que o país atravessa. Confrontado com esta questão, Lourenço do Rosário alerta que é preciso ter cautelas com soluções desta natureza. “A questão é: será que as forças residuais da Renamo neste momento foram cooptadas também para se poder negociar a sua integra- ção nas FDS ou não. Para quem defende a solução angolana, tem de ter em conta este aspecto. Não ter combates até atingir o último homem da Renamo. Não é por aí. É efectivamente ganhar as forças residuais da Renamo de modo que os seus generais sejam forçados a negociar a sua integração”. Em menos de 15 dias a comitiva do líder da Renamo sofreu dois ataques. Como olha para a situa- ção, na qualidade de um dos mediadores do diálogo político entre as partes? Estamos perante duas situações que podem ser vistas de formas diferentes. O lado político da questão e outro militar. Do ponto de vista político: pode se dizer que este é o culminar de todo um processo de degradação do diálogo que estava a decorrer no Centro de Conferências Joaquim Chissano (CCJC). Houve impasses que levaram ao aumento do fosso das desconfianças que existiam entre as partes. Entrou-se num impasse de tal forma que nós próprios, como mediadores, consideramos que o diálogo no Centro Joaquim Chissano já tinha morrido. Já não tinha hipóteses de sobreviver. Aquilo que estava a acontecer no Centro Joaquim Chissano já não era viá- vel, não dava esperança à sociedade moçambicana. A questão militar: É uma questão nebulosa que tem as suas raízes quando se assinou o acordo de cessação das hostilidades militares e a chegada da EMOCHM. Estava claro que o roteiro da EMOCHM era de monitorar o processo de desmilitarização da Renamo. Quando se assina o acordo, houve uma flexibilização da parte do governo no sentido de permitir que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, viesse da parte incerta para se recensear, participar da campanha eleitoral e viabilizar as eleições. Surge o conflito pós-eleitoral, depois volta-se a Joaquim Chissano e coloca-se esta componente de partilha dos postos de chefias nas FDS que não consta do acordo. Faz-se renascer um problema invocado em 1992, no acordo de Roma. É isto que veio a degradar a componente política da questão e come- ça-se a virar o foco, sobretudo, para questões de natureza militar. De tal forma que mesmo quando se discutiu e se chegou a um consenso sobre a despartidarização do aparelho do Estado, não se deu grande enfâse a esta questão, porque o que estava na mesa era este impasse. Quando se verificou que não havia nenhuma saída surge aquilo que as pessoas de ambos os lados (Governo/Frelimo e Renamo) acham que a melhor solução é mesmo militar. Daí essa confusão toda. Eu como académico não tenho dados para poder analisar o que se passou em Manica com frieza e dizer qual é o significado daquilo. Que consequências isso pode trazer? Há dois tipos de consequências: pessimista e optimista.
