terça-feira, 29 de setembro de 2015

Saudades da Auto-Estima


Há uma instituição que cada vez mais me deixa perplexo. É a União Europeia. Não percebo esse pessoal. Nos últimos tempos tem tido uma actuação estranha por me parecer arrogante, inapropriada e pouco digna duma instituição que representa países defensores do tipo de valores que defendem. Visitei hoje a sua página do Facebook seguindo um elo que alguém fez para uma declaração a propósito dos incidentes da semana passada em Manica. Vi depois uma outra sobre o julgamento de Carlos Nuno Castel-Branco e de Fernando Mbanze e fiquei estupefacto com a linguagem usada.
É assim: a União Europeia pode pronunciar-se sobre o que se passa no país. Na cultura diplomática existem canais próprios para isso. Consistem em abordar o Ministério dos Negócios Estrangeiros ou convidar representantes moçambicanos lá na União Europeia para comunicar seja o que for. Emitir uma declaração pública em que a instituição fala de algo não esclarecido em linguagem que sugere que essa coisa esteja esclarecida é, no mínimo, intromissão em assuntos alheios, e no máximo falta de conhecimento do seu próprio trabalho. Na declaração diz-se, por exemplo, “os dois recentes ataques ao líder da Renamo … são prejudiciais para a estabilidade do país…”. Oficialmente pelo menos não sabemos ainda se foram ataques ao líder da Renamo ou outra coisa. Enquanto não tiver havido inquérito o rebentamento de pneu, por mais improvável que possa ser, é uma possibilidade a ter em conta. Quando uma instituição como a União Europeia entra em cena com este tipo de certezas não ajuda o país a abordar os assuntos com a calma que ela própria aconselha no segundo parágrafo. Linguagem como “as circunstâncias dos dois incidentes DEVEM (as maiúsculas são minhas) ser apuradas através de uma investigação célere e completa” é arrogante e inapropriada. A União Europeia não está em Moçambique para dar ordens a ninguém. Está lá para aconselhar, se esse conselho for pedido, e aconselha-se com outro tipo de linguagem como por exemplo “a UE espera que as circunstâncias sejam esclarecidas seguindo os trâmites normais no interesse da estabilidade, do progresso democrático etc.”.
É uma maneira de nos faltar ao respeito, acho. Reproduzo em seguida essa declaração e depois falo da outra nota mais abaixo:
“Declaração do Porta-voz da Alta Representante da União Europeia relativa à violência na Província de Manica
Nas duas últimas décadas, Moçambique tem constituído uma história de sucesso de transição da guerra para a paz. Os dois recentes ataques ao líder da Renamo, Afonso Dhlakama, são prejudiciais para a estabilidade do país, o progresso democrático e o desenvolvimento económico em geral.
A União Europeia apresenta as suas condolências às famílias das vítimas. As circunstâncias dos dois incidentes devem ser apuradas através de uma investigação célere e completa. Os autores destes ataques devem ser levados a julgamento. A União Europeia junta a sua voz a todos os que advogam calma e diálogo construtivo.
Deverão ser envidados todos os esforços com vista a restabelecer um clima de confiança, relançar o diálogo e encontrar soluções de reconciliação e paz duradoura. A União Europeia continuará a apoiar Moçambique a atingir este objectivo.”

