quinta-feira, 7 de maio de 2015

PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE (última parte)

Eis onde se pode encontrar o artigo http://www.gouvealemos.blogspot.pt/

PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE (última parte)

O compadre Tomás apanhou-o na queda e meteu-lhe um ombro sob o sovaco, puxou-lhe o braço à roda do pescoço e levou-o, de pernas bambas, pés a arrastar, os dois aos bordos, numa solidariedade forçada. O compadre Tomás, enfermeiro do Quadro de Saúde, ia a pensar na vida do João e perguntava-se a si mesmo, se fazia bem ou mal em levá-lo a casa. Ao mesmo tempo ia reparando em que a viagem, assim, era nervosa e cansativa. Quando chegaria ele, Tomás, à sua casa? E pensava, Tomás, que entraria de serviço na manhã seguinte, bem cedo. João resfolgava. Que idéia a tua João!

*

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FIM

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domingo, 6 de junho de 2010

PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE (05)

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Também varam a noite outras mulheres, sem filhos no dorso. Sem filhos no dorso, que atrapalhariam o “twiste” . Entram com a sua parte no coquetel do grande “show” nocturno, misturando-se com as espanholas e as gregas e as transvalianas, da cançoneta e do baile. São elas as encarregadas do “tic” exótico. Como começaram, como vão acabar, oh! la, la! – isso é que interessa? Para já, bebem e fumam, dançam e divertem.

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Rápida corrida para os cinemas. Rápida corrida para casa. Um atrasosinho para meio bife. Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. Lourenço Marques, a moderna capital da província portuguesa de Moçambique, é uma cidade que cresce espectacularmente.

Os jornais, esta manhã, dizima todos o mesmo. Os que não diziam o mesmo diziam, obrigatoriamente disparates. Os que não diziam disparates não diziam nada. Mas será verdade o que eles dizem?... E o que eles não dizem, será verdade?...as consta, me garantiram-me ... Deixe que eu pago os cafés. Até amanhã.

*

Antes de ir para a cama, ainda quero dizer que Lourenço Marques é uma cidade acentuadamente desportiva. As piscinas, os “courts” de tênis, os estádios abertos e cobertos, o Eusébio. Agora temos uma estação aéreo muito melhor para receber hoquistas.
Pronto, as redações fecharam. Ficaram os impressores a fazer os jornais. Só falta cumprir a conversa de bar. Começa em nobreza: a “cidade de caniço” foi o grande assunto jornalístico deste ano; devemos comprometer-nos a explorá-lo toda a vida. Concordam? Tudo concorda. Mais adiante umas garrafas, surge a primeira discrepância. Pequena. Depois outra, maior. E outra e outra. Vem a mãe das discrepâncias e cerra o horizonte da bula-bula. Só há uma solução: cada um fala do seu assunto. E vários monólogos simultâneos dão todo o esoterismo da conversa de bar.

(Continua...)
Foto do de Ricardo Rangel, que tratava Gouvêa Lemos como "meu Mestre".
Fonte: Blog ZAN AFRICAMAGAZINE
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quinta-feira, 3 de junho de 2010

PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE (04)

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Sobretudo a praia, a praia principalmente. Eis o grande atractivo turístico da turística Lourenço Marques. É certo que há os camarões e os lagostins. É certo. E as lojas dos chinas e a arte indígena. O ambiente muito continental dos hotéis e a pincelada ibérica das touradas. E a hospitalidade, também, de que as turistas (nem sempre) se queixam. Mas a praia, sim, é que dá o tom. Por isso a marginal é o que é, e se tornou obrigatório rodar por ali, doze quilômetros a ir, doze quilômetros a vir. E por isso, também o Sr. Alves Pinheiro se embasbacou e falou dos “seus clubes navais”... Por trás dumas grades acampam turistas vermelhos que comem bananas. A gente vai vê-los, quando eles não estão comendo bananas e sim a porem-se vermelhos sobre a areia. Convencionou-se que elas são todas “giras”, o que dá uma certa alegria à rapaziada, que se embebeda, também convencionalmente, com coca-cola.

*

Do sétimo andar caiu um belo vasinho de avencas. Escarrapachou-se no tejadilho do Hilman do senhorio. Um magnífico fim de tarde, prenhe de interesse, espumante de agitação. O senhor Freitas, seu marido, prefere a pesca de paredão. Ao menos ali, ninguém o chateia nem fala de ninguém. Deixou foi de levar o “transistor” para pousar na balaustrada, pois afastava os safios.

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Além da pesca desportiva, há a outra, sobre qual as teorias são diversas, parecendo, porém, provado que nas águas do Canal de Moçambique pescam bem os japoneses. Entretanto poveiros em traineiras, gente de Marracuene em “tatarjos”, indianos em barcos à vela, lá vão trazendo o teu peixe, amiga cidade. Arrancado a pulso, com saber e paciência, ao teu amado Índico. Mulheres, de filhos no dorso, varam a noite, metidas na água salgada até às coxas, caçando mariscos para o teu caril dominical e para ornamento da rendosa “season”. Peixe e mariscos para regatearmos bem regateados, que a visa, assim a subir... mas que grande roubalheira!

(continua...)
Foto da Marginal de Lourenço. Pescada no blog Diary of a Stay at Home Mom
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quarta-feira, 2 de junho de 2010

PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE (03)

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Negros Mercedes-Benz são lavados sob alpendres das moradias, no Sommerchield; fardas de impedidos, paletós de motoristas, fardetas de moleques passam as cancelas de ferro. O pão já veio. Saem meninos para a escola. Lá para a rua Nevala, comanda um clarim com voz de galo. O Grêmio Civil ainda tem os vidros embaciados e já o sol toma banho na baía. É verdade: na baia, convém que um navio apitasse. Embora a chuva que há-de vir já traga, à cidade inteira, os silvos das locomotivas em manobras. E uma ambulância corra, tão cedo, com a sirene a gritar, pela Pinheiro Chagas, levando a mulher que ia tendo a criança na rua. Suponho que já chega de música de fundo, com a ubíqua motorizada na bateria.

*

Cai toda a gente no afã de ganhar a vida consumindo outro dia. Tilintaram relógios de ponto. Chaminés largaram uns fumos de indústria. Caixeiros iniciaram o eterno dobra-e-desdobra das peças de tecido. E as barcas da Catembe vêm e voltam , carregando e descarregando gente, cestas e cangarras. Nos mercados municipais ou furtivos agitam-se figurantes em cenário de natureza morta. Compradores e vendedeiras fazem torneios de voz alta. A bela Juju ainda na cama, acorda e boceja; só agora dá conta, em câmara lenta, da noite que foi a noite passada. – Ahahnnn ...., foi demais, ela própria confessa, e enovela-se em busca do sono, que ao fugir, a deixa nua diante de si. . Vamos fugir da Juju, que ela vai chorar.

*

Entretanto, lembremo-nos dela, ingenuamente fingindo de ingênua-bardot, a passar na Avenida da República, rentinha às mesas do Continental, entre as cinco e cinco meia da tarde. Não há lugares para mais ninguém nem é preciso haver, que estão lá todos do costume. As pessoas falam uma com as outras, não se olhando, pois o olhar é preciso para quem passa. As conversas... ora para que falar das conversas? Não interessam e nem podem interessar até porque, se interessarem, quem as apreciaria mais não seriam os interlocutores mas aquele sujeito da mesa ao lado; quem é ele, que faz ele, que está sempre na mesa do lado?...

(continua...)

Foto: Av. da República, Lourenço Marques na década de 60. Foto apanhada no Blog "Rua dos dias que voam"

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terça-feira, 1 de junho de 2010

PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE (02)


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São quatro e meia da manhã e o vermelho machibombo arranca em frente do Bazar do Xipamanine, com os seus cigarros “king size” e seus sorrisos de dentifrico nos lombos, carregando lá dentro sob as luzes amarelas cinqüenta e tal estivadores, rumo à Praça Mac-Mahon. Que é do sol, que ainda não veio alumiar estes heróis no avanço do cais Gorjão, onde vão manusear às lingadas o pão nosso de cada dia? Que é do sol, que se guarda para acordar a Polana?!
Minha amiga cidade, atenção a esse sol, não vá ele aburguesar-se.

*

Pela Avenida Craveiro Lopes, já vem chapinhando na água das chuvas, chap-chap, os pés descalços no leito do asfalto do rio parado, o mainato, os moleques, os cozinheiros, os mufanas, as mamanas, os serventes, os ardinas. Os camiões de lixo recolhem. Os de leite circulam. Na Caldas Xavier galopa uma carrinha de quatro cilindros, trabalhando em três e batendo os guarda-lamas, com um cão a ladrar-lhe. Leva galinhas, ovos e papaias.

