sábado, 13 de junho de 2015

O “caso Sócrates” passou definitivamente para o mundo da política. Onde ficará.

OPINIÃO
Sócrates



13/06/2015 - 05:40

Uma lei que não se consegue cumprir ou fazer cumprir é, como toda a gente compreenderá, uma lei nociva que enfraquece o regime legal e cria rapidamente uma noção perigosa de impunidade. Por isso, começa a ser urgente, quando não imperativo, abolir o chamado “segredo de justiça”, que ninguém cumpre ou acha sequer que deve cumprir.


O “caso Sócrates” tem sido um bom exemplo de uma polémica pública sobre matérias que em princípio não se podem publicamente discutir. Parece que o juiz, o ministério público e o arguido não estão sujeitos a qualquer tipo de restrições; e que não há qualquer limite ao que dizem ou deixam dizer para informação dos jornalistas e dos basbaques de serviço. Ora, para grande desgosto dos coscuvilheiros da nossa praça, há uma grande diferença entre um julgamento e um espectáculo.



António Costa repete com desespero que o PS não se intromete, nem se quer intrometer numa questão da competência do judicial. Mas sucede que a ausência de um efectivo “segredo de justiça” permite que essa questão se intrometa diariamente na vida do PS. Sócrates não hesitou em dar uma espécie de entrevista ao “Expresso”; peças do interrogatório apareceram na imprensa popular; os dirigentes socialistas peregrinaram beatamente a Évora; uma centena de militantes resolveu manifestar em frente da cadeia um solitário apoio ao seu herói cativo; e o herói continuou a comunicar ao mundo exterior o que lhe ia na alma. No estado a que chegaram as coisas, não vale a pena protestar. De qualquer maneira, convém compreender que o “caso Sócrates” passou definitivamente para o mundo da política. Onde ficará.

Embora ele não se aperceba, esta transferência só o prejudica. Na atmosfera de hoje, não existe um único português capaz de o julgar com a serena imparcialidade que a justiça exige. Tentando transformar a sua defesa numa defesa “política”, Sócrates acabou por interferir na campanha eleitoral do PS e, pior ainda, também num hipotético governo do PS, se Costa conseguir esse milagre profano. Durante anos, não se ouvirá falar senão dessa vítima ou desse anjo, das criaturas que o rodearam e serviram, dos malefícios ou dos serviços que infligiu à Pátria. O PS bisonho que por aí anda não servirá para mais do que para pano de fundo do melodrama principal, em que a plateia está verdadeiramente interessada. Se Sócrates for condenado, correrão com ele. Se for absolvido, a sua simples presença bastará para um ajuste de contas sem fim e sem sentido.

"É um escândalo o que se está a passar" com o caso Sócrates, diz Pinto Monteiro

Hoje às 10:03
Fernando Pinto Monteiro, antigo procurador-geral da República, admite que as investigações judiciais possam ser aceleradas quando estão em causa figuras mediáticas, num comentário ao caso de José Sócrates, detido desde novembro, no âmbito da Operação Marquês.
 
"É um escândalo o que se está a passar" com o caso Sócrates, diz Pinto Monteiro
FOTO NUNO PINTO FERNANDES / GLOBAL IMAGENS
Pinto Monteiro
Em entrevista à rádio Antena 1 e ao jornal Diário Económico, Pinto Monteiro notou que um político não pode ser beneficiado, nem prejudicado, mas admitiu que "se acelere um bocadinho a investigação, dada a importância que a pessoa pode ter no país".
José Sócrates, ex-primeiro-ministro, está indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito num processo em que é o único arguido ainda em prisão preventiva.
Sobre a prisão preventiva, Pinto Monteiro comentou que "ninguém pode ser preso para ser investigado", pelo que mais tarde se analisará quais os indícios existentes para essa tomada de decisão.
Por enquanto, o juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça "ignora em absoluto o que se passa com José Sócrates" e apenas comentará uma sentença transitada em julgado, mas não deixa de considerar um "escândalo" a violação do segredo de justiça nos jornais.
"A sentença que venha amanhã a condenar ou a absolver é uma coisa secundária porque a comunicação social esmagadoramente todos os dias lança cá para fora coisas", disse o magistrado, assinalando que as informações "vêm de quem tem o processo".
"Quem mexe no processo são juízes, procuradores, advogados, solicitadores, funcionários, o próprio cidadão. É um escândalo o que se está a passar", argumentou.
Questionado sobre a possibilidade de surgir uma acusação ao ex-primeiro ministro durante a campanha eleitoral para as próximas eleições legislativas, Pinto Monteiro lembrou que a "lei impõe prazos, mas não impõe dias".
Para Pinto Monteiro, qualquer ação neste caso levará "sempre alguém a pensar que é um lóbi político" e a formalização da acusação levará "sempre a comentários, dada a importância do preso".
"Ainda hoje se falarmos sobre a Casa Pia, que já lá vai, que deus tem, ainda há quem entenda que houve condenações erradas", comparou o antigo PGR, que sublinhou ser "fundamental, que o ódio não se possa sobrepor à Justiça" nos casos que envolvem personalidades mediáticas.
José Sócrates foi detido a 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, encontrando-se em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Évora.
ARTIGO PARCIAL

Sem comentários: