quinta-feira, 11 de junho de 2015

Fui gozada por ser parente de Matsangaissa. Ivone Soares, Savana 26-09-2014

Por Ricardo Mudaukana
Para uns, principalmente nas hostes do seu partido, Renamo, trata-se de uma das jovens mais talentosas da política moçambicana. O arrojo com que se notabilizou na legislatura da Assembleia da República prestes a findar é apontado pelos seus admiradores como o “bilhete” para um potencial futuro brilhante na carreira política. Para outros, contudo, Ivone Soares não passa de uma aventureira tempestuosa, que, protegida pelo tio (irmão da mãe), Afonso Dhlakama, não olha a meios para concentrar os holofotes à sua volta. Em entrevista ao SAVANA, Soares admite que tem no líder da Renamo um “ídolo”, mas diz que está na política por mérito e ideais próprios. Diz que o parentesco com o líder do principal partido da oposição já lhe rendeu amargos de boca. “Chamavam-me parente de Matsangaice”, diz, aludindo à chacota de que afirma ter sido alvo, pela relação com Afonso Dhlakama e Renamo, cujos membros “herdaram” uma corruptela do nome do seu primeiro líder, André Matsangaíssa. É uma das deputadas mais destacadas da bancada da Renamo na Assembleia da República. Quando é que começa o seu envolvimento com a Política? Comecei quando era ainda criança... Sempre me apaixonou defender os meus direitos e os dos demais e lutar para que as coisas funcionassem melhor, por exemplo na escola... A minha mãe diz que eu queria sempre receber explicações de tudo o que acontecia e não me conformava facilmente com o que não fosse transparente. O que a move a envolver-se na Política? Que ideais defende? Sobretudo, a ideia de poder dar o meu pequeno contributo, fazendo algo útil para o meu povo. Mudar as coisas que andam mal, melhorar as condições de vida dos moçambicanos, acabar com as injustiças... Podem parecer ideais românticos ou até utópicos mas eu acho que são muito actuais. Para muitos, principalmente em África, estar na Política é o meio mais fácil de chegar ao conforto e, até, à riqueza. Como olha para essa percepção? É verdade que muita gente está desapontada com a política e que muitos políticos usam o poder para benefício próprio. Nós que não somos assim temos o dever de demonstrar que uma outra maneira de fazer política é possível e há que se conquistar o consenso para mudar qualquer situação. A maioria dos políticos moçambicanos na oposição foi militante da Frelimo, por força da história deste partido, ou teve algum tipo de ligação com o partido no poder. A deputada Ivone Soares teve algum passado na Frelimo, ao nível da Continuadores ou da Juventude da Frelimo, como sucede com o grosso dos políticos mais jovens do partido no poder e da oposição? Nunca tive nenhuma ligação com a Frelimo Antes de chegar a deputada, que percurso teve na Renamo? A minha ligação à Renamo é umbilical. Lembro-me que no tempo da luta pela democracia alguns miúdos lançavam piadas perto de mim para ofenderem-me. Chamavam-me parente de Matsangaíssa, mas eu olhava indiferente, pois sabia que toda a luta visava introduzir a democracia multipartidária em Moçambique. Aquando da assinatura do Acordo Geral de Paz acompanhei todo o processo, pois não tirava o ouvido do Xirico (rádio) que tinha.   Em 1994 trabalhei incansavelmente na colagem de panfletos da Renamo e do Presidente Afonso Dhlakama. Em 1999 (já com idade de votar) pude pela primeira vez exercer esse meu direito e foi muito emocionante para mim. De membro simples da Liga da Juventude da Renamo, passei a trabalhar na rádio Terra Verde onde produzia e apresentava programas radiofónicos onde amava a interacção com os ouvintes. Recordo-me de ter desempenhado a função de porta-voz do gabinete central de eleições da Renamo nas eleições autárquicas 2008, gerais de 2009. Dirigi a Política Externa da Renamo, Sou Membro da Comissão Política Nacional e em Fevereiro de 2014 fui eleita Presidente da Liga da Juventude da Renamo.   Sendo a Política moçambicana, como, de resto, acontece em quase todo o mundo, um universo ainda muito masculino, a que habilidades recorre para se impor como o tem conseguido na Renamo e ter granjeado a notoriedade que conseguiu na Assembleia da República? Às vezes parece que uma mulher, por ser mulher, tem que demonstrar que vale mais do que os homens... Isto poder ser positivo porque obriga a trabalhar mais e melhor, mas devo dizer que nunca sofri discriminações graves por ser mulher, se calhar na vida política é mais difícil ser jovem que mulher! Sou frontal e não deixo o trabalho para o dia seguinte. Primo pelo dinamismo e contínua aprendizagem com vista a fazer o meu trabalho com a rapidez e competência esperadas. Que passos devem ser dados para que mais mulheres ingressem na Política em Moçambique? Que impacto traria a presença de mais mulheres na Política em Moçambique e na sociedade, em geral? Moçambique já tem um bom índice de presença das mulheres na política, todavia, julgo precisarem de dar maior visibilidade às suas acções.  