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Mesas empilhadas e cadeiras encolhidas junto das cervejarias, água e vassouras espreitando às portas, criados retirando as latas vazias de lixo, vai começando o ronronar contínuo dos motores de toda a casta de bichos com rodas, e – bom dia Lourenço Marques! – o sol já nasceu sim senhores, que as empregadinhas já pisam , e pisam bem, e ainda bem que pisam, as ruas que descem para as lojas, para os armazéns, para os salões, para os escritórios, para as repartições, ah! as empregadas já vêm, faladoras, os cabelos cacimbados do chuveiro, ó cidade amiga, elas dão-te mais graça, elas são mais frescas, elas são mais repousantes que todos os parques e jardins!

(continua...)
Foto: Café Continental e um machibombo vermelho. Foto do site NRP Álvares Cabral F336
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segunda-feira, 31 de maio de 2010

PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE (01)

Vou hoje começar a reeditar a crônica “PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE”, de 24 de Julho de 1963, de Gouvêa Lemos quando este escrevia para o jornal “Dário de Moçambique” da então Lourenço Marques.
Uma crônica, como muitas dele, que fazia fundir o cronista ao poeta. A poesia que “homenageava” a sua Lourenço Marques com o olhar critico sobre os contrastes das diferenças sociais da então capital da província.
Colocarei a mesma por partes, pois cada parágrafo desta crônica já por si merece ser lida como um instantâneo daquela Lourenço Marques, e desta forma dividirei com os leitores.

Zé Paulo

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PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE
O sol nasce agora às seis e trinta e seis, mas continua a nascer no mar como em todo o ano. No lado noroeste da cidade não esperam por ele para começar o dia; usam madrugadas com lua, auroras de pobre.

*

O Samuel, que é um contínuo num terceiro andar da baixa desde as sete às dezassete e come o farnel à sombra de árvores, chamadas em latim no Jardim da Gama, e vai à noite às aulas da Industrial, mora as restantes quatro horas no Chamanculo. Chega ali já noite alta; sai de lá antes que a noite finde. Samuel é um morcego que sonha ser pássaro. Minha amiga cidade, Samuel será pássaro, não será ?

(continua...)
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sábado, 22 de maio de 2010

Natal - 70

Como havia comentado no post anterior, coloco agora o segundo poema que o José Moreira de Carvalho tinha guardado junto a outros seus pertences. É um poema recheado de saudades de uma filha que pela primeira vez não passava o Natal junto a si e a todos nós.
Haviamos perdido a Joãozinha em 1970 com paludismo, na época na Beira quando recem havia completado 8 anos de idade.

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quarta-feira, 19 de maio de 2010

epigrama porventura válido

Coloco hoje aqui um poema, da década de sessenta, que há muitos anos não o lia. A folha datilografada pelo próprio Gouvêa Lemos, com algumas correções feitas também pelo próprio, estavam guardadas por um Tio, o José Moreira de Carvalho, junto com outro poema, que aqui também colocarei por estes dias, e a outros seus pertences.
O José Moreira de Carvalho, cunhado do Gouvêa Lemos, em outros tempos farmeiro na região de Vila de Manica, foi sempre um grande admirador e irmão do GL, e só isso o faria guardar por tantos anos estes dois presentes que acaba por nos presentear.
Obrigado Tio Zé!

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sábado, 15 de maio de 2010

As cartas anônimas

[In: Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1:680, 27 de Novembro de 1957, p. 1]
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Estou a ouvir aquela voz nortenha, franca e sã, com ressaibos de Miragaia, da Hora dos Pobres. O paciente senhor queixa-se das cartas anônimas que recebe e, muito a propósito, declara que mais valia terem ficado analfabetos os seus autores.
Tem razão.
Isto de saber ler e escrever começa a ser uma coisa horrível. Pelas libertinagens que ocasiona e pela coacçöes e inibições que traz.
- O senhor doutor sabe ler e escrever?
- Sim. Infelizmente, sei.
Também tinha razão o bacharel, que respondia ao burocrata.
É uma carga de trabalhos este dote de - tão simplesmente - saber ler e escrever. O que nos faz ler! O que nos apetece escrever...
Mas as cartas anónimas, essa miserável cloaca, para onde convergem os recalques e as misérias dos tais - que sabem ler e escrever é uma necessidade lamentável e tristíssima, como outras chagas de humanidade, que subsistirão, enquanto a humanidade não for melhor que isto. São a única justificação, a simples aplicação de muito diploma de instrução primária.
O único remédio conhecido, que pode resultar alguma coisa, na profilaxia de tal moléstia, é a coragem de não ler as cartas anónimas.
Dominar a curiosidade, o sadismo, o masoquismo e antes de percorrer com os olhos todas as linhas, atirar ao lixo esses documentos de baixeza.
Mais efectivo, mais radical seria não aprender a ler.
Eu vou mesmo ao ponto de propor uma campanha de analfabetização.
Começa a haver gente de mais, que sabe ler e escrever...

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domingo, 9 de maio de 2010

Por trás de um grande homem existe sempre uma grande mulher...

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Há uma famosa frase que diz que “por trás de um grande homem existe sempre uma grande mulher”.
Em nossa casa isso sempre ficou bastante evidente, tanto quando o Pai era ainda presente fisicamente como depois da sua partida.
Para homenagear a companheira de Gouvêa Lemos neste Dia das Mães no Brasil, coloco aqui hoje uma crônica do José Craveirinha desenvolvida em cima de uma carta que a Mãe lhe enviou poucos meses depois do falecimento do Pai, ainda em 1975, mas quando nós já havíamos retornado a Moçambique e tínhamo-nos instalado em Vila Pery.
É esta uma homenagem que faço à Mãe pelo Dia das Mães mas é também uma obrigação de aqui deixar formalizada a importância da Madalena como companheira de Gouvêa Lemos.

Foto: Madalena e Gouvêa Lemos


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sábado, 1 de maio de 2010

“Dignidade no Trabalho”

Em homenagem ao Dia do Trabalhador transcrevo aqui uma crônica do Gouvêa Lemos de 1963 no ambiente de um Moçambique colônia onde, naquele período, atingiu um dos picos da hipocresia deste sistema colonialista pilotado por uma ditadura fascista.
Felizmente já haviam pessoas como Gouvêa Lemos que percebiam como o sistema funcionava, mas infelizmente eram ainda poucas. Ainda que nem todas, como Gouvêa Lemos, não fossem vozes carimbadas pelas "frelimos" principalmente de hoje.
A foto que coloco aqui para ilustrar parte dessa hipocresia é do grande fotógrafo Ricardo Rangel.

Zé Paulo


“Dignidade no Trabalho”
[Coluna “Teclado Universal” de Gouvêa Lemos – Jornal Tribuna – 1963]

