quinta-feira, 25 de junho de 2015

Em mais de 20 anos de paz, afinal a integração política, militar e económica da Renamo fracassou!

As ideias que pretendo partilhar sobre a presente situação política, social e económica do país sublinham os seguintes pontos de vista: a) Que as eleições em Moçambique continuam a ser uma maldição, aos olhos do povo; b) Que as ultimas eleições, de Outubro passado, foram das mais tensas da nossa jovem democracia, porque foram antecedidas de retorno à violência militar; c) Que o diálogo entre o governo e a Renamo, principal força da oposição, já está esgotado; sendo necessários novos formatos e novos actores, com nova linguagem e novas referências políticas e morais; d) Que um sentimento generalizado de abandono e de frustração das populações pode avolumar-se rapidamente, e tornar-se em campo fértil para a instabilidade e a ingovernabilidade do país, se novas mensagens de esperança não surgirem com urgência. 1. Eleições realizadas em clima de alta tensão política. 
O clima político e social que marca os dias de hoje reflecte, uma vez mais, os resultados das nossas eleições, em Moçambique: Uma vez mais, as eleições, realizadas em Outubro do ano passado, apresentaram-se aos olhos do povo, não como um direito fundamental de cada cidadão, mas como uma maldição sobre a Nação! Porque, uma vez mais, terminaram mal, pois o maior partido da oposição não reconhece os seus resultados. E estas eleições foram realizadas em ambiente de alta tensão política, como consequência do conflito político militar que abalou o país, no período entre Junho de 2013 e Setembro de 2014, provocando vítimas mortais, destruição de infra-estruturas e grandes prejuízos económicos. E qual tinha sido a causa deste conflito? A primeira causa, a causa mais imediata, era o desacordo entre o Governo e a Renamo, sobre a legislação eleitoral e os resultados que ela produzia, de cinco em cinco anos. Passaram-se dois anos de negociações sem resultados na Assembleia da República, em torno da revisão do pacote eleitoral, até que o Parlamento foi abandonado, e representantes do Governo e da Renamo abriram negociações do Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano! E assim, enquanto decorriam escaramuças na região centro do país, as duas partes estavam reunidas em duas instâncias distintas: na Assembleia da República e no Centro de Conferências Joaquim Chissano! Situação política, social e económica do país exige novo discurso político! (Na nossa opinião, este cenário, de duas instâncias de diálogo entre as mesmas forças, foi um sinal muito forte do fracasso da nossa democracia! Porque o Parlamento, sendo o único órgão do Estado onde todas as forças mais representativas do povo moçambicano estão reunidas, deveria ser a casa dos consensos. Mas não tem sido. Por isso foi abandonada, e os mais importantes assuntos da Nação passaram a ser debatidos em outros fóruns!) Entretanto, as hostilidades cessaram quando a legislação eleitoral foi revista, nos moldes desejados pela Renamo - e que eram rejeitados pelo partido no poder, em sede da Assembleia da República! A Renamo saudou as novas leis eleitorais, e disse que elas, sim, desta vez iriam garantir eleições verdadeiramente democráticas, justas e transparentes! No dia 5 de Setembro, portanto quando faltava pouco mais de um mês para as eleições, as lideranças do Governo e da Renamo rubricaram o Acordo de Cessação das Hostilidades; e partiram para as campanhas eleitorais, em clima de alta tensão e desconfiança mútua! Mesmo na cerimónia da assinatura do Acordo de Cessação das Hostilidades esteve patente nos rostos dos signatários, que o conflito estava longe de terminar! Porque, na realidade, todos sabiam que os problemas de fundo não tinham sido resolvidos! Mais ainda: sabiam que as eleições, em si mesmas, jamais trariam soluções que fossem satisfatórias, na mesma medida, para as duas partes! Quando se realizam as eleições de Outubro de 2014, o principal partido da oposição, a Renamo, estava muito ressentida daquilo que ela considerou como uma tentativa do seu adversário, de a eliminar, politicamente e militarmente, ou de eliminar fisicamente o seu líder, o Sr. Afonso Dhlakama. E esse sentimento, espalhado entre os seus apoiantes, deu à Renamo uma força renovada