Na economia e na gestão das grandes empresas muito está ainda por fazer. É uma batalha fundamental. Sabe-se que a mulher traz em todas as suas actividades um valor acrescentado em termos de capacidade, determinação, experiências concretas, sensibilidade, gestão transparente... “A Ivone saiu ao tio” Qualquer referência a si na comunicação social e noutras esferas é também associada ao facto de ser sobrinha do líder da Renamo, Afonso Dhlakama. Como reage a essa situação? Olha, eu sinto-me orgulhosa desta ligação familiar com o Presidente Dhlakama, ele é uma pessoa extraordinária, sábia e corajosa... É realmente o pai da democracia em Moçambique. Essa ligação constante não a incomoda? Não a desmerece? Não teme que seja vista como a protegida do líder e não produto de esforço próprio? Pelo contrário, isso motiva-me para demonstrar que tenho qualidades próprias e sou uma pessoa que teve a quem sair. Gosto quando dizem “a Ivone saiu ao tio”. No seu dia- a-dia, que consequências acarreta para si ter laços com Afonso Dhlakama? Já se sentiu perseguida ou alvo de represálias por isso? Já lhe negaram algum direito pessoal, social económico ou algo do género? Um caso já contei. Tenho recebido algumas ameaças ultimamente, mas não dou a isso a menor importância. Parece-me mais grave aquele tipo de discriminação que (em Moçambique) sofrem aquelas pessoas que, por não ter cartão da Frelimo, não encontram emprego ou são ultrapassadas por outras menos preparadas mas com o cartão vermelho... Não perdeu amigos por ser sobrinha de Afonso Dhlakama? Não viu familiares seus afastarem-se de si pela sua militância aberta e declarada à Renamo? Felizmente, os meus familiares directos e amigos leais sempre respeitaram e me apoiaram nas minhas escolhas pessoais e políticas. Isto não significa que sejam todos da Renamo... Por exemplo tenho ) -Em entrevista ao SAVANA, a Jovem deputada da Renamo reconhece igualmente que Guebuza foi afável no encontro para trazer Dhlakama da “parte incerta”  “Os meus amigos leais sempre respeitaram-me e apoiaram-me nas minhas escolhas pessoais e políticas” — um cunhado, se calhar o conhecem, que é de outro partido da oposição...  Não se sente favorecida e privilegiada por ser sobrinha do líder? Acha que teria chegado a deputada na legislatura prestes a findar, eleita presidente da Liga da Juventude da Renamo e colocada em posição elegível para as próximas eleições, se não tivesse o vínculo que tem com o líder da Renamo? Claro que esta relação familiar estimulou-me a ter ligação umbilical com a Renamo, porém o tio Afonso nunca gostou de promover os seus parentes em detrimento de outros quadros competentes.  O Presidente Dhlakama defende a meritocracia. A pessoa deve demonstrar o que vale. Eu nunca teria chegado à Assembleia da Repú- blica só pelo facto de ser sobrinha, se não tivesse trazido bons resultados no trabalho de base como militante da Renamo porque ele não aprovaria isso. O Presidente Guebuza foi afável comigo Como é que se envolve no processo que levou Afonso Dhlakama a sair do “lugar incerto” para a capital do país? Quando o Presidente da Renamo decidiu fixar a sua residência em Satunjira eu fui morar lá durante 45 dias e foi uma experiência extraordinária, inesquecível... Fiquei com vontade de voltar para lá na primeira ocasião que pude conhecer o lugar...e posto que eu falava com ele com certa frequência durante todo o tempo que esteve na dita “parte incerta” foi natural que contribuísse para organizar a sua saída da Gorongosa.  