A dignificação do trabalho é uma bela meta. Aliás antiga. Trata-se de expressão que faz voga e continua a brilhar em discursos de circunstância, especialmente em festas de confraternização de patrões com o seu pessoal. Trabalhai que é bonito, dizem os patrões.
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É digno, diz o capital. Seja como for, já hoje ninguém duvida de que ao trabalho deve a humanidade a caminhada cumprida, e no trabalho busca a humanidade redimir-se. No trabalho físico, no trabalho do espírito.
Assim, à primeira vista, qualquer campanha desenvolvendo-se onde quer que seja, no sentido de encaminhar ao trabalho quantos não trabalham, é coisa elogiàvel; resta saber se será eficiente em quaisquer circunstâncias. Se não será demasiado empírico o simples convite: Meu filho, trabalha que trabalhar é bonito. Se, de facto, ao contrário do que se deseja, não está a agudizar-se uma fome, em vez de satisfazer-se uma necessidade. Interessa interrogarem-se os promotores de propaganda psicológica a favor do trabalho, se deve enfrentar-se uma discutível propensão para a indolência de qualquer agrupamento humano, ou uma bem palpável ausência de oportunidades verificada em determinada zona geográfica, para os seus habitantes se realizarem no trabalho.
Claro que seria errado partir-se do pressuposto de que um grupo étnico tivesse qualidades intrínsecas, de natureza rácica, contrárias à necessidade humana do trabalho e que fosse, em consequência, necessário assentarem-se as baterias duma campanha contra o fatalismo de tais características. Claro que seria errado ignorarem-se todas as verdadeiras razões que mantém milhares ou milhões de seres afastados do trabalho regular e justamente remunerado, razões de ordem económica e social.
No caso concreto da anunciada acção psicossocial para dignificação do trabalho, com cartazes a tudo, oferece-se como questão fundamental, antes de mais nada, esta pergunta: em quê, onde vão eles trabalhar?
A profunda remodelação dum território como Moçambique, em estado de subdesenvolvimento, a revolução económico-social dum país, como a que se dá mostras de pretender-se, não pode operar-se por parcelas, desencontradamente, atacando-se consequências em vez de eliminarem causas, procurando-se coçar a comichão, em vez de tratar a sarna.
É preciso não desconhecer a crise de desemprego que é notória, entre os africanos, mesmo em aglomerados populacionais como Lourenço Marques, oferecendo maiores possibilidades de trabalho. Assim, chega a tomar aspectos – como direi? – cínicos, aconselhar o trabalho a quem procura, aflitivamente, trabalho.
E quanto a Moçambique inteiro – o que se impõe, o que é urgente? – o seu rápido desenvolvimento económico, a sua ocupação agrícola, a sua industrialização, criando-se assim uma larga e permanente absorção de mão-de-obra, com pagamento certo e suficiente, para a dignificação do trabalho. E os trabalhadores surgirão, aos milhões, em busca de elevação do seu nível de vida, em procura de “dignificação” da pessoa humana, faltando só à chamada natural os indolentes de sempre e de toda a parte, na Europa, na Ásia, na África, na América e na Oceânia.
Cria-se o clima, proporcione-se o ambiente, fabriquem-se condições autênticas, que o resto virá por acréscimo.
De maneira que, pode afirmar-se, mais uma vez, o que é preciso é o progresso que tarda, para em todos os sectores da vida humana de Moçambique, se realizar o milagre que esperamos. Sem cartazes.
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segunda-feira, 5 de abril de 2010

GOUVÊA LEMOS - Por Eugénio Lisboa

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Os jornais noticiaram abundantemente a morte do jornalista Gouvêa Lemos. Que um homem tão pouco acomodatício tenha despertado uma tal unanimidade de tom nas notícias publicadas nos jornais das mais diversas orientações - eis, desde logo, uma indicação: Gouvêa Lemos era respeitado mesmo pelos que dele discordavam. Digamos que havia nele um não sei quê que desde logo se impunha. Talvez a sua bondade. Talvez a sua afabilidade. Talvez, sobretudo, o saber-se que era um dos raros homens que estava disposto a pagar com a própria vida o preço das suas convicções mais profundas.
Várias vezes o vi em sérias dificuldades - e estou talvez a dizer pouco: alguma vez o terei visto à beira da rotura total. Nunca notei, nesses momentos, que mostrasse, fosse como fosse, que o desespero o devorava.
Ficava-se amigo dele com facilidade - e ficava-se para o resto da vida.
Como jornalista, era muito mais do que um profissional sério e cheio de vivacidade. Tinha um estilo próprio. Qualquer texto seu, além de ser um modelo de literatura jornalística, era também um texto literariamente muito pessoal. Gouvêa Lemos escrevia bem, tinha o gosto da palavra única, aquela que, inesperadamente, entra em ressonância com a ideia que se quer percutir. Era um escritor genuíno.
A sua malícia estilística escondia um pouco o homem. Quem o lesse não deduziria dos textos o personagem que depois emergia. Estes eram por vezes mordazes, contundentes, aqui e acolá, méchants. Faltava, a temperá-los, o sorriso bonacheirão, a suavidade da voz e a doçura do olhar. De resto, falava como escrevia, mas, falado, deixava uma impressão diferente e mais suavizada.
Era sobretudo um homem de coragem, no plano profissional e no plano privado. Amava a profissão de cujos privilégios e autonomia era intransigentemente cioso. Tinha o brio próprio do técnico competente e odiava por isso a intromissão atrevida e volátil das aves de arribação.
Suponho que sabia exactamente o estado precário da sua saúde. No entanto, sempre que discretamente o sondávamos, mostrava-se animoso e cheio de planos. Creio que se tratava mais de sossegar-nos a nós do que de sossegar-se a si próprio. Era corajoso mas, com a sua peculiaríssima tolerância, não via razão para que os outros o fossem também. Por isso nos aquietava.
Partiu para o Brasil e não voltou. Dizem-me que nos últimos dias, já depois de operado, quando se lembrava disto, da terra e das pessoas, chorava. A chorá-lo, pela perda irreparável que a sua partida representa, ficamos nós. Parece que as pessoas como Gouvêa Lemos se demoram pouco neste mundo que é o nosso. Fulgem, - e desaparecem. No entanto, como observava um personagem de José Régio, 'este mundo ficaria mais pequeno se eles não passasem por cá'.

[In: A Voz de Moçambique, Lourenço Marques, ano XIII, nº. 363, de 9 de Abril de 1972, p. 2]

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sábado, 3 de abril de 2010

38 anos sem o Pai e jornalista Gouvêa Lemos

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Há 38 anos, a 02 de Abril de 1972, em um Domingo de Páscoa, falecia Gouvêa Lemos aos 47 anos de idade.
Estávamos, eu e mais 3 irmãos, nas areias da praia de Ipanema no Rio de Janeiro junto a uns tios e amigos destes. Todos na expectativa do Almoço de Páscoa que iria acontecer em nossa casa, cuidadosamente e carinhosamente feito pela Madalena, onde a família iria festejar a Páscoa mas mais ainda o restabelecimento do pós operatório do mais velho dos Gouvêa Lemos.
Lá em cima, no Bar do Castelinho onde antes ele gostava de tomar o seu choop, estava na companhia da sua sempre companheira Madalena e de um dos filhos, o António Maria, e ainda com o proprietário do Castelinho com quem batia sempre um bom papo.
A certa altura, lá da praia, ouvimos da marginal uma freada de carro, uma buzinada. Em segundos, ao vermos que chegava em correria à nossa barraca o Tó Maria, deduzimos que a freada e a buzinada tinham sido causadas pela sua louca e apressada travessia da marginal da praia para logo nos alcançar e nos dizer:
- O pai desmaiou!
O Pai, quando levava um copo de suco de laranja à boca, deixou-o cair e tombou para nunca mais acordar do “desmaio”.
Ali, aos meus 11 anos de idade, perdi a oportunidade de conviver com ele com uma maturidade onde poderia ter aproveitado melhor os seus ensinamentos. Ali os meus irmãos mais velhos, mas não tanto, também perderam o seu herói. A sua companheira, Madalena, assumiu de imediato esse posto, Mãe e Pai.
Mas se nós perdemos, sei também que Moçambique perdeu definitivamente naquele Domingo de Páscoa o jornalista e Homem que ainda tanto teria para doar aquela terra que ele passou a amar quando emigrou de Portugal.
Se Gouvêa Lemos mostrava ter desistido de Moçambique colônia naquele inicio de 1972, quando o deixou para vir para o Brasil, tenho hoje eu a certeza que se não tivesse falecido tão precocemente não demoraria a retornar.
Mas se por muitos anos, depois da ida dele, fui ainda educado pelo meu Pai através dos seus amigos e pela minha Mãe quando me faziam o conhecer pelo o que eles o conheceram, sem medo de errar e fugindo de qualquer aparente prepotência, sei também que o jornalista Gouvêa Lemos deixou legado para o jornalismo, e não só, de Moçambique.

* O retrato do Pai é do pintor e poeta luso-angolano Neves e Sousa.
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segunda-feira, 1 de março de 2010

Como vi e senti Moçambique

Gouvêa Lemos passou uma temporada de quase 2 anos, entre 1955 e 1956, no Brasil. Veio aqui buscar um estágio no jornalismo brasileiro e o fez no jornal carioca "Tribuna" de Carlos Lacerda.
Escreveu uma bela crónica sobre os prazeres turísticos de Moçambique. Sem ter nela nenhum tom politico, critico, que lhe passou a marcar a sua personalidade jornlistica quando voltou a Moçambique, realça o Parque da Gorongosa.
Esta crónica foi editada em um jornal da comunidade portuguesa no Brasil, "Mundo Português".
Zé Paulo



Como vi e senti Moçambique

Por Antonio Gouvêa Lemos em 15/05/56


https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBN-482eENIX3zrZn8zDUeZb9vzlx4vWpNc6E9j2N4EoqvPKbUYRvKaD-_jyJdqzqG8LsAPVJR9RSvJdWK3_n1T3LeuCjbk0t-UkhOV0VUaDMdR-NCqpbFAK6TvrzY90K1kfqOa4F6ULR1/s200/leoes.jpg
Portugal é tido no mundo inteiro, justamente, como um paraíso de turismo. E eu quero fazer notar que essa convicção cada vêz mais generalizada, como resultado brilhante de uma ótima e honesta propaganda não deve cingir-se a Portugal na Europa, mas pode estender-se a Portugal em África Oriental Portuguêsa que eu conheço melhor, visto que por lá estive quase 7 anos.