durante a campanha eleitoral, o que foi testemunhado pelas multidões que seguiam os comícios do seu líder no Centro e no Norte do País. Estes banhos de multidão reforçaram nas mentes e nas hostes da Renamo a expectativa de uma vitória significativa. Por seu lado, a FRELIMO foi à campanha certamente consciente de que a sua imagem popular tinha sido fragilizada, por não ter sido capaz de prevenir e evitar o retorno à guerra. Em segundo lugar, nesse período o partido no poder estava a gerir um processo de transição interna, das suas lideranças, que se mostrava complicado e, por vezes, encalhado. E estas situações assustaram profundamente o partido no poder. Em resposta, ele mobilizou-se fortemente, em pessoas, em recursos e em estratégias diversas, para resistir a esta ameaça. 2. Um diálogo de fracassos e frustrações E quando os resultados das eleições são anunciados, com uma maioria absoluta do partido no poder, este mesmo partido político não escondeu a dificuldade que teve para este resultado, segundo as palavras do Presidente Guebuza, o qual disse, no dia 30 de Dezembro, que esta vitória foi “arrancada”! Ora, o significado da palavra arrancar, pode levar-nos a pensar que se trata de algo obtido com força e violência! - Mesmo que não seja violência física! Em reacção, a RENAMO alegou fraude maciça, que poderia ter-se traduzido em mais de um milhão de votos roubados, ou votos introduzidos de forma fraudulenta a favor do adversário, e a Renamo propunha uma solução política transitória, até as eleições de 2019. Tal solução iria consistir na formação de um Governo de Gestão, constituído por tecnocratas. A função de tal governo seria gerir um processo de transformação do Estado, despartidarizando-o e preparando as condições para elei- ções mais justas e mais transparentes, em 2019. Mais tarde a ideia de um Governo de Gestão foi abandonada, e no seu lugar foi lançado o projecto de Autarquias Provinciais. E qualquer destas propostas foi liminarmente rejeitada pelo adversá- rio, que despachou equipas para as províncias, para transmitir ao povo que tais propostas seriam rejeitadas, mesmo antes de serem apresentadas no Parlamento, porque poderiam dividir o país. E assim, a rejeição destas propostas, no Parlamento, voltou a colocar o país na linha da tensão e do conflito. E o dirigente da Renamo afirma que, com ou sem acordo com o Governo, este partido vai governar nas seis províncias do Norte e Centro de Moçambique, onde ela considera ter ganho as eleições! Em consequência da reprovação parlamentar da proposta de Autarquias Provinciais, também ficou bloqueado o diálogo que decorria no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano. Após quase dois anos de diálogo, com mais de 100 rondas, as partes não lograram encontrar soluções claras e definitivas, para os dois principais problemas políticos do país: a) o desarmamento final da Renamo e b) A despartidarização do Estado - o mesmo que dizer, a arrumação de um Estado preparado para enfrentar o problema da exclusão política, que gera outras exclusões sérias: a exclusão social e a exclusão económica! E os mediadores nacionais, esgotados e frustrados, vieram a público, apelar para o diálogo regressar ao Parlamento - donde saiu há dois anos, exactamente por falta de progresso! Mas os mediadores têm ainda outro apelo: que o diálogo envolva mais sectores da sociedade! 3. Fracasso da integração política, militar e econó- mica da Renamo e sentimento de exclusão O presente quadro político, de intensa desconfiança entre as partes, parece confirmar-nos um facto muito importante: em mais de 20 anos de paz, afinal a integração política, militar e económica da Renamo fracassou! Independentemente de causas e de eventuais culpados, a realidade manda-nos encarar os factos e reconhecer que a Renamo ainda não se sente integrada na vida política e socio-economica do país - e na nossa opinião este é o problema central de todo o debate! Este problema, sendo complexo, não pode ser resolvido apenas através de eleições periódicas - e sobretudo na forma como os seus resultados têm sido interpretados na prática, nomeadamente pelo partido vencedor! A este respeito, devemos lembrar- -nos sempre de um importante acordo político alcançado nas negociações de Roma: em Roma, as partes acordaram