A sua participação no processo da “recuperação” de Afonso Dhlakama para “a vida política normal” está também associada ao envolvimento do Governo italiano no processo. Itália e o Ocidente inspiram uma confiança mais refor- çada à Renamo? Porquê? Dom Matteo Zuppi e o Embaixador da Itália, Roberto Vellano, contactaram-me para ver se podia ajudar a organizar um encontro com o Presidente Dhlakama e o Presidente concordou. Quando o Primeiro-Ministro Italiano, Matteo Renzi, esteve em Maputo, teve uma conversa telefónica com o Presidente Dhlakama e encontrou-se também com o Presidente Guebuza. Antes disso, já o Embaixador italiano havia facilitado a ligação de outros membros do governo italiano que buscavam ser úteis ao povo moçambicano facilitando o entendimento entre as partes (Renamo e governo da Frelimo), assim os vice-ministros Pistelli e Calenda puderam conversar telefonicamente com o Presidente Dhlakama com vista a persuadi-lo a viajar a Maputo. No dia 30 de Agosto acompanhei à Gorongosa Dom Matteo Zuppi, o Embaixador Roberto Vellano, o Vice-ministro, Carlo Calenda, e tivemos uma conversa afável com o Presidente Dhlakama donde partimos para Nampula onde também separadamente eles e eu conversá- mos com o Presidente Guebuza.  No dia acordado, 3 de Setembro, voltei a acompanhar à Gorongosa o grupo de Embaixadores que o Presidente Dhlakama convidou para com ele entrarem em Maputo. Todos os Embaixadores convidados aceitaram prontamente participar nesta missão que culminou com a assinatura do Acordo de Cessação das Hostilidades Militares. Trata-se dos Embaixadores da Itália Roberto Vellano, Estados Unidos da América Douglas Gri- ffiths, Portugal José Augusto Duarte, Botswana Thuso Ramodimoosi e a Alta Comissária do Reino Unido Joanna Kuenssberg.  A Itália teve um papel fundamental nas negociações do AGP em 1992 e sempre acompanhou a manuten- ção da paz em Moçambique. Por isso é considerada um interlocutor fiável por nós e acredito também pelo Governo. Quanto à pergunta sobre os países ocidentais: Nós somos uma força política moçambicana e africana e temos o nosso próprio modelo de desenvolvimento, mas pela nossa história de lutadores pela democracia e pluralismo olhamos aos países democráticos do Ocidente com respeito, pois são referência das liberdades políticas e direitos humanos no mundo. Qual foi o momento mais decisivo para a saída de Afonso Dhlakama do refúgio onde se encontrava? Foi um processo onde cada uma destas questões foi fundamental. É claro que a presença do Vice Ministro italiano Calenda e, quatro dias depois, dos cinco embaixadores foi importante, como foi a rati- ficação dos acordos pela AR no dia 8 de Setembro. Sem esquecer que tudo isso foi possível graças, antes, aos trabalhos das delegações e dos mediadores nacionais no Centro Joaquim Chissano. É muito crítica do Governo e do chefe de Estado actual. Teve um encontro com ele nos momentos que antecederam a saída do seu tio do “lugar incerto”. Com que imagem saiu de Armando Guebuza, após o encontro que teve com ele? Mudou a opinião que tinha dele? Encontrei-me com o Presidente Guebuza em Nampula. Ele foi muito afável.  Falámos duma forma franca e frontal.  Eu obviamente tratei-o com o respeito que se deve a um chefe de Estado. Naturalmente, isso não quer dizer que tenha mudado a minha opinião sobre as políticas sectoriais da governação da Frelimo que o Presidente Guebuza dirige. Penso eu que manter sempre uma relação cordial, civilizada com os adversários seja importante. A título de exemplo, na minha actuação profissional sempre soube distinguir entre relações pessoais e as políticas e lido com governantes, membros dos outros partidos da oposição e tenho amigos ardinas com quem falo longamente ao telefone.  Como é que olha para o seu tio? É um ídolo para si? Simplesmente, sim. O tio Afonso é mesmo o meu ídolo. Um homem cuja história de vida é de sacrifícios em prol da defesa dos interesses do povo moçambicano. Fez amigas e amigos na Bancada da Frelimo na Assembleia da República? Cultivo sempre boas relações por onde passo. Muitos colegas das outras bancadas tornaram-se pessoas amigas. Sempre tento preservar uma relação de trabalho que nos permita termos um diálogo dentro e fora do Parlamento. Que distingue a Renamo de outros partidos da oposição? Acha que a Renamo mantém o seu poder de persuasão com constantes referências ao ideário de luta pela democracia, uma vez que a nossa Constituição e demais leis seguem, pelo menos formalmente, o primado de um Estado de Direito Democrático? Uma coisa é proclamar a democracia em teoria outra coisa e pô- -la em prática... Este país precisa de alguém que tenha demonstrado com o exemplo e a vida pessoal o que quer dizer lutar pela democracia e a liberdade para todos os mo- çambicanos. Esse homem existe e chama-se Afonso Dhlakama. É isso que demarca a nossa diferença com os outros partidos e é por isso que a Renamo vai ganhar as próximas eleições.

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