Os encontros naturais daquêle extenso e portentoso território são um vigoroso atrativo para quem quiser recrear os olhos, travar conhecimento com panoramas diferentes, com aspectos exóticos e grandiosos.

As características especiais do continente africano determinam um turismo "sui generis", que se não é rodeado das condições ótimas de comodidade e repouso encontradas na Europa é, contudo aliciante e surpreendente.

A ressaltar, neste fundo de paisagens e costumes estranhos, que se oferece para vibração do temperamento de quem pratica a viagem pela viagem, surge, como grande motivo de umas férias em Moçambique, o prazer forte, a sensação violenta da caça, que ali tem perfeito ambiente.

Não vou usar como argumento publicitário as fitas de Tarzan e outras africanices igualmente hollywoodescas, as quais felizmente não foram ali situadas. Não, amigos, não confundam a ginástica com a magnésia! Sómente informo que em Moçambique, no seu distrito de Manica e Sofala, existe a maior reserva de caça do mundo.

A Reserva de Caça de Gorongosa, a qual se chega em poucas horas, indo da Beira de automóvel e em menos de 1 hora indo de avião, é anualmente visitada por milhares de pessoas. Ali apreciam de perto e no seu "habitat" a riquíssima e espetacular fauna do continente negro, numa aliança de quantidade e variedade que atinge o máximo existente.

Mas, valentes caçadores ou candidatos, naquêles quilômetros quadrados, que o Governo demarcou em plena selva, não se dá um tiro. Conservam-se as espécies, não se dizimam. Passeia-se de automóvel pelas picadas, em companhia de guardas que nos guiam e nos infundem a necessária confiança com a sua calma e conhecimentos dos hábitos e modos peculiares das feras, previnem acidentes e evitam sustos.

Ali se pode gozar um excitante fim-de-semana em alojamentos cômodos (e seguros, senhores citadinos inveterados...). Não é impossível que o célebre e magestático silêncio da noite africana, venha a ser cortado por um ou outro urro do soberano leão, que terá como mais temível consequência, fazer sentar o turista na sua cama fôfa, de um só pulo. .. O jeito é deitar de novo e procurar dormir.

Mas, quanto à caça-desporto a que nos vínhamos referindo, a Reserva da Gorongosa foi citada como prova da abundância de matéria prima por aquelas paragens. E o resto é fácil. Qualquer agência de turismo, em Lourenço Marques ou na Beira, providenciará o resto: caçadores profissionais, armas, transportes, etc.

Quando, em Setembro do ano passado, de lá parti, tinham chegado recentemente aquele magnifico pedaço de Portugal ultramarino, dois moços brasileiros que lá foram demandar com alvorôço os caminhos dêsse turismo, que hoje, tão ligeiramente apontamos. Soube-o numa casa de artigos desportivos onde eles tinham ido por armas e munições.

A idêia, portanto, não é nova. Esperemos que ela se expanda e se torne moda. Há uma carreira marítima direta. Há muitas, marítimas, aéreas, indiretas. Há bons hotéis nas duas cidades principais ; há caminhos de ferro, há carreiras aéreas, cobrindo todo o território e táxis-aéreos que nos vão pousar nos lugares mais remotos. E há, sobretudo, um povo admirável e portuguesíssimo; hospitaleiro, franco e gentil para os que chegam.

E tôdas as possíveis deficiências serão sempre (foram sempre) compensadas com vantagem por tal gente.


*Foto do site
My Gorongosa
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Canção de Angónia

Visto a camisa lavada
e vou para o contrato.
Quem de nós,
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quem de nós irá voltar?
Vinte e quatro luas,
sem ver as mulheres,
sem ver a minha terra,
sem ver o meu boi.
Quem de nós,
Quem de nós irá morrer?
Visto a camisa lavada
e vou para o contrato,
trabalhar lá longe.
Vou para além da montanha,
para lá do mato,
onde some o rio.
Quem de nós,
Quem de nós irá voltar?
Quem de nós,
Quem de nós irá morrer?
Veste a camisa lavada,
é hora de ir ao contrato.
Entra, irmão, no vagão,
vamos andar noite e dia.
Quem de nós.
Quem de nós irá voltar?
Quem de nós,
quem de nós irá morrer?
Quem de nós,
Quem de nós irá voltar
e ver as mulheres,
e ver nossas terras
e ver nossos bois?
Quem de nós irá morrer?
Quem de nós?
Quem de nós?
*Poesia de Gouvêa Lemos, escrita na década de 60 de Moçambique colônia.
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domingo, 17 de janeiro de 2010

UMA PONTE FEZ ACORDAR A ILHA DA TEIMOSIA

Por Gouvêa Lemos (em 1967)


Desejada há quatrocentos anos, a ponte nasceu tarde — é o que pensam na ilha de Moçambique, alguns dos seus mais lúcidos residentes. Já não é possível deter Nacala. Nacala é um porto propriamente dito, um milagre na costa oriental de África, será infalivelmente a porta do Norte — consideram eles, com algum desgosto. Mas não desistem, mesmo assim; agora, que a ponte existe e já funciona, defendem a idéia do porto de Moçambique e arrancam para uma campanha por uma nova ponte-cais. E se arrancam para uma campanha, aqueles homens da Ilha da Teimosia nunca mais param; teimarão nela, ainda que seja por mais quatrocentos anos — disse-me um deles, com a ironia duma certa descrença.
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Pois a ponte, como era de prever, já modificou a vida na Ilha, já começou a influir na fisionomia da cidade, já alterou o seu ambiente repousado e tradicionalíssimo. Muitos são os que assistem ao fenômeno com júbilo desvanecido; outros, porém, enfrentam-no com melancolia, saudosamente.

O contra-senso do sonho

No sonho, ainda que feito realidade, o contra-senso persiste. Assim é que a ponte, inaugurada festivamente no mês passado, com grande multidão a assistir, vivas e discursos, os moleques das marmitas correndo, deslumbrados, com a fome dos patrões atrás dos cavalos nunca vistos que vieram do continente e muitos carros apitando pelas ruas seculares, já dá passagem a camiões que são vistos na carga e descarga desde a Fortaleza ao Crematório dos Baneanes, enquanto um espectacular Ford «Mustang» buzina pela rua dos Arcos, um carro de instrução com os seus dois volantes dá infindas voltas com alunas e alunos, pela Rua 28 de Maio, que vai dar à Rua da Liberdade, onde é a Cadeia, pelo largo de S. Paulo, onde está o palácio dos Capitães-Generais, pela praça Mouzinho de Albuquerque com seu coreto, ou, ainda, pela Ponta da Ilha, lá para o bairro do Areal, até ao Cemitério dos Cristãos. Enquanto isso e o buzinar ferve ecoando pelas ruelas e travessas e os carros pesados esboroam os passeios nas curvas impossíveis, enquanto isso tudo, a gente vai para a Ilha, chegada ao Lumbo de comboio ou de avião, tal qual ia dantes: de barco à vela, o que continua a ser a viagem mais bela que se faz em toda a costa moçambicana.
Logo na gare do caminho de ferro o «capitão» Ali carregou as nossas bagagens antes de lhe respondermos à pergunta «vai para a Ilha?». A caminho da praia formou-se a fila indiana dos seus passageiros, que ele ergueu em seus ombros, um a um, depondo-os cuidadosamente a bordo da lancha «Graças a Deus», que, graças a Deus, tinha uma grande vela não muito esfarrapada e fez uma boa travessia com vento de feição. Além dos repórteres, iam uma velha mulher de vestes garridas à moda da terra, feições nobres e ar respeitável que conversou suavemente com os tripulantes ao longo da hora e meia de navegação; outra mulher mais nova, com a sua filha, pequena e risonha; um rapaz alto, magro, negro retinto, de casaco de coiro e rádio portátil fazendo ouvir, todo o caminho, fados, anúncios, ié-ié, anúncios; além do «capitão» Ali, sentado à ré, com a vara do leme na mão esquerda, havia três marujos divagando sobre os malefícios da ponte.
O mar estava doce, de pequeninas ondas, azul e transparente. Era uma serena manhã e o barco embalava-nos enquanto ao longe se estendia, baixa e longuíssima, a ponte que assim estreávamos, alheia a remoques, indiferente aos barcos à vela, que aqui e além pintalgavam de branco a aguarela magnífica daquela travessia.

