quarta-feira, 10 de junho de 2015

Carta aberta a S. Excia. ministra da Saúde - Por Orlando Alberto Chirrinze

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Vozes - @Hora da Verdade
Escrito por Redação  em 09 Junho 2015
Uso este mecanismo para fazer chegar a S. Excia. os meus pontos de vista sobre a gestão do Ministério da Saúde (MISAU). Reconheço que a senhora assume a direcção do MISAU num momento particularmente difícil, devido a problemas estruturais e conjunturais que o país e, muito particularmente, o sector enfrenta, ainda na ressaca da crise financeira e económica mundial, iniciada em 2008 nas longínquas terras do Tio Sam, com a queda de um banco hipotecário.
Num passado recente, o sistema entrou em ebulição com epicentro na greve da classe médica. O Governo tomou medidas paliativas, que não são sustentáveis a longo prazo. É verdade que a classe médica beneficia ultimamente de reajustes salariais substantivos acrescidos de outros benefícios sociais como os subsídios de exclusividade e de renda de casa. Mais: têm estatuto próprio, o que representa, claramente, um ganho para o sistema e, sobretudo, para os médicos.
Mas há um perigo iminente: a elitização da classe médica, que nem é a mais sacrificada do sistema, pode levar à insatisfação das demais classes profissionais como, aliás, já aconteceu no aludido passado recente. É necessária e urgente a aprovação do Estatuto do Profissional de Saúde. Afinal, partilhamos com o médico o mesmo gabinete de consulta, a mesma enfermaria e o mesmo doente!
Como S. Excia. sabe, existem várias associações profissionais dentro do Sistema Nacional de Saúde (SNS), sendo de destacar a ANEMO e a AMM. Essas associações profissionais precisam de se filiar numa única frente sindical (do tipo Sindicato Nacional dos Profissionais de Saúde – SINPROSA) que, por sua vez, será filiada ao Sindicato Nacional da Função Pública – SINAFP.
A lei da sindicalização já foi aprovada, cabe ao MISAU, através da Direcção de Recursos Humanos, emanar orientações e instruções sobre a sua operacionalização no SNS. Muitos vão dizer que a sindicalização é da responsabilidade dos próprios funcionários; é verdade, mas o ministério tem o seu papel e responsabilidade perante os seus quadros.
Muitas instituições do Estado determinam suplementos salariais aos seus funcionários e agentes como forma de colmatar o crónico problema de vencimentos baixos. São disso exemplo o Instituto Nacional de Acção Social (INAS), para além de outras instituições que gozam de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. O MISAU já o faz em relação aos médicos, mas precisa de alargar esse leque de subsídios às demais carreiras e categorias profissionais. E pode usar da sua capacidade negocial para aumentar o valor do subsídio do almoço e garantir que o seu pagamento seja regular.
Um dos maiores problemas do sistema socialista é a excessiva “subsidiarização” dos serviços sociais básicos. Com efeito, a consulta médica, os exames médicos e outros meios auxiliares de diagnóstico, bem como os medicamentos, são na sua maioria gratuitos. Isso encarece as despesas do sistema e influi negativamente na qualidade dos serviços prestados. Sabe-se que os cuidados de saúde constituem um direito fundamental, mas isso não exime os utentes da sua responsabilidade de comparticiparem.
Nunca a população vai dar valor à rede mosquiteira, ao paracetamol, ao preservativo, aos exames laboratoriais, à pulverização e a outros serviços e produtos enquanto forem gratuitos. Já notou, Excelência, que as pessoas cuidam mais dos cadernos do que dos livros, só porque aqueles foram comprados e estes são de distribuição gratuita?
As pessoas não só não podem, como também têm medo de ir à clínica privada porque sabem que vão gastar o que muitas vezes nem têm. Pode parecer caricato, mas isso funcionaria como elemento preventivo de certas doenças. É preciso rever as taxas cobradas e adequá-las à realidade e necessidades actuais. Isso minimizaria a falta de medicamentos e colmataria a exiguidade do orçamento, através das receitas consignadas.
Excelência, é preciso fazer um mapeamento dos quadros do sector e as suas respectivas áreas de formação. O MISAU não pode nem deve viver apenas de médicos e enfermeiros. Tem muita gente formada em Recursos Humanos (RH), Estatística, Sociologia, Direito, Gestão, etc., que poderia dar o seu contributo noutras áreas de apoio (RH, Contabilidade, Património, Aprovisionamento, entre outras). Não se pode apenas dizer que as pessoas se desviaram dos seus cursos. O sector tem também necessidades noutras áreas do conhecimento.
Tomei a iniciativa de lhe escrever porque confio na sua capacidade e, acima de tudo, na sua sensibilidade em relação aos assuntos que apoquentam o sector. S. Excia. é como uma mãe para todos nós. Talvez seja por isso que lhe nomearam ministra, neste momento difícil em que o sistema poderia colapsar. O coração de uma mulher é um coração de sensibilidades. Espero que faça não milagres, mas o possível para moralizar o sistema e devolver a dignidade ao profissional da Saúde. Sei, igualmente, que, apesar de todas as suas inúmeras e multifacetadas ocupações, há-de ler esta humilde carta caso lhe chegue às mãos e levar em conta as propostas que for a considerar válidas.
S. Excia. é uma mulher de acção, demonstrou-o quando ainda era vice-ministra. Lembro-me de que, aquando da sua passagem por este distrito onde me encontro a labutar em Abril de 2010, resolveu o problema da falta de ambulância e de elevadas dívidas com os fornecedores de combustível, um gesto sem paralelo nesta terra de Ngungunhane, onde todos os dirigentes que por aqui passam só se comprometem a “encaminhar o caso para as estruturas competentes”.
Termino fazendo votos para que continue a trilhar esse caminho sinuoso e espinhoso, certo de que, no final do mandato, todos iremos colher os frutos do trabalho conjunto e quem vai agradecer é o maravilhoso povo moçambicano, porque “o nosso maior valor é a vida”.
Por Orlando Alberto Chirrinze

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