quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Construir o dia da vitória (1)

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Para além de se saber que o Dia 7 de Setembro é feriado e se chama o Dia da Vitória, quantos se lembram como lá se chegou?
Em cada província encontramos várias fortalezas coloniais construídas para dominarem e controlarem a revolta dos nossos antepassados. Isso significa que sempre houve resistência contra a dominação colonial e sempre os invasores ganharam, ora porque este chefe pela ambição e ganância queria expandir o seu território e aumentar a venda de escravos, ora porque entre descendentes havia querelas de heranças.
Quando os gafanhotos lutam os corvos comem dois de cada vez. A divisão permitiu que se conquistasse a África e os colonizadores poucas tropas mobilizaram nas suas metrópoles. Combatíamos entre nós, os efectivos ao serviço dos invasores provinham das nossas próprias fileiras. Derrotamo-nos a nós mesmos e voluntariamente entregámo-nos à miséria e opressão.
Depois de várias gerações sofrendo, já no século XX e nos seus primórdios aqui se ergueram as vozes dos irmãos Albasini, de João Dias, de Craveirinha, Noémia de Sousa e Marcelino dos Santos e outros, que começaram a ensinar-nos que eramos Moçambique, um só Moçambique do Rovuma ao Maputo. No Centro Associativo dos Negros de Moçambique, na Associação Africanacom Mondlane, no Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos (NESAM), os raros moçambicanos na Casa dos Estudantes do Império (CEI) começámos a murmurar independência.
Eduardo Mondlane, Mário de Andrade, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Lúcio Lara e outros de fora, no exílio, faziam-nos chegar mensagens que nos acalentavam no sonho.
Aprendemos! Mondlane soube unir-nos. Como outros estudantes, eu mesmo, recusamos aderir a este e aquele partido, colhíamos já as trágicas lições de Angola em que a UPA só combatia o MPLA, lembrávamo-nos das derrotas dos nossos antepassados.
Dia da Vitória começa a 25 de Junho de 1962, quando todos os partidos, UDENAMOMANU,UNAMI se uniram. De pequenos começamos a crescer para grandes.
Chissano esteve presente em Dar-es-Salam a 25 de Junho. Mocumbi participou no I Congresso em Setembro. Ambos faziam parte do grupo de estudantes que fugiram de Portugal em 1961 e recusava aderir a este ou aquele partido, estávamos com a unidade, então simbolizada por Mondlane e Marcelino.
Com a unidade criada em 62 tornou-se possível apenas dois anos depois, o primeiro tiro em Chai com Chipande, com Tazama em Niassa, com outros na Zambézia e Tete, onde nestes dois últimos casos houve recuos devido à colaboração de Banda com os sistemas coloniais e racistas. Com Banda, o Malawi traiu a causa da libertação africana. Concentramo-nos em Cabo Delgado e Niassa para criar as condições para avançarmos de novo.
Pouco a pouco o inimigo ia recuando, a tropa e a administração colonial desaparecia e começaram a surgir as primeiras regiões sub-libertadas.
Só chamávamos libertadas quando direcções locais livremente eleitas se instalavam e se reiniciava o processo produtivo. Essas consideravam-se zonas libertadas, livres não apenas da ocupação colonial, mas também de dirigentes mesmo tradicionais, coniventes com o inimigo e servis perante eles. O povo conhecia-os e bem.
O reinício do processo produtivo assegurava a alimentação da população e também apoiava as escolas, centros de saúde e bases militares que se criavam. Claro que nestes últimos locais também se cultivava, mas as tarefas de estudo, cuidados de saúde e a actividade militar limitavam o volume produzido, donde o apoio necessário das populações.
Com a produção começaram a surgir excedentes, não apenas alimentares, mas também de outros produtos como o algodão, o cajú entre outros. Criaram-se as lojas do povo para adquirir esses bens que, em seguida, se exportavam e se vendiam na Tanzânia.