A outra nota que me incomoda, também da mesma fonte, é sobre o desfecho do julgamento de Carlos Nuno Castel-Branco e de Fernando Mbanze. Foi escrita por alguém sem formação diplomática ou com antipatia em relação ao Estado moçambicano. Essa nota, conforme podem ver mais abaixo, diz que o “… veredicto sublinha a importância da liberdade de expressão e o direito constitucional de qualquer cidadão moçambicano para exercê-la livremente”. Acho isto muito estranho. A UE interpreta o caso da Procuradoria-Geral da República como um atentado à liberdade de expressão, algo que está no direito de fazer, mas como representação diplomática, nos bastidores. Se a pessoa que escreve estas notas em nome dessa instituição tivesse a mínima noção da responsabilidade que pesa sobre a instituição na promoção do Estado de Direito iria, quando muito, destacar o facto de que os tribunais funcionam e agem de acordo com a sua própria consciência e com a lei, e não na base de ditames políticos. Esta é a mensagem a ser transmitida, não a mensagem política de que se tratou dum atentado à liberdade de expressão. Se eu na Alemanha disser que o holocausto não aconteceu corro o risco de ser julgado e condenado a uma pena de prisão. Se isso acontecesse a representação da União Africana não iria dizer que houve um atentado à liberdade de expressão, mas sim verificar se o julgamento respeitou as regras que se esperam dum Estado de direito.
Eis a tal nota estranha:
“A sentença do Julgamento de Carlos Nuno Castel-Branco e Fernando Mbanze foi lida hoje com a absolvição de ambos os arguidos. Este veredicto sublinha a importância da liberdade de expressão e o direito constitucional de qualquer cidadão moçambicano para exercê-la livremente. Este julgamento é um marco importante para a interpretação e implementação futura do direito à liberdade de expressão em Moçambique”.
Eu lembro-me do caso daquele representante do FMI que andou aí a dizer coisas em público há alguns anos. Saudades desse tempo. Não é da competência de nenhuma entidade estrangeira intrometer-se desta maneira em assuntos internos. Existem canais diplomáticos apropriados. Isto para mim é tomar partido, não ajudar.

E para dissipar equívocos: a minha questão não é se a EU tem ou não direito de ter uma opinião. A minha questão é que ela está a emitir opinião sobre casos que não estão claros, mas duma forma que sugere que estejam. Ao fazer isso toma partido e torna-se, efectivamente, em factor de guerra, não de paz. Ainda se fosse o Papa, mas nem isso é. É um desgraçado qualquer sem noção do papel da UE que compromete o útil papel que esta instituição poderia desempenhar na estabilização política do país. Anda alguém lá dentro a torpedear o trabalho da instituição, não vejo outra explicação, pior ainda quando procuro em vão, no mesmo mural, chamadas de atenção a discursos bélicos da parte da Renamo. Eu no lugar do Governo reagia a estas provocações com firmeza. Só que duvido que isso aconteça, pois o governo não parece ter plano B de nenhuma espécie.
Lembro-me uma vez de um ex-Presidente alemão me dizer em conversa que gostava tanto que houvesse mais líderes africanos como o presidente ruandês que dizem claramente o que gostam e o que não gostam. Nyusi?

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Ce Henriques, Mablinga Shikhani, Amorim Bila e 32 outras pessoas gostam disto.
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Comments


Julio Mutemba Bem dito Dr. E deviam muito se preocuparem com os massacres na Siria e noutros paises e evitarem contribuir para a reedicao destes no nosso solo!


Elisio Macamo bom, deviam fazer diplomacia.

Alves Talala Hehehehehe
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Efraimo Neves Eu juro que fiquei mais burro , após a leitura. É que na verdade não podemos fazer análises sensacionalistas , sobretudo tudo quando são feitas por ilustres iluminados. Se não vejamos: supondo que houve tal rebentamento de pneu como é possível que eles tenham baleado contra eles mesmo. Balear o seu próprio carro. 
Na segunda hipótese, supondo que de facto a guarda da Renamo atirou contra o motorista, o timing que a polícia levou so seria possível se A polícia estivesse nas cercanias


Elisio Macamo ainda bem que é o próprio a admitir que ficou MAIS burro. se tivesse lido com atenção teria reparado que a minha questão não é essa. não sabemos o que realmente aconteceu, logo, ninguém daquele calibre tem o direito de especular. ler, depois comentar, por favor.
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Mablinga Shikhani O que dizia eu? Falta-nos identidade e personalidade. Tudo de fora e dito por quem o diz é da formatura o diz é correcto, certo e apropriado. Falta-nós todo e qualquer senso crítico antes de nos faltar a auto-estima caro Elisio Macamo, as grilhetas ainda tilintam em muitas mentes e marcam o passo das nossas atitudes. Hoje pensava, por exemplo neste episódio:
"Um cidadão da UE para cá vem a trabalho, deve ter suado às estopinhas para o conseguir. Quando cá chega, pelas condições que o dão e pelo clima de subserviência à sua tez (peço que percebam bem isto) transforma-se num Semi-Deus, sentencia, tudo que diz é lei, norma e regra. Em muitos casos a maior parte destes indivíduos não mais abandona este paraíso, que nos seus relatórios é o Purgatório".
Porque admitimos tais coisas? A pergunta que não se calará...
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Elisio Macamo é. e a prova de que isto é tomar partido está num dos comentários mais acima.