em rever o sistema de distribuição de votos que estava consagrado na Constituição de 1990 - que era o chamado sistema de maiorias. De acordo com este sistema, o Partido que ganhasse a maioria dos votos, num determinado círculo eleitoral, deveria tomar todos os assentos Parlamentares reservados para esse círculo eleitoral - que corresponde a uma Província! Ora, este principio foi revisto, e em seu lugar adoptou-se o chamado sistema de representação proporcional, em que cada Partido fica com a percentagem que obteve em cada Província, não importando se grande, ou pequena! É na base deste princípio que se constituem as bancadas do Parlamento; é na base deste princípio que se constituem outros órgãos importantes do Estado, como o Conselho Constitucional; a Comissão Nacional de Eleições; o Conselho Superior da Comunicação Social; o Conselho Superior da Magistratura Judicial, etc. Mas a aplicação deste princípio limita-se apenas a estes órgãos. Na nossa opinião, este princípio deveria ser transversal a toda vida política nacional, e por essa via, o mesmo princípio iria ter consequências nos assuntos económicos, nos assuntos militares e outros E qual o resultado mais expressivo deste problema? É o sentimento de exclusão! E como se concretizam os processos de exclusão? Na maioria das vezes, através de interpretações legalistas de questões politicas. Assim, os requerimentos de impugnação de processos eleitorais, são rejeitados, porque não obedeceram à forma prescrita pela Lei; propostas políticas mais ousadas, de redistribuição do poder, são igualmente rejeitadas, porque não estão em harmonia com a Lei ou com a Constituição da República, etc. E as rejeições baseadas numa interpretação literal da lei, significam que os assuntos não são debatidos; que os argumentos das partes não têm oportunidade de serem esgrimidos e confrontados entre si! Ora, na nossa opinião, o recurso sistemático a razões de legalidade ou de constitucionalidade, como meio para fechar debates abertos e francos sobre problemas da sociedade, pode acentuar o sentimento de exclusão de muitos moçambicanos. Porque, no fim do dia, quando de cada vez que aparece uma sugestão ela é anulada porque é ilegal ou inconstitucional, abrem-se dois riscos: o primeiro risco é os proponentes sentirem que, através da lei, nada poderão mudar. E assim vão-se interrogar sobre que outros meios podem usar para alcançar mudan- ças? O segundo risco, consiste em transformar-se a lei num bem sagrado, numa verdade bíblica! Mas afinal é apenas um texto por nós próprios produzido, e que por isso podemos nós próprios alterar! Se isso for necessário para o bem comum! 4. Urgente a intervenção de novos actores sociais com novas referências políticas e morais O ponto de bloqueio a que as duas maiores forças políticas do nosso país regressam sistematicamente, parece transmitir-nos a seguinte conclusão: o modelo e a linguagem de diálogo usados, desde os Acordos de Roma, já estão esgotados! Temos a forte impressão de que o conteúdo das palavras “paz”, “ reconciliação nacional”; ou da expressão “Unidade Nacional”, etc. - estas expressões já perderam o seu verdadeiro significado, neste formato de diálogo. Estamos, por isso, convencidos de que outras forças sociais devem jogar papel mais preponderante no processo. Em estreita colaboração com o Parlamento, pensamos ser de considerar seriamente intervenções mais robustas, de forças sociais como as seguintes: a) Organizações religiosas, enquanto congregações e não apenas a título individual de uma ou de outra figura; b) O Sector privado, como actor importante da economia nacional; c) A Academia, como fonte de racionalidade e do pensamento equilibrado. De contrário, receamos que, perante um sentimento generalizado de frustração entre as populações, possa ser campo fértil para o incitamento a caminhos de grande instabilidade e desordem social, o que só poderia piorar os níveis de pobreza e atrasar ainda mais o desenvolvimento económico e social harmonioso do país. * Excerto editado pelo SAVANA da intervenção apresentado pelo autor na Conferência Nacional sobre Reconciliação e Paz, organizado pela Rede Religiosa para Reconciliação e Paz, que decorreu na Beira nos dias 26-27 de Maio. 

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