E agora, Sulemane?

Desembarcados na praia do Celeiro, ao lado da Mesquita Grande, logo pedimos um táxi; e logo nos acudiram os rique-xós, que ainda são os táxis da Ilha, embora correndo para o fim próximo. Angustiados, também, com a existência da ponte que lança os automóveis na Ilha, em catadupas, os moços dos riquexós não sabem ainda o que vão fazer quando esse transporte finalmente e naturalmente se for abandonando. Tilintando a sua campainha ou batendo a sua tábua, lá vai Sulemane com ligeireza rebocando o turista para a Pousada. Respeita os sinais de trânsito, recentemente colocados em profusão, sobretudo a indicar vias de sentido único e estacionamento proibido, pois um carro toma a rua toda.
Quando cruza com um automóvel, viatura rápida e buzinante — buzina-se muito, para aviso dos peões, ainda por habituar a tamanho tráfego —, Sulemane lança-lhe um olhar de ressentimento, enquanto vai arfando, compassadamente, o seu pequeno motor de 2 tempos, um breve ruído a erguer-se, ténue, sobre o silêncio das rodas de borracha na paz da Ilha. Despachado aquele fortuito freguês, Sulemane descansa o riquexó à sombra, junto dos outros, esperando horas a fio por um cliente nunca mais chegado.
Senta-se, limpa o suor da testa e os outros olham-no interrogativamente, expectantes, como se ele pudesse trazer boas novas dos lados da ponte. Os seus olhos perguntam: — E agora, Sulemane?

A ponte é nossa

Mas a ponte é um dogma. Indiscutível. Mais do que matéria de facto e de concreto, é matéria de fé. Os residentes vão fiscalizá-la, pessoalmente, caminhando até onde está a capela de S. Francisco Xavier e continua o banco de Mousinho sob a árvore enorme e velhíssima. Ali se liga a Ilha com o Sancul, a 5 quilómetros do Lumbo. Conversando com o guarda, à porta da sua guarita, os citadinos olham o fundo da ponte esperando os carros e alegrando-se quando os avistam. Colaboram na cobrança da portagem e dão explicações aos transeuntes. Um peão paga 1$00 por ida e volta; uma bicicleta, 2$00; uma motorizada, 3$00; uma moto, 5$00; um automóvel, 25$00; um autocarro, 60$00; um camião de carga, 100$00. Peso máximo, 10 toneladas. Todos acham bem, assim é que está certo, é para o progresso da Ilha, a ponte é nossa. Daqui para o futuro, tudo será possível, parece dizerem alguns dos indivíduos com quem se trocam impressões sobre a «ordem do dia».
- Agora precisamos dum cais acostável, ao menos para atracarem os navios costeiros — sugere um.
- Água, é o que precisamos de arranjar a seguir — opina outro.
-Corrente alterna, quanto antes — contrapõe um terceiro.
- Um bom hotel, urgentemente — pede alguém.
-O comércio reviverá e a Ilha voltará a dominar o distrito — há quem se atreva a profetizar, entre os elogios ao almirante Sarmento Rodrigues.
- Vamos desenvolver o turismo — é resolução unânime.
Uma coisa é certa: a ponte fez estremecer a velha Ilha de Moçambique e algo de novo e vivificante a acometeu. Naquela relíquia do passado somente se fala de futuro. A estridência dos claxons levanta a poeira de mais de quatrocentos anos na capela de Nossa Senhora do Baluarte, onde dormem navegantes e conquistadores da índia. A história da Ilha foi cortada ao meio por esta ponte.


Fonte da foto: Blog "
Estrada Poeirenta"
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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Tiros para o ar

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Por Gouvêa Lemos -A TRIBUNA - 1963
Tenho uma idéia vaga de, em tempos da minha meninice, ter um vizinho de quinta amedrontado e maníaco, que se assustava muito com muito luar. Por isso, em noites claras de Janeiro ou de Agosto e até de outros meses, o senhor ia ao muro do fundo que dava para a estrada e de lá punha-se aos tiros para o ar com uma caçadeira que ele tinha.
Quando o interrogavam sobre aquelas batalhas a solo, o sr. José - chamemos-lhe Sr. José - explicava que era contra os inimigos que disparava, em noites de lua cheia, ou luva nova ou mesmo com um quartozinho crescente. Quer dizer, muita lua e o Sr. José, pum, pum, pum, desatava aos tiros para o ar - contra os inimigos.
O que tinha graça nisso era que ninguém conhecia inimigos do Sr. José que nem era mau homem, era só maníaco e amedrontado, assim um pouco palerma; não se sabia portantode quem eram inimigos os inimigos que o afligiam, coitado do Sr. José.
Ora eu tenho reparado que ultimamente aparecem muitos artigos em alguns jornais, escritos por uns senhores que me lembram o Sr. José, lá nos tempos da minha meninice, por acaso na Beira Alta. Não sei se é de haver lua - há lua? - ou lá porque é, sei só que nesses artigos muito vagos, nada objectivos embora conceituosissimos, se fazem acusações gravesde grandes e pavorosos pecados (que devem ser mas não se sabe quais) contra pessoas muito incógnitas, muito anônimas, se calhar nem existentes.
Mas a xingação é brava e contundente. Fala-se de traidores, tipos que são contra, vendidods, perigosos inimigos como o Sr. José dizia), mas ninguém sabe nem percebe a quem é que os tais traíram ou vão ou estão a trair, quem foi que os comprou ou vai ou está a comprar e, finalmente, de quem ou de quê eles são inimigos, a quem ou a quê eles oferecem perigos. É um raio duma confusão!...
Se isto me aflige um pouco não é por mim, que passo adiante e leio tantas outras coisas que devo ler e não me importo: mas, como sou dos jornais e me preocupo com estes negócios de Imprensa, acho que o tal fenômeno começa a tomar forma de hábito com tendência endêmica, o que produzirá certamente larga desorganização na opinião pública, gerando-se um clima de desassossego altamente nocivo ao menos para quem precisa de dormir: qualquer dia desata tudo a comprar caçadeiras e a dar tiros de noite, "contra os inimigos". Não está certo.
Por isso eu peço aos camaradas mais useiros nesses sustos de noites de luar, que deixem disso, não tenham medo e falem claro. Ó senhores, devemos falar claro, pôr os pontinhos nos ii, as carapuças nas cabeças, apontar cada um a sua caçadeira para cada rés, desde que seja caso de tiroteio. Mas não assustem ninguém, pelo menos as crianças que, ao fim e ao cabo, ainda são as que têm mais receio dessas coisas...
Há tempos até li um artigo enorme, bem destacado, com um grande título, muito bem composto, sem gralhas nem nada e não consegui perceber nicles. Reli, ainda, quase até meio; e nada. Mas como era colérico! Como estava ofensivo! Severo e iracundo, prevenia-nos contra temerosos males e denunciava autênticas feras humanas, postas de tocaia contra nós todos, os homens bons (eu, também, não me considero mau homem). Mas afinal, o pobre do artiguinho resultava inútil, porque ninguém nos dizia contra quem era aquela cólera, quem seriam os ofendidos, que males nos ameaçavam e onde estavam as feras. Nem sequer explicava se estas eram mamíferos ou aves ou qualquer desses bichos que há na zoologia. Apre! Isso não deve ser jornalismo.
Aliás, eu tenho para mim, que até do ponto de vista lá das manias deles, isso não deve resultar. Quer dizer, nem mesmo para efeitos de denúncia à Policia ou assim, não é? A não ser que haja qualquer código que agente não sabe. Um código só para os homens bons... Mas então eu quero saber!
Não, não deve ser isso. São mas é como o Sr. José, que era palerma e em noites de luar, lá na quinta, punha-se a dar tiros com uma caçadeira. Para o ar. Contra os inimigos.

