domingo, 4 de outubro de 2015

Apanhar um avião para vir votar


Passa os dias à procura de irregularidades no mercado financeiro. Mora em Londres, mas este domingo estava em Aver-o-Mar, na Póvoa de Varzim, a votar. A casa dos pais ainda é a sua “base”. “Já mudei de casa 12 vezes, desde que saí”, diz. Não teria actualizado a morada 12 vezes.
Não deixa de acompanhar a actualidade portuguesa, apesar de estar a viver fora há três anos. Não se sentiu forçado a ir. Foi uma opção que lhe pareceu natural. A realidade dele é a do mercado global.
O avô era bancário, o pai é contabilista. Por que subiam e desciam as acções?, perguntava, ainda pequeno. Por que não se imprimia mais dinheiro e se dava a quem não tinha?, perguntava também. Depois de estudar Economia no Porto, decidiu estudar Finança e Gestão Internacional em Lisboa. Ainda trabalhou por lá dois anos, como consultor, mas achava que não ganhava para a carga horária e a pressão.
Agradava-lhe a ideia de viver no estrangeiro. Candidatou-se a uma vaga de um banco em Berlim. Ficou maravilhado com o ambiente jovem e cosmopolita que encontrou na empresa e na cidade. “Aquilo é excelente para começar, para trabalhar dois ou três anos, depois fica limitado para quem não é fluente em alemão”, entendeu. Deu o salto para o centro financeiro de Londres.
Não foi só o mercado que se expandiu. Foi a “casa” que ficou mais perto. De Londres para o Porto, há voos diários e de baixo custo. Vem a cada seis a oito semanas. É quase como se estivesse em Lisboa. Antes, amiúde viajava de comboio entre Lisboa e Porto com dois grandes amigos. Agora, acontece apanharem o mesmo avião.
Compra bilhetes aos pacotes. Ia comprar os do segundo semestre em Março e esperou, esperou até ao Presidente da República Aníbal Cavaco Silva anunciar a data das eleições. Pelo calendário, as suas rotinas nem teriam de ser alteradas. “Gosto de vir em Setembro/Outubro.” Queria mesmo votar, não podia arriscar-se a vir no fim-de-semana errado. E levantou-se da cama, apesar da noitada de sábado, da ventania de domingo. 
Este vaivém é um modo de viver o espaço comunitário. Tem 29 anos e um número crescente de amigos noutros países da União Europeia. Não conhece quem se tenha inscrito num consulado para votar. A inscrição é presencial. E parece-lhe que já não tem sentido exigir que alguém se desloque para se registar ou votar. “É mais perigoso usar cartão de crédito na Internet e eu uso”, diz.
Não é algo que já não tenha sido considerado pela Administração Eleitoral. Houve testes de votação electrónica em assembleias de voto. E há software que permite votar a partir de umsmartphone ou de um computador ligado à Net. A Comissão Nacional de Eleições invoca risco de pirataria informática, de coacção sobre eleitores, de exercício do voto por terceiro, de compra do voto.
Pelas contas do Observatório da Emigração, só no ano passado, 110 mil portugueses saíram do país. Impossível saber quantos vão contar para a abstenção em Portugal. Assim, de repente, Pedro Sousa Assunção lembra-se de uma amiga, enfermeira, de turno este domingo, numa clínica de Londres. E volta a culpar os obstáculos colocados pelo próprio sistema – a burocracia, a presença.

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