Mablinga Shikhani Faz-me espécie a hipocrisia de muitas ONG's cujos trabalhadores não se fartam de falar mal do país de onde não saem. Está mal? Saia! Nem tem obrigação de cá estar ou mudar. Pessoalmente, gostaria de ver, na senda das comparações idiotas e comunicados mais ainda, partidos a agir como a Renamo e Dlhakama na Europa e nos Estados Unidos... Só para provarem um pouco das incongruências que semeiam em África. 

Apregoam mais violência do que paz, da Turquia ao Reino Unido não admitem tais coisas. O PKK, o IRA, a Euskadi, os Badein Meinhoff, as Brigadas Vermelhas, aquele louco de Waco (que até teve honras de filme) são trucidados por estados que nos aconselham sobre como devemos lidar com alguém que em seu quintal seria eliminado sem dó nem piedade.

Às vezes eu me pergunto o que se ensina nas escolas para os jovens não pensarem? A minha geração foi mais crítica, mais consciente...
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Elisio Macamo parte disso resulta de alguns de nós viverem da comercialização dos nossos problemas. o sentido crítico sofre.
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Armistício Mulande risos. eu sou uma dessas pessoas Elisio Macamo. Vivo da comercialização dos nossos problemas; mas acho que continuo com um espírito crítico bem aguçado. deve haver outras explicações para a falta de sentido crítico. deve ser mesmo uma questão de educação, como diz Mablinga Shikhani. Mas olhando bem para as coisas, gente da minha geração de escola e até da sua Elisio Macamo, está metida nisso. Não tem nada a ver com as gerações.
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Elisio Macamo bom, o que queria dizer é que isso cria um certo ambiente discursivo...

Armistício Mulande sem dúvida professor.

Elisio Macamo veja, por exemplo, o texto do mosse. o que ele explica é que dhl não tem controlo sobre o partido e seus homens, mas estranhamente conclui que por isso se deve apostar nele... não entendo.
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Armistício Mulande Tenho dificuldades de entender alguns raciocínios à volta do líder da Renamo. Toda a gente trata a ele como se fosse uma criança, um coitadinho indefeso; não consegue gerir o seu partido, mas a culpa não é dele, é dos outros....

Elisio Macamo aí está. é porque toda a crítica isenta tem que responsabilizar o governo...
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Mablinga Shikhani Tal e qual a UE e as Chancelarias. Tão Elementar, tão óbvio... Os outros são "lambe-botas" ou algo parecido, como se isso fosse uma corrente discursiva específica. No fundo todos dizem a mesma coisa: "Dlhakama é um irresponsável". Um pseudo debate cheio de nada e prenhe de adjectivações. Tão infantil quanto Freudiano. Ah!!! entre copos batem-se as costas e se jura fidelidade ao Partidão...
Náco nada júru!!!!


Marcos Sinate Interessante esta análise! Vejo alguma semelhança com o texto sobre a verdade e em certa medida podemos acusar a UE de estar a construir verdades para reforçar as crenças daqueles que não se preocupam em buscar esclarecimentos sobre um assunto antes de tecer qualquer comentário. Informações provenientes duma instituição como a UE alimentam os ânimos daqueles sensacionalistas que estão apenas a espera de gritar: ''Heheeee... foram apanhados! Até a UE investigou e já descobriu que em Moçambique Dlakhama sofreu um atentado e sabe também que não há liberdade de expressão. Os gajos estão lixados!''. Penso também que se trata duma situação de ''Tindrava'', e arrogância ou de construção duma verdade que deveria ter um impacto desejado por alguns na Pérola do Indico (Perdão pela falta de citação, não é por arrogância. Sei de quem é essa expressão :D) ou em qualquer outro lugar.
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Elisio Macamo aí está o problema. parece-me uma atitude irresponsável.