Pessimista: É o país entrar de novo numa situação semelhante a de Muxúnguè. Instabilidade, confrontos aqui e acolá e, no meio disso tudo, há vítimas civis. Ou podemos dizer que se foi o governo que tomou essa iniciativa não conseguiu atingir os seus objectivos. Se foi a Renamo que tomou a iniciativa disto, então atingiu os seus objectivos que passam por forçar o governo, através da instabilidade governativa, voltar a sentar-se à mesa negocial com arma apontada à cabeça. Esta é a minha visão pessimista. Quais é que seriam os objectivos do governo nesse caso? Atingir objectivos seria desbaratar e ter uma vitória militar. Agora se a iniciativa foi da Renamo, ela sabe o que está a fazer, que é voltar a forçar o governo a sentar-se à mesa para com arma apontada ter ganhos. Acha que a solução angolana (assassinar Dhlakama) seria uma solução a ter em conta? Agora vou dar a consequência optimista: Para quem acompanhou a solução angolana, não pode deixar de tomar em conta que quando Savimbi é morto em combate, o governo já tinha filtrado as vontades das chefias militares da UNITA, de tal forma que, passados três dias depois da morte de Savimbi, Lukamba Gato aparece a negociar a integração das forças da UNITA no exército do MPLA e, passadas duas semanas, já estavam no Parlamento angolano a assinar o acordo. Isto significa que aquilo que o governo quer é integrar as forças residuais da Renamo. A visão optimista é que se coloca uma pergunta que é: será que o governo conseguiu alcançar este ponto para que hoje, quando se fala dos generais da Renamo, concluir-se que Dhlakama deixou de ser uma peça importante para que o governo possa entrar numa acção destas considerando que pode desarmar a Renamo com Dhlakama vivo ou morto? Do ponto de vista de estratégia militar, naturalmente essa é uma visão optimista da parte do governo. Mas será que ganhou os generais da Renamo? Houve um trabalho feito previamente? O importante é acabar com a componente militar. Esta é minha leitura com os dados que estão na mesa. Agora não importa dizer quem começou com os ataques, se são militares, civis ou homens da Renamo. Quem está no terreno dando a cara é a polí- cia e não o exército. E se for um plano bem programado o governo não quer militarizar isto, porque seria considerado uma declaração de guerra. O assunto está sendo tratado como um caso de ordem pública. As multidões não são nenhum perigo Se é um caso de ordem pública pretende dizer que os ataques visam acabar com as caravanas do líder da Renamo ou prevenir-se de um levante dos banhos de multidões que aderem aos discursos de Dhlakama sobre a governação das seis províncias? A Frelimo está no poder há 40  anos, e há um certo desgaste. A governação não é isenta de muitos erros que trazem alguma deseuforia no que diz respeito à aceitação ou não por parte do governo. Dhlakama esteve quase um ano na parte incerta até às vésperas das eleições, depois sai em plena campanha eleitoral e aqui temos “ um mito de renascimento de messias” o que não significa necessariamente em termos de votação. Não quero discutir neste espaço se houve ou não fraude. Essa não é a questão. Significa que Dhlakama tem aquela mística de popularidade de alguém que diz aquilo que as populações gostariam de ouvir, o que não se traduz necessariamente em voto. As pessoas vão ouvir alguém a dizer algo que gostariam de ouvir. Este é que é o cerne da questão. É política. As multidões não são nenhum perigo para o seu adversário ou para o governo. O que interessa é que o governo veja isto como um sinal importante de que há muita gente que gostaria de exprimir aquilo que Dhlakama diz, sobretudo, naquelas regiões em que regista banhos de multidões. Mas, não me parece que foi por aí que se definiram estes últimos acontecimentos. Não foi por causa disso. Então a que se deveu? A minha questão continua a ser sobretudo militar. O desarmamento da Renamo era uma questão crucial, porque se a Renamo não fosse um partido militarizado a discussão política seria feita de outra maneira e Dhlakama poderia ter até esse banho de multidões. Acha que o desarmamento forçado pode ser a melhor via? Aqueles ataques não podem ser vistos dessa maneira. Falávamos de Savimbi, que também esteve num combate e morreu. Mas também podia não ter morrido ou podia ter sido preso. A questão é: será que as forças residuais da Renamo neste momento foram cooptadas também para se poder negociar a sua integração nas FDS ou