sexta-feira, 12 de junho de 2015

Do último interrogatório a José Sócrates

O interrogatório a Sócrates: “O sr. procurador não pode ser assim uma virgem vestal”

"O sr. procurador não pode ser assim uma virgem vestal", terá dito José Sócrates a Rosário Teixeira. O interrogatório está publicado na revista Sábado e mostra um Sócrates indignado com a acusação.

PAULO CARRIÇO/LUSA
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É a descrição detalhada do último interrogatório a José Sócrates – que não só foi gravado, como está agora espelhado nas páginas da revista Sábado. O que lerá a seguir é uma síntese desse trabalho, contando a reunião em Lisboa ocorrida a 27 de Maio – se quiser ler a integral, vale a pena comprar a revista. Vamos ao guião, ponto a ponto:

O encontro começou com José Sócrates a pedir a palavra. “O que tenho a dizer é muito desagradável, mas tenho de o dizer: estas imputações são falsas, todas elas. Não há neste documento um pingo de verdade. E lamento que o Ministério Público não se interesse pela descoberta da verdade, mas que esteja mais concentrado na perseguição”. Sócrates acusou Rosário Teixeira, responsável pelo processo, de esconder os últimos beneficiários das contas de Santos Silva na Suíça (aquelas que o MP suspeita que serviam de veículo para o ex-primeiro-ministro. “Não é o meu nome que está lá”, disse Sócrates.

De seguida, Sócrates acusaria Rosário Teixeira de o insultar, acusando-o de ser corrupto “só por ter um contrato com uma farmacêutica”. O procurador interrompeu-o nesta fase, negando ter dito algo semelhante. A reunião acabaria por decorrer com sucessivas interrupções deste tipo, diz a revista.

A dado passo, o procurador levanta as novas suspeitas sobre as operações de compra da antiga quinta em Sintra de Domingos Duarte Lima – nomeadamente com passagens de propriedade, para um primo de Sócrates e, depois, para um empresário do grupo Lena. A resposta de Sócrates foi no mesmo registo: “E, portanto, como era do meu primo é meu. Pronto, é assim que os senhores fazem imputações. Epá, parabens”. E nem o pedido de Rosário Teixeira para que argumentasse resolveu: Sócrates tomou as perguntas como um insulto. E aproveitou para questionar porque não havia uma acusação num prazo razoável, “de seis meses”. “Não é altura de metermos a mão na consciência, senhor procurador?”.

Rosário Teixeira voltaria à quinta de Sintra. E Sócrates a negar conhecer o local ou sequer de ter conversas sobre o assunto: “Não me lembro de nada disso. Eu não sou íntimo do Duarte Lima. A não ser que queira pôr aqui que, como era propriedade do Duarte Lima, então pertencia ao Sócrates. Não quer acrescentar?“. O procurador não desistiu – e falou da venda da quinta e de um pagamento feito a Carlos Santos Silva, no valor de um milhão de euros, mais estranho quando o empresário não figurava como dono do terreno. Sócrates irorizou: “É natural, é meu”.

Os negócios do primo de Sócrates voltariam à baila, depois no que respeita aos terrenos em Vale do Lobo e em Angola – também na mira do MP. Rosário Teixeira perguntou a Sócrates se conhecia. A resposta foi negativa e veio com um desafio: “Pergunte-lhe a ele, não o posso ajudar”. Mas o procurador insistiu com Angola, dado que a transferência financeira entre o primo de Sócrates e Hélder Bataglia (da Escom) foi feita antes da venda dos terrenos respetivos.

Sócrates aproveitou para pedir contas à investigação: “Como é que o senhor se atreve a fazer-me imputações de corrupção em casas da Venezuela, concessões rodoviárias, TGV, Parque Escolar e, agora, o aeroporto? Se tem algum elemento, faça o favor de me apresentar”, disse Sócrates. A resposta de Rosário Teixeira foi com uma pergunta: “Admite que alguma vez o senhor Carlos Santos Silva tenha pedido contrapartidas à Lena invocando o seu nome?”. E Sócrates respondeu: “Não, não admito, porque tenho a melhor das ideias do Carlos Santos Silva”. A discussão azedou e Sócrates acabou por desabafar: “Escreve aqui corrupção e pronto. Isso é só para me manterem na prisão. Não consegue precisar nada”.

Depois volta o caso de Vale do Lobo, onde Rosário Teixeira fala de uma “coincidência entre um pagamento a Hélder Bataglia e a aprovação pelo Governo de então do Plano de Ordenamento que autorizaria o empreendimento. Resposta de Sócrates: “A única coisa que sei de Vale do Lobo é o restaurante onde ia de vez em quando jantar. Não faço ideia quem são os acionistas”, terá dito, de acordo com a Sábado. “O senhor está a dizer que houve corrupção. Isso é mentira, senhor procurador. E não se faz uma acusação dessas sem que o senhor diga ‘olhe, tenho aqui estas provas'”. E nova pergunta do procurador: “Porque é que houve então um pagamento da parte de Vale do Lobo a Carlos Santos Silva?”. Resposta: “Desculpe lá, mas eu sei lá isso”.

As gravações da audição mostram que, no longo interrogatório, Sócrates fez acusações sucessivas aos procuradores e ao modo como o estavam a “perseguir”. Rosário Teixeira responderia que o tratava “como outra pessoa qualquer”, Sócrates reagiria dizendo que não, numa frase entendida por Rosário Teixeira como ofensiva. “Desculpe, eu não estou a ofendê-lo, estou a criticá-lo (…). O sr. procurador não pode ser assim uma virgem vestal a quem não se pode dirigir uma crítica”, acusou Sócrates, referindo-se às sacerdotisas virgens que faziam o culto da Deusa romana Vesta.

A fechar o interrogatório, houve ainda perguntas sobre viagens a Vezena, em dois finais de ano consecutivos, que Carlos Santos Silva terá pago a Sócrates e a amigos e família quando este era primeiro-ministro. Sócrates confirmou as viagens, mas insistiu na sua relação de longa amizade com o empresário. O inspetor tributário, que estava também presente, perguntou porque algumas faturas foram passadas em nome do ex-PM e depois corrigidas – ficando em nome de Santos Silva. Sócrates alegou não se recordar dos detalhes de uma viagem com vários anos e Rosário Teixeira insistiu: “Se me tivessem oferecido um fim de ano em Veneza, com certeza eu lembrar-me-ia de quem é que ofereceu. Por isso mesmo é que lhe foi feita a pergunta”. E Sócrates, de novo: “Não vá por aí, não vá por aí, pá”

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