Mablinga Shikhani Não parece. É. Muitos dos que gritam nas pregas das saias da UE não procuram perceber as questões, gritam apenas depois da UE D nunca antes dela. Não ajudava perceber os problemas apenas repete, chavões e jargões da UE.
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Elisio Macamo é isso.

Noe Nhancale Ish há com cada leituras! Muito oportuna a observação que p Prof. Faz. Há uma clara dualidade de critérios e parcialidade por parte desta entidade que devia a partida ter um papel didático principalmente com quem violou a constituição desde o princípio.
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Elisio Macamo não é só dualidade. é intromissão em assuntos alheios.

Euler Gente De Mocuba Fizeram isso em Angola através da resolução aprovada sobre direitos humanos e os Angolanos mandaram lhes passear e chamando atenção a UE que são um país Soberano e não aceitavam ordens de outros Estados! E isso foi feito pelos membros do Conselho do ministro e me parece que deve ser feito da mesma forma aqui em Moçambique.
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Elisio Macamo eu pelo menos acho que o governo devia no mínimo convocar o embaixador e dizer-lhe claramente não! duvido muito que bruxelas saiba disto.

Armistício Mulande Isso é possível Elisio Macamo? Que Bruxelas não saiba de nada?

Elisio Macamo é. nós por vezes exageramos a eficiência desta gente. há muita conta própria nestas coisas...


Armistício Mulande Eu duvido muito que o governo vá dizer alguma coisa. Dizem os entendidos que o nosso PR está "atado" ou "amarrado" pelos radicais da Frelimo. E é por isso que não consegue fazer nada. Não consegue nem convencer o líder da Renamo a sentar com ele e conversar.


Elisio Macamo li um texto bastante curioso do marcelo mosse. muito "wishful thinking", achei. minha impressão é que nyusi não tem plano.

João Barros Professor, penso que o que o Representante da UE e exactamente isso, que seja chamado para a questao tomar outros contornos. Na minha opiniao, e deixa-lo ladrar.

Elisio Macamo pode ser, mas deixar ladrar dá corda...

Carlos Viegas Nunes Só um cego é que não sabe o que quer a UE em solo Moçambicano! Veja lá se a UE falou do golpe de estado da Burkina Faso onde os mercenarios franceses fazem o que querem daquele povo e chupam-lhe os recursos interruptamente sem dó nem piedade por ninguém ! Para além do Pr Nyusi estar atrelado à maçonaria portuguesa.

Sofia Mdc Arrogância pura. Vivemos isso muitas vezes diariamente nos projectos onde ideias ou contribuições são postas d lado em detrimento dos "expats" sim eles não são imigrantes. Depois vemos nas eleições a dar mais palpites e a seguir vêem como doadores financiadores e querem impor as suas agendas económicas. Já é tempo de levantar a voz e de os pôr no seu lugar.
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Elisio Macamo e não são necessariamente os melhores que os seus países têm...

Sofia Mdc O pior é memo isso. Mas faço também a minha Mea culpa por diversas vezes no sentimos intimidados e em vez de enfrentar engolimos o sapo para ver se o "dilim" entra. O panorama mudou e os pólos invertem-se não pudemos ter medo do que é nosso nem duvidar das nossas capacidades. Memo falhando que seja uma falha nossa e assim se aprende e cresce. O paternalismo europeu já deu o que tinha a dar.


Elisio Macamo concordo. mais auto-estima...

Reginaldo Mutemba As entidades governamentais algumas tambem nao percebem o que de em fazer quando estao no poder. A nossa patria ha bastante tempo esta vendida. Nao sei o que os represe tantes europeus representam para nos. Hoje, ja e pratica que o PR que negocie pessoalmente com e.presarios para que invista em Mocambique. Nao estou muito informado, sobre a lei que coma da isso, mas isso so ja coloca-nos vulneraveis.nao tem .inistrl dos negocios estrangeiros para isso? Nos precisamosde ter dirigentes a altura doscarvos que ocupam. A culpa nao ee necessariamente da UE, mas na competencia dos que to.am decisao pelo paiis. Como ee que nos preparamos para nos posiconarmos como paiis independente e autonomo? Como ee que fazemos as coisas na terra dos sonhos de Dr. Macamo?

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