não. Para quem defende a solução angolana, tem de ter em conta este aspecto. Não ter combates até atingir o último homem da Renamo. Não é por aí. É efectivamente ganhar as for- ças residuais da Renamo de modo que os seus generais sejam forçados a negociar a sua integração. A partir daí há necessidade de facto de se encontrar outras vias. Será que as FDS fizeram o trabalho de casa antes, para terem a tal solução angolana ou não. Eu não sei e ninguém saberá. O porta-voz do Comando-Geral da PRM disse que já foi aberto um processo crime contra todos os elementos da Renamo que estavam na comitiva. Estamos ou não a tentar resolver um problema político nos tribunais? Isso não é nada. Os deputados da Renamo também submeteram na PGR uma queixa-crime. Isto não vai dar em nada do meu ponto de vista. Isto é fait divers político. Da mesma forma como a gente não sabe em o quê acreditar, se foi emboscada, se foi a Renamo que primeiro assassinou um motorista, foi a população que queimou aqueles carros. Essas coisas não são absolutamente nada. São episódios e factos diversos, que estão para barrar o fumo daquilo que está por detrás do que está a decorrer. O presidente da República disse nos Estados Unidos da América(EUA), cidade de Nova York, que está aberto ao diálogo com o líder da Renamo que está em parte incerta. Então esta situação vai acabar em diálogo. Não há nenhum conflito que não termine em diálogo. E a minha questão é: com quem se vai dialogar? Acho que isto vai modificar a situação a partir deste momento. Das duas uma: Ou foi uma operação do governo mal planificada ou falhan- ço total ou é algo muito bem planificado e nós vamos ter surpresas. Mas que tipo de surpresa podemos esperar? Do ponto de vista optimista é que a Renamo vai se desmilitarizar. Afonso Dhlakama advertiu que não pretende mais ser usado para apagar fogo... O líder da Renamo está na parte incerta e não sabemos se vai assinar mais um acordo ou não. Questiono-me se a Renamo continuará sendo a mesma? Continuo a dizer que esta é uma hipótese que eu coloco, se efectivamente aqueles que defendiam o plano angolano estudaram muito bem, que tinham que ganhar os militares. O presidente da República, Filipe Nyusi, elegeu Unidade Nacional e inclusão como suas principais bandeiras de governação. Numa altura em que estavam em curso contactos para um novo encontro e manifestações em prol da paz surgiram estes ataques. Será que não colocam por terra esta pretensão ou é sinal de contradição entre o discurso e a prática? Insisto que é preciso perceber o significado político de banhos de multidão. Estes são sinais para chamar atenção ao governo de modo a olhar aquelas multidões que querem dar uma mensagem, do que uma manifestação propriamente dita para o governo. Esta é a minha interpretação. Porque se fosse um sinal de ruptura da Unidade Nacional, os próprios políticos da Renamo teriam visto isto. Os conselheiros dos líderes polí- ticos da Renamo também teriam visto e dito isto. O governo, por sua vez, teria percebido que isso ia contra a Unidade Nacional e não me parece. A Renamo aparece no Parlamento a pedir a revisão da constituição, porque não há perigo neste momento relativamente à Unidade Nacional. O que podemos esperar? Haverá um redesenhamento do mapa político nacional. Os partidos devem prestar muita atenção nisto, porque o redesenhamento do mapa significa que se se conseguir desmilitarizar a Renamo, se se conseguir despartidarizar a administração pública, como foi consensualizado, vai ser discutido na AR. Se estas coisas forem efectivamente executadas de uma forma clara e transparente, a luta política vai ser verdadeira. O que significa, portanto, que qualquer partido estará em condições de ganhar ou perder eleições. Passadas duas décadas após a assinatura do AGP, a Renamo mantém-se com armas. Acha que agora pode se livrar delas num abrir e fechar de olhos? Terceira leitura: o facto de o líder da Renamo ter voltado à parte incerta não será o princípio do fim de Afonso Dhlakama como líder incontestável da Renamo? Esta é uma pergunta retórica. Não é por acaso que o Ministro da Defesa disse neste jornal (NR: entrevista publicada na última edição do SAVANA), que a natureza vai tomar conta de Dhlakama. Temos de estar muito atentos a estes sinais. Ele foi um elemento importante durante muito tempo para moderar o nosso sistema democrático, agora a partir do momento em que ressurge o elemento militar como importante