Esta situação fez emergir as primeiras contradições graves no nosso seio. Certos elementos como Lázaro Nkavandame e apaniguados, Silvério Nungu desejavam privatizar o negócio, Nungu até abrira já uma loja no norte da Tanzânia. Soldados e povo disseram não! Isto resulta do nosso trabalho, dos nossos sacrifícios e tantas vezes do sangue dos que caíram. Estes bens pertencem ao povo e a sua venda vai-nos permitir comprar roupa, sal, óleo alimentar e outros artigos que carecemos e não podemos fazer aqui. Os cabecilhas aliaram-se com Simango que ambicionava tornar-se Presidente e afastar Mondlane.
Começaram as primeiras acções, revolta de estudantes no Instituto Moçambicano criado e dirigido pela FRELIMO, não queriam treino militar e as forças armadas. Padre Gwenjere tornou-se um dos animadores das revoltas.
Depois iniciaram-se as campanhas racistas, fizeram expulsar os únicos médicos moçambicanos porque brancos, o Hélder Martins e a sua esposa Helena. Hélder fez parte da UDENAMO e ainda dos fundadores da FRELIMO com Mondlane. Expulsaram os professores do Instituto Fernando Ganhão, João Ferreira, Jacinto Veloso, porque brancos. Quiseram expulsar Janet Mondlane, fundadora e directora do Instituto, esposa de Mondlane, porque branca. Seguiram-se ataques com paus e catanas e machados aos escritórios da FRELIMO na capital tanzaniana. Mataram aíMateus Sansão Muthemba, feriram Katchamila. Na fronteira entre Moçambique a Tanzânia assassinaram Paulo Kankhomba, que embora originário de Niassa, Cabo Delgado o considerava como filho querido. Depois veio a bomba que matou Mondlane, fabricada na Beira por Casimiro Monteiro da PIDE. Bomba inserida dentro de um livro, com selos da URSS, e que Nungu sabendo do que se tratava mandou entregar a Mondlane quando este saía do escritório, não fosse ela atingir Nungu e Simango separados do cubículo de Mondlane por tabiques a meia parede.
Muitos sofreram. Eu estive na prisão, culpado da cor mestiça da minha pele. Nyerere e Mondlane protegeram-me.
Os anos 68 e 69 mostraram-se muito turbulentos. Simango proclamara-se Presidente Interino da FRELIMO. Lázaro fugira e entregara-se aos colonialistas e gravava mensagens difundidas pelos aviões e rádios coloniais para que as populações se rendessem. Indicava ao inimigo a localização das bases e das povoações livres.
Veio a sessão de Abril de 1969 do Comité Central. Esta reafirmou os princípios aprovados pelo I e II Congresso da FRELIMO, recusou a definição do inimigo com base na cor da pele, afirmou que o povo português era nosso aliado na luta contra o sistema colonial fascista e mais uma vez declarou que os soldados inimigos capturados ou que se rendiam devíamos protege-los e, a seu tempo, entregar à Cruz Vermelha Internacional para serem libertos.
Simango foi substituído por um Conselho da Presidência, em que Samora dirigia todas as matérias referentes ao interior, Marcelino as relações internacionais, Simango ficava comocoordenador, na prática sem tarefa. Pouco depois desertou para o Quénia, em seguida para o Cairo, onde iniciou a colaboração com o inimigo e virá mesmo a participar na intentona do 7 de Setembro e falar nos micros da rádio. Em 1970 o CC elegeu Samora Presidente e Marcelino Vice-Presidente.
O colonialismo acreditou que a FRELIMO agonizava. Kaúlza de Arriaga novo Comandante-Chefe colonial em Moçambique acreditava que nos iria esmagar, concebeu o Nó Górdio que acelerou a derrota militar colonial.
O resto direi na próxima semana e um abraço,
P.S. Na chamada comunicação social também existem pseudo semanários que não passam de papel sujado numa tipografia. Uma dessas publicações asquerosas descobriu e como inédito, um artigo que escrevi e publiquei no diário País na terça dia 18 de Agosto, na véspera. Não cita a fonte, não solicitou permissão nem a mim ou ao quotidiano. Useiro e vezeiro na vigarice, esse nojo uma vez falando eu com jornalistas verdadeiros infiltrou-se no grupo, sem identificar-se ou autorização minha e difundiu deturpado os meus ditos. Creio que o Sindicato Nacional dos Jornalistas e o CSCS deveriam banir das suas fileiras a desonestidade impressa, prestigiaria a profissão bem nobre. Um abraço à honestidade,

SV

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