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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

CARTA DO BRASIL

Por Gouvêa Lemos em 7-1-1963 - A TRIBUNA (Moçambique)
O leitor não tem nada com isso - a minha vida particular não lhe interessa - , mas eu vivi no Brasil. Sim, vivi lá, tenho lá família, tenho lá amigos e bastos motivos de saudade, tenho duas filhas brasileiras e tanto me interesso pela vida do Brasil que até lá andei metido em políticas. Políticas brasileiras, claro. E de tal maneira que, lá, eu até era da oposição e ninguém via mal nenhum nisso.
Explicando melhor : apesar de não ser brasileiro, achavam os brasileiros das minhas relações que, só porque eu vivia no Brasil, ali produzia algo, ali contribuia de qualquer humilíssima forma, para o progresso do Brasil, nem que fosse únicamente pagando imposto, achavam eles que eu tinha o direito de fazer críticas à administração, de discordar do Governo, de ter, em suma, opiniões políticas.
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEuRVJf67zoqZdjXNfP-FXuc9aXyPT35HQ52_jqUfuPefI9kFQyAaZoVtTusk0Ssodx3J1zHSDcNyoDpTicD9Yyh6qHb097n1v0hTnqQ5laO3NR-ETOp8OD2hAoe2_AFfRHEa_giZruGTH/s200/logo-freedom.gif
Os brasileiros são muito giros...
O que é certo é que eu usava esse direito, com uma descontracção explicável sómente pela força aliciante de tamanha liberdade, pelo entusiasmo decorrente de tanta compreensão.
Assisti à eleição do Presidente Juscelino, lá permaneci durante o Governo do Presidente Juscelino - eu era contra o Presidente Juscelino. Tão contra como os que iam aos mesmos comícios que eu procurava, da Praça do Congresso a Caxias do Deputado Tenório. Eu era contra, mas como estimo hoje o Presidente Juscelino, de tanto poder ser contra ele!
Vem tudo isto a propósito das cartas que recebo do Brasil, da minha mãe e dos meus irmãos, pondo-me às vezes em dificuldades para lhes responder, tal a confusão que lhes lavra no espírito sobre certas coisas que, à distância, são inexplicáveis (para me livrar de trabalhos, já tenho respondido que não posso responder) e nas quais me são contadas todas as dificuldades, todos os problemas, todas as tarefas que a família enfrenta, que a vida lhes opões, a par das pequenas alegrias e tristezas vulgares que são tema das cartas familiares. E tudo isto é mesclado, sempre, de comentários, de notícias, de esclarecimentos, de muitas espinafrações à política, ao Governo, de queixas contra os governadores de Estados, contra os ministros, contra o Presidente da República (a minha mãe não gosta do Jango Goulart), a propósito do custo de vida, a propósito do preço do gado, a propósito de tudo e de nada. Que beleza!
Aqui há tempos, mandei dizer a um irmão meu, preocupado com coisas que não lhe esclarecera devidamente em cartas anteriores, que já tinha percebido o seu grande amor pelo Brasil, a sua perfeita adaptação ao grande país, à maneira de ser do magnifico povo, pelo seu tom severo e exigente de referir-se às coisas públicas do Brasil. "Estás bom, meu irmão. Estás maduro. Deus te salve e ao teu Brasil".
A minha Mãe, que quando as vacas se vendem mal, ou não chove para os lados do Rio Pardo, no interior da Baia, se dá a excessos de pessimismo, escrevia-me há dias: "Não sei onde isto vai parar, mas tenho muita fé".

Gostei e vou responder-lhe:

"Tenha fé, senhora mãe. Tenha fé que onde vai o Brasil parar é muito longe e muito alto. Continue a mandar-me dizer mal do Jango e a aspirar por um presidente inteiramente "udenista", um Juarez, um senhor muito fino e respeitável das direitas. Continue a escrever-me sem medo do que pensa, e diga aos manos que também, que discordem, que falem, que se preocupem. Vivam cada minuto brasileiro com esse entusiasmo, com essa unção, compenetrados de que tudo é, ao fim ao cabo, negócios de família. E mandem-me dizer, oh! mandem-me dizer sempre, que me sabe muito bem ler isso que pensam e com o que , aliás, eu nem concordo. Mas digam, digam, livremente o que lhes parece dessa terra que é sua, minha mãe, e vossa, meus irmãos, e dessa gente admirável que afinal vós sois também."
"Escrevi toda a casta de espinafração contra o que não vos quadra ao parecer que tendes e á opinião que defendeis. Escrevi, que eu irei respondendo, assim sem jeito, atabalhoadamente, que não sei responder."
As cartas do Brasil, leitor, fazem-me reconstituir o espírito; dão-me saúde. Não só porque mato saudades da família - ou as exacerbo, o que vem a dar no mesmo - como renovam a fé que tenho no Brasil. Que tenho no futuro, vivendo em Moçambique e recebendo cartas da família.
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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Natal

Por Gouvêa Lemos, em 1957
Coluna Mesa Redonda

Para lá e para cá da Cortina de Ferro, o dia 25 de Dezembro é o Dia de Natal.
Até o roliço e reinado Nikita, com o ar de camponês abastado e contador de anedotas, há-de beber alegremente um bom vodka e renovará os votos habituais de paz e desarmamento, à mistura com umas graças pesadas sobre os países capitalistas. As agências ocidentais noticiarão, mais tarde, que certos círculos chegados ao Kremlim insinuaram que o sr. Kruschev estava etilisado. Serão, de certo, os mesmos círculos que, depois da morte de Staline, anunciaram ter sido constatado um endurecimento muscular do seu coração e daí tirarem definitivas conclusões morais...
O simpático Eisenhower, com o aspecto feliz de quem chegou das manobras e despiu a farda, há-de ser fotografado para o Mundo inteiro, com os netos nos joelhos, com a Mamie à sua direita, o filho e a nora, sorridentes, atrás. Tudo à sua volta, verificando a Humanidade, embevecida, que assim vive o chefe de uma grande nação democrática.
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E enquanto os chefes de governo europeus, que participaram da última conferência da NATO, hão-de celebrar com as suas ilustres famílias a vitória colectiva, que se diz terem alcançado - não contra o inimigo e sim contra o aliado, o que se torna um pouco difícil de entender -, o que se celebra, na verdade, é, simplesmente, o nascimento de um Homem pobre mas estranho. Tão estranho, que era Deus.
E há-de haver um momento - tem de haver - em que todos esses personagens importantes ficarão a sós com os seus pensamentos, se alhearão de tudo o que se passar à sua volta e hão-de meditar um pouco sobre o dia que vivemos.
O depurador Kruschev pensará como é vária e inconstante a existência, de tal modo que aquele que hoje depura, será depurado amanhã. Que isso, ao menos resulte numa folga para Zhukov e para os peritos encarregados de lhe lavar o cérebro. E Eisenhower, tal como os seus colegas ocidentais, vacilarão uns segundos nas suas certezas. Hão-de suspeitar ou acreditarão mesmo, no íntimo, que a palavra Paz tem sido usada em vão e em mentira.
Todos eles - os grandes chefes - devem sentir, de súbito, vergá-los o peso brutal da responsabilidade por este mundo eriçado de projécteis balísticos, entumescido por bombas nucleares, ensombrado por bombardeiros e caças.
Todos se hão-de lembrar, para lá e para cá da Cortina de Ferro, que o dia 25 de Dezembro é o Dia de Natal. O dia em que chegou à Terra o Mensageiro autêntico da única Paz.


[Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº 1702, 23 de Dezembro de 1957, p. 1]

Figura: Roubado do blog Moda ao Cubo.
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O CARNAVAL - 1958

Hoje, 18 de Dezembro de 2009, o Pai faria 85 anos. Como tenho tido dificuldade de escrever - Freud talvez explicasse - sobre e para ele neste blog criado para o homenagear, vou mais uma vez no meu ritmo de aqui colocar o que é o maior foco deste espaço; o de dar a conhecer o que um homem pensava e como jornalista escrevia em outros tempos, décadas e ditaduras.
No seu aniversário de 1957, a 18 de Dezembro, GL escreveu sobre o carnaval carioca. Um carnaval que se de 1957 para cá mudou muito, onde grandes interesses financeiros tiraram muito da sua pureza, na sua essência não mudou tanto de como GL tentou o descrever.