para conseguir certos ganhos, evidentemente que a componente política sofre desgastes. A pergunta que me coloco é esta: se esta questão evoluir será que Dhlakama vai surgir de novo como um líder incontestável. Há ou não possibilidade de se desmilitarizar a Renamo e redesenhar-se politicamente a Renamo num jogo político que pode levar a Frelimo a moderar as suas posições autoritárias. Não podemos esquecer que a Frelimo tem muitos defeitos e, neste momento, justifica os seus defeitos, porque doutro lado está alguém que desestabiliza o país. Mas se isto se modificar, a Frelimo tem de entrar de peito aberto na luta polí- tica para ganhar as eleições. Diálogo militar No seu discurso de tomada de posse, o PR assegurou que não deixaria nenhum moçambicano matasse o outro (confrontações armadas). Como olha para estes pronunciamentos? Samora Machel dizia que se você tem um furúnculo e quer curar furúnculo, você tem de rebentá-lo, sangrá-lo e ele vai curar. Se a solução para desmilitarizar a Renamo não é a via política, tem de se encontrar uma solução militar rápida, que não seja a guerra Qual seria exactamente a fórmula? Ganhar os generais da Renamo. Elias Dhlakama, recentemente patenteado, não é da Renamo. Os da Renamo são aqueles que estão com o seu líder. Aqueles é que vão negociar a sua reintegração se é que a solução angolana foi uma lição para Moçambique. A solução angolana não passava por matar o líder em primeiro lugar. Para aqueles que tem memória, devem se lembrar que o presidente José Eduardo dos Santos, um mês antes, fez um discurso em que dava três hipóteses a Savimbi. Sentar para negociar, ser preso militarmente ou ser abatido em combate. O que significa que as coisas já estavam cozinhadas. A solução é que o próximo diálogo não seja diálogo político apenas, mas sim um diálogo militar. O diálogo político não trouxe resultados, e diversos segmentos da sociedade defendiam que um encontro entre as lideranças podia resolver os problemas de instabilidade. Comunga da mesma opinião No princípio, defendia que o encontro dos dois líderes era a via mais eficaz para se encontrarem algumas saídas, depois passei a não acreditar que o mesmo viesse a resolver alguma coisa. Porque? Porque a situação política de con- fiança mútua estava de tal forma degradada que não era um encontro entre Nyusi e Dhlakama que iria criar bases de confiança. Era necessário fazer-se muito trabalho de modo que quando os líderes viessem a se encontrar pudessem ter alguma coisa de reconstrução da confiança. Aqui você faz emergir aqueles que defendem soluções finais que são muito violentas, mas rápidas. Mas qual é essa solução violenta, mas rápida? O furúnculo dói, mas você sabe que vai curar, então não pode picar um pouco tal como foi em Muxúnguè. Enquanto se tentava resolver o problema politicamente foi se deixando infectar. Se a via militar for a melhor, a solução para resolver o problema tem de ser rápida. Implicaria isto ter a certeza de debater a questão militar com os generais da Renamo e isso não pode implicar guerra, mas pode haver desestabilização, mas guerra não. Fala de negociar com os generais da Renamo, será que o governo pode aceitar paridade exigida pela Renamo nas FDS? Os políticos exigiam isso para satisfazer os seus militares, mas agora os militares saberão se vale a pena ou não. Mas também não é inconstitucional. É mais grave do ponto de vista constitucional exigir que a Renamo nomeie governadores nas províncias onde ganhou, do que o PR nomear membros da Renamo para cargos de chefia militares. Desde os ataques da última sexta- -feira já falou com o líder da Renamo? Ainda não. E com os membros do partido? Já tivemos para nos anunciarem que o seu líder está de boa saúde e em parte segura. Informaram- -nos também, como mediadores, que iam visitar as chancelarias da União Europeia, americanos e canadianos. Da mesma forma que tivemos contactos com o governo. O ministro (Oldemiro) Baloi estava no estrangeiro e queria saber dos acontecimentos. Quais as saídas imediatas, uma vez que o diálogo do Centro Joaquim Chissano foi encerrado? Vamos esperar para ver como evolui a situação depois destes últimos acontecimentos. Vamos esperar como se realinha a liderança da Renamo incluindo o ressurgimento do seu chefe. Da parte do governo, que não apareça a ideia extremista de ilegalizar a Renamo, porque isso vai fechar as saídas desta situação.

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