quarta-feira, 17 de junho de 2015

Quebrar tabus pela paz e governabilidade de Moçambique


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Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Isso é mais importante do que proclamações embelezadas.
Sosseguem-se algozes do passado recente e do passado longínquo, não há nem haverá “inquisição” em Moçambique.
A última sessão no Centro de Conferências “Joaquim Chissano” trouxe alento para a arena política nacional. Os chefes das delegações anunciaram que havia consenso sobre a despartidarização do aparelho de Estado e que iriam assinar o documento e remetê-lo à Assembleia da República. Tão simples como isso e sem os empecilhos que legalistas e constitucionalistas de “meia tigela” costumam oferecer para consumo público.
Toda a carga de pressão mediática e política nos últimos tempos pode estar a surtir os efeitos desejados. E não nos esqueçamos do que uns chamam de diplomacia silenciosa.
Não é fácil nem simples declarar que se chegou a consenso, especialmente quando a perspectiva que os negociadores trazem a público é de inflexibilidade e intolerância.
Existem possibilidades que, se exploradas, levarão a que nos próximos tempos os moçambicanos tenham a ocasião de celebrar entendimentos definitivos, estruturantes e promotores daquela paz e estabilidade que se anseia.
Importa separar assuntos e trazer o relevante e significativo para cima da mesa de maneira resoluta e firme. Os comentaristas dominicais que continuem a desempenhar o seu papel, mas que, no fundamental, sejam os negociadores a entenderem que não têm todo o tempo do mundo para resolver de maneira sensata os assuntos agendados.

Na realidade, tudo passa por haver clarividência e abandono de posições que comprometem a paz. Não é altura de atirar culpas ou pretender enviusar as discussões necessárias.
Construir pontes de confiança é mais urgente do que qualquer outra coisa. A moçambicanidade e reconciliação que se sente faltar entre nós surge do realismo com que os nossos políticos interpretem os factos.
Quando se fala de liderança, é exactamente essa capacidade de produzir entendimentos, como foi anunciado, sobre a despartidarização do aparelho de Estado.
Pela reconciliação nacional e o fim dos rodeios e dos tabus sobre assuntos de vital importância para o país, o momento clama por um engajamento firme e rigoroso. Não há agenda que não possa ser incorporada nos debates ou negociações, desde que o fim último seja construir as plataformas necessárias para harmonizar a vida no país.
Os avanços negociais devem ser entendidos e apreciados como forma única de manter o país nos carris, e nesse aspecto são muito mais importantes do que posições individuais elaboradas a partir de perspectivas de defesa de interesses privados.
Há “muito pano para mangas” e, com coragem, podem-se dar golpes demolidores numa cultura permissiva de infalibilidade falsa e corrosiva do ponto de vista político.
A única heroicidade que os moçambicanos querem ver e reconhecem é aquela que se lança corajosamente no combate das assimetrias e focos de intolerância.
Ignorar que uma sociedade só se consolida quando existe respeito pelos direitos políticos e económicos dos cidadãos é perigoso, pois cria situações de suspeição e de discórdia.
Quem quer avanços não se esconde em pressupostos catalogados como históricos e invioláveis.
Têm sido com frequência “complexos de natureza interpretativa” que barram o caminho da concórdia e da confiança mútua.
Algum do insucesso que se tem registado na construção da nação moçambicana deve ser atribuído a posicionamentos de individualidades que se perderam no tempo e no espaço.
O que era prática normal e de aceitação geral, nos tempos em que se vivia numa situação política monocromática, continua retido na cabeça de certos protagonistas, que se negam a aceitar que os tempos são outros e que novos entendimentos devem ser usados para fazer e estar na política.
Pela celeridade das negociações e seu desfecho favorável à paz e estabilidade é necessário que algumas pessoas “entrem de férias”, ou que lhes seja retirado o papel de comentaristas de primeira linha em tudo o que é televisão ou estação de rádio.
Não se pode permitir que gente de credibilidade chamuscada pela história e por factos negativos irrefutáveis continue propalando falácias que justifiquem actos e omissões do passado, numa perspectiva de lavagem da história do país.
Cada vez que, a partir de órgãos de comunicação social públicos, se lançam em defesa do que fizeram, mas se esquecem de reconhecer que, como humanos, cometeram erros, alguns dos quais consubstanciam crimes, estamos em presença de acções contra a concórdia, reconciliação e paz.
Há gente com ódios viscerais que importa conhecer e tratar com a devida atenção e cautelas. Há gente que gostaria de ver o país resvalar para a confrontação entre forças do Governo e da Renamo. Isso é um dado adquirido. Outra existe proclamando ainda hoje que só os outros é que cometeram excessos.
Quando, a partir dos moçambicanos, não se verificam abordagens realistas e que se espera dos serviços exógenos para construir a nossa história, os resultados são muitas vezes distorcidos. Consultores políticos pagos e instrumentalizados, assim como “think-tanks” de reputação respeitada, foram usados num passado recente para pintar os outros de “violentos, assassinos, promotores de genocídios”. Numa argumentação que não joga nem se coaduna com interpretações posteriores, os moçambicanos foram vítimas da manipulação de informação. A guerra dos dezasseis anos, civil para uns, e de desestabilização para outros, não foi feita por “santinhos”. E é preciso ver os recuos e a atmosfera inconclusiva que se regista como continuação da diferença de interpretação dos factos. Uma guerra foi desencadeada, e compatriotas acabaram por se ver envolvidos num assunto dirigido por outros. Nem agulhas fabricamos em Moçambique, mas o país encheu-se de armas, que continuam a proliferar em mãos estranhas e algumas delas criminosas.
Não se pode dar oportunidade a que mais uma vez se faça uma guerra de terceiros e por terceiros.
Não podemos, por vergonha de nosso passado, nos recusarmos a admitir que cometemos erros e crimes. Esse é o primeiro passo para o perdão e reconciliação.
Algum do culto da personalidade incentivado no passado levou a que excessos fossem cometidos em nome de uma suposta ideologia correcta. E nessa senda muita gente ficou ou foi embrutecida, ao ponto de até hoje não reconhecerem que os outros também são moçambicanos de pleno direito.
As hesitações e compassos de espera que têm caracterizado o panorama político nacional são, em parte, fruto de avaliações estratégicas que têm a ver com assuntos do passado que se julgavam enterrados para todo o sempre. Há receios de que uma abertura e despartidarização irão “acordar fantasmas”.
Mas essas pessoas deveriam estar sossegadas e saber que não há nem haverá “inquisição” em Moçambique.
O ardil negocial e as fugas para a frente, a auto-atribuída perícia e estofo diplomático iludiram muito boa gente a crer que se estava perante infalíveis.
Respeitamos e que se respeitem os serviços prestados ao país por quem quer que seja, mas daí ao endeusamento dessas figuras é tudo o que Moçambique não precisa. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 17.06.2015

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