Zé Paulo


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O CARNAVAL - 1958
Por Gouvêa Lemos - Coluna Mesa Redonda

Fala-se já em Carnaval e projecta-se um renascimento dessa pândega anual, em Lourenço Marques. Muita gente deve achar cedo para se falar de Carnaval, mas eu lembro-me agora de que, nesta altura, no Rio de Janeiro se conhecem os êxitos musicais do próximo Carnaval carioca. Já os compositores se afobam e os poetas se afadigam, lançando no mercado os sambas que hão-de marcar os bamboleios dos blocos e cordões de sábado a quarta-feira de cinzas. Já as escolas de samba, de Cascadura á Praia do Pinto, ensaiam e capricham nos coros, nos trajes e nas evoluções dos passistas. Já seu Ataúlfo e as suas pastoras gravaram um samba de morro, dos autênticos, do estilo - Amélia é que era muié di vêrdadje. E a onda dos plagiadores já foi buscar a inspiração aos clássicos do samba. E já se canta o que há-de fazer rêbolá e se esbaldá - todo o mundo - nas ruas.
Não serão as composições de melhor melodia e de versos mais bonitos as que se hão-de sagrar vencedoras nas preferências da multidão, comprimida, farrapeira embriagada e enfurecida pela febre de se divertir, mas submetida ao ritmo dominador, contínuo, uniforme - que se entranha nos corpos e parece estar até na atmosfera - o ritmo do samba.
Vencerão aquelas que têm sabor de Carnaval. As que fazem gingar os quadris, abanar os troncos, descair as cabeças para trás e arrastar os pés, a compasso.
Sabem como é? Se não viram, não sabem e eu também não sei explicar - como ninguém soube, até hoje.

[Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1698, 18 de Dezembro de 1957.]

Foto: Da esquerda para a direita, cantores Blecaute, Eloína, Orlando Silva com Wilza Carla que foi eleita por voto popular a Rainha do Carnaval de 1958. Fonte: Blog PandiniGP
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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O MELO DO "NOTÍCIAS" - COMO SÓI DIZER-SE



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Nas suas "Folhas Perversas" do último Domingo, Guilherme Judas de Melo, o Melo do "Notícias", como sói dizer-se - como sói dizer o Melo - atendeu a encomenda de se meter com o ‘Notícias da Beira’. Forçado ele foi, com certeza, pois não contando a coragem nem o desassombro entre os seus trunfos e sabendo ele bem o vespeiro em que bulia, só por um sombrio pavor que alguns lhe conhecem faria o que fez.
Foi pegar de mau jeito numa página de Poesia organizada por uma colaboradora deste jornal em homenagem a Fernando Pessoa e numa discutível impropriedade das ilustrações escolhidas para os poemas farejou traições ao Poeta e traições à Pátria, pretendendo, em vão, mais do que colocar a senhora em situação crítica, atingir os “dirigentes e responsáveis” deste jornal, ‘que por ele responderão’, como não se esquece de ameaçar.
Antes de mais, o que torna especialmente descarada esta atitude é o facto de vir falar das responsabilidades que terão os dirigentes doutro jornal, quem, precisamente nunca foi capaz de as assumir no seu. Conhecido pelos seus antigos ou actuais colegas e subordinados por uma proverbial incapacidade para chefiar, dirigir e orientar, chefe de Redacção desrespeitado ou secretário-geral irrespeitável, atreve-se o Melo - eu conheci-o - a oferecer autoridade e a exportar disciplina...
‘Notícias da Beira’, cuja posição perante os problemas fundamentais da actualidade portuguesa e da realidade ultramarina é bem conhecida e resulta claramente duma firme orientação superior - que até a mim transcende, quanto mais a ele - não requer nem consente observações dum invertebrado escriba fugidio como o Guilherme de Melo.
Primeiro, o sujeito descobre um soldado, possivelmente desertor, num estafado campista, descontraído, estendido na plataforma rochosa duma qualquer montanha, visivelmente gozando o ‘prazer de não cumprir um dever’.
Depois, avulta a ligeireza com que se apossa, em sôfrego exclusivo, do espírito de Fernando Pessoa, que manipula por receita, metendo entre balas ‘a sua mensagem única e bem clara’, para nos afirmar que o ‘menino de sua mãe’ nunca poderia ser um ‘negro, asqueroso, imagem perfeita do bandoleiro a monte, arrancado aos pântanos de um Vietname". Aqui ficamos em dúvida sobre a ordem de razões em que o Melo se funda para considerar bandoleiro um negro, certamente americano, que se bate no Vietname. Mas ele lá explicará isso a quem deve.
Por outro lado, verificamos que tem da Poesia uma idéia tão ampla e da liberdade criadora do Poeta um conceito tão aberto, que, autor de versos e ganhador de prêmios literários, assim lhe compreenderemos facilmente a obra pífia de poetinha pseudo-lírico. Preocupado com os ‘poetastros que por aí pululem convencidos que ‘isto’ de se fazer poemas à Fernando Pessoa não custa nada’- e ele sabe o que custa -, o Melo tenta pôr-se de fora, quando, nisso mesmo que diz, poetastro ele é, poetastro se confirma.
Ora, de que tenta, afinal, acusar-nos o Melo? De termos albergado em página deste jornal o ‘mais revoltante e indigno achincalhamento do que por este nosso Ultramar toda uma juventude generosa e magnífica tem vivido, desde há sete anos feitos, em sacrifício e holocausto’, achincalhamento que seria constituído pelas tais ilustrações que ele reprova e a nossa colaboradora escolheu para 2 poemas de Pessoa. Uma delas, então, ele acha especialmente revoltante, porque se trata dum homem de cor, a figurar o ‘menino de sua mãe’. E diz que ‘aquela coisa ali arremessada como um escarro para aquela página’ não pode servir, sequer, para ‘englobar na mensagem belíssima e humaníssima que o poeta contém os nossos irmãos negros’. Porquê, não explica. E talvez não possa faze-lo, porque ninguém lhe garante que tenha sido negro aquele corpo queimado pelo fogo da guerra, que ‘jaz morto e apodrece’, e, de certo, tinha mãe.
Mas faz-nos pensar em que o Guilherme de Melo de ‘As Raízes do Ódio’, se não anda a preparar-se para alguma sessão pública de auto-crítica, ocupa-se com fervor em construir a sua retratação. Sobre as raízes do ódio, no seu romance, dizia o João Tembe (que não poderia ser o filho da sua mãe da ilustração revoltante) : ‘Mas também não posso esquecer que essas raízes, foram a violência e a injustiça, foram a destruição e a morte que as plantaram. Elas não germinaram espontaneamente no coração de cada um de nós. Alguém nos atirou a semente do ódio para o coração, alguém fez germinar essas raízes. Ah! Não senhor doutor, elas não germinaram espontaneamente nos nossos corações. Como impedir agora que a planta se desenvolva livremente e que a árvore frutifique? Como? Como senhor doutor?’ e respondia-lhe o doutor Santana (esse podia ilustrar o poema, que era alvo e louro) : ‘Compreendo-te, João Tembe,. Compreendo tudo o que sentes, tudo o que pretendes demonstrar. Sei tudo isso. Ao mesmo tempo que sinto que uma nova África começa a surgir. E nós estamos em África. (...) E é por essa África nova que todos nós - eu tanto como tu ou o António Manuel, repito-o - precisamos de lutar. Mas lutar com amor e confiança entre os três. Só assim valerá a pena Deus nos ter dado esta maravilha rara de vivermos a nossa existência precisamente na altura em que a Humanidade assiste a essa autentica viragem histórica: a surgir dessa nova África!’
Pois disto escrevia o Melo entre 1960 e 1962, já depois de terem começado a contar-se os tais sete anos feitos, e publicava há uns 3 anitos, quando começou a ir conviver com os soldados ao Norte, como diz, onde combatem, como confessa, o ‘João Bazenga ou Fabião Souquiço’, ao lado dos ‘Zés Marias e dos Augustos e dos Antónios’.
Quando seria, pois, sincero, o Guilherme de Melo? Então, cantando as rubras manhãs duma África nova? Ou agora, arrancando, a pedido, um ‘apartheid’ poético da ‘Mensagem’ de Pessoa? Eu digo-vos, porque estou certo disso, que ele não foi sincero então nem é sincero agora.
Então, ria-se a escarnecia de todos os conflitos que lhe deram tema ao romance; agora ele ri e escarnece da guerra no Norte. Sim,: agora, ele ri e escarnece dos dramas e das dores, dos sacrifícios e dos feitos que trata nas suas crónicas de campanha, com farto chorrilho de lugares-comuns e ‘hinos alevanttados ao jovem Soldado que morre pela Pátria nos planos longínquos’.
Fazendo dessa guerra a sua coutada jornalística, nela se escuda contra sustos profissionais e riscos de desemprego, ao mesmo tempo que colhe farto material para as suas graçolas e historietas de humor negro, exactamente criadas a partir do que mais respeito deve merecer a todos nós. Enquanto isso, no noticiário e até na escolha de fotografias de actividades militares, ele trata a guerra do Norte à luz dos seus problemas sentimentais.
Não foi sincero nunca, por que havia de ser agora? Reagindo a esta acusação, que não temo fazer, porque não temo provar, ele há-de erguer a voz com tremidos hipócritas e dará soquinhos na mesa para afirmar que o ataco por ele defender os sagrados interesses da Nação, as heróicas Forças Armadas, a permanência de Portugal em África. Com que moral e de que ponto de vista o fará? Com base na sua prosa oficial domingueira ou nos chilreios sarcásticos com que, entre amigos, a contradiz?
Quase no fim das suas ‘Folhas’ de anteontem, o Guilherme tem um laivo daquele remorso que levou o Iscariotes à forca e escreve: E dir-me-ão, ainda, que é muito feio armar-se em denunciante e menino queixinhas’. Que tolice. Ninguém vai dizer que está a armar--se, pois toda a gente sabe que é. Denunciante, no pior sentido. Que se vinga, com intrigas odiendas e queixas sinistras, das suas frustrações. Que á falta de ascendente moral sobre os seus inferiores hierárquicos, os castiga com falsas denúncias.
Fecha com chave de ouro, o Melo do ‘Notícias’, erguendo de súbitos seus ais sentidos ‘por pensar que, numa altura em que tanto bradamos pela necessidade, cada vez maior, de uma crescente liberdade para a Imprensa a troco de uma, naturalmente, também cada vez maior responsabilidade, demos assim tão triste conta de nós, com brincalhotices deste jaez que a ninguém aproveitam nem dignificam’. E já prevê, como quem pede: ‘E, depois - aqui dél-rei!...’
Aqui, está a ser coerente. Bem sabe ele que o seu próprio caso de jornalista é um fenômeno só possível em certas condições especiais. Ele sabe que não resistirá à água corrente da tal liberdade responsável. Ele sabe que é uma flor do pântano.

Por Gouvêa Lemos

Edição particular para oferta
09/12/68

Este artigo, para fugir da censura, foi editado de forma particular, ainda que usando as oficinas do "Notícias da Beira", na cidade da Beira, Moçambique.
Aqui Gouvêa Lemos mostrou a sua "ira" quando lhe pisaram os calos profissionais através de uma colaboradora que percebe-se não a ter aqui exposto. Penso no entanto, se a minha memória não falhar, pelo o que a Mãe me contava, que era esta colaboradora a poetisa Glória de Sant'Ana.
Em outras oportunidades que "reeditei" este artigo, em outros espaços na internet, houve quem tivesse questionado a minha iniciativa em divulga-lo, o que tenho para mim ser um documento do jornalismo moçambicano e por isso não dever te-lo apenas na minha gaveta.
Conhecendo os valores do meu Pai e por termos amigos intimos da família assumidamente homossexuais, não vejo aqui nenhuma alusão ou critica do GL pelas preferencias sexuais do Sr. Guilherme de Melo, que anos mais tarde, mas ainda em um periodo onde não era fácil, corajosamente assumiu para uma sociedade preconceituosa.
O que vejo, e provavelmente perceberam os leitores, é que o GL não gostava de "meninos queixinhas", a quem apelidavamos de "maricas", e haveria de ter motivos para ter feito as afirmações que fez no artigo.
Zé Paulo
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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Carta ao Gouvêa Lemos - Por Eugénio Lisboa em 1964

Quem conheceu Gouvêa Lemos em Moçambique sabe que ele tinha como um dos grandes admiradores e grande amigo o Eng. Eugénio Lisboa.
Algumas vezes o Eugénio Lisboa publicou para transmitir essa admiração através da imprensa, em especial na "Voz de Moçambique", onde GL teve participações como colaborador, especialmente quando teve que se afastar do que foi o seu maior sonho no jornalismo moçambicano, que havia sido o seu envolvimento e comprometimento com o projeto do jornal "A Tribuna".
Nesta fase o GL sofreu muitas presões dos todos poderosos do governo da província o que começou a criar problemas para a própria "Tribuna".
Foi, talvez, a maior crise que passou na sua profissão, pois acabou por se afastar da equipe da "Tribuna" e ficando desmpregado (na Tribuna já estava com problemas financeiros e com as dificuldades os chefes não recebiam antes de se pagar os salários dos colaboradores), o que gerou, é claro, grandes consequências na sua vida privada pois o dinheiro faltou em casa e por um bom tempo a comida por lá chegava através de amigos. Nessa fase Gouvêa Lemos recebeu um convite para colaborar de forma mais ativa na "Voz de Moçambique", mostrando que por ali havia gente de coragem para, ao conhecerem profundamente o que se havia passado na "Tribuna" ,o convidarem para o seu meio.
Nessa fase o Eugénio Lisboa escreveu a "carta", que reproduzo abaixo, que teve grande impacto no meio jornalístico, na sociedade, e claro nos "pides" e outros poderosos.

Zé Paulo


CARTA AO GOUVÊA LEMOS (*)

À Quina


Caro amigo:

Esta carta que hoje me apetece escrever-lhe é, se não estou em erro, a segunda que lhe envio. A primeira escrevi-lha (mas não cheguei a publicá-la ou ela não chegou a publicar-se) aqui há uns bons anos atrás: era uma prosa cheia de uma argumentação miúda, com a qual tentava provar-lhe aquilo que até certo ponto os factos se encarregaram de mostrar que não tinha lá muita viabilidade de prova… Como discordávamos, acabámos por ficar amigos. Assim vai o mundo!
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMEBQfrNCDwSaIUB5y5u0Wy1GpW2E0VtwXXZlm5hipAdacK17c3Pk64dYrXDQWDMYUzBQwZfVV847lVTwMjbzlj3q0FOqqprZX8eZCjLf4cG_FClSQx-6-VGjhpwafHEs1kEeNbTL621ht/s320/VM+015.jpgMas hoje o caso é outro. Por que lhe escrevo? Para lhe ser franco, não sei bem se conseguirei encontrar, por enquanto, uma resposta que possa ir muito além de um caprichoso 'por que me apetece!' O caso é que vou escrever-lhe. E é até possível que, neste inútil exercício de um diletantismo que me é saboroso, eu acabe por encontrar, com alguma nitidez, o contorno das razões que por enquanto se me impõem apenas sob a forma nebulosa de uma violenta vontade de lhe escrever. Seja pois o que Deus quiser!
Dou ao diabo os escrúpulos que pudesse ter com a sua modéstia e aqui lhe vou dizer de frente o que até agora tenho andado a cochichar a alguns amigos comuns e sempre rigorosamente nas suas costas: Você é um jornalista de talento e, tanto para os que gostarão de o ouvir dizer, como para aqueles que vão gostar um pouco menos, como até para os que não vão gostar absolutamente nada, eu não hesitrei em lhe dizer que Você é não só o mais talentoso jornalista que tenho lido em jornais portugueses, como até um dos poucos que efectivamente honram essa profissão que o é tanto como qualquer outra. Mas esta opinião, que partilho de resto com vários amigos, não é ainda daquelas que tenho tido a preocupação de cochichar quando o apanho de costas voltadas. Se lha não dei já por estas palavras, tê-la-ei dado pouco mais ou menos nestes termos ou, em qualquer dos casos, não tive o cuidado expresso de lha não dar. Você não é mais vaidoso do que aquilo que é normal e até saudável ser-se e não ia portanto correr o risco de desintegrar-se só porque este seu modesto (mas malcriado) amigo é de opinião que Você, em matéria de jornalismo, é um 'truta' dos antigos. O que eu nunca lhe disse a si mas me tenho fartado de andar a dizer aos amigos (e aos outros) é que o seu talento, por muito que seja, é o que, em si, menos impressiona. Para lhe ser franco Gouvêa Lemos, estou-me até borrifando para o seu talento (já lhe disse que era malcriado!). Gosto, é claro, dele, como gostam todos os que o reconhecem, preciso (precisamos!) dele para que V.M. seja o que tem sido, aborrecer-me-ia imenso que os serviços que ele tem prestado deixassem de estar disponíveis, mas que quer Você?, sou feito assim: o talento e a inteligência das pessoas são qualidades admiráveis mas não creio que sejam elas, em si, aquilo que as torna pessoas dignas de estima e admiração. Até porque as pessoas possuidoras de tais predicados 'nada' fizeram para os ter: foi a Madre-Natura, generosa e propiciadora, quem lhos ofertou com maior ou menor dose de arbitrariedade. Você, Gouvêa Lemos, não tem afinal culpa nenhuma do talento que possui! Do que Você já poderia ser culpado, e muito, era de não o ter sabido até agora empregar! Tudo está na orientação que se dá a tão perigosos dotes… E é precisamente aqui que eu começo a entrar na zona do que até agora não tem passado de cochichos. É muito simples: queria dizer-lhe que Você, muito mais e muito melhor do que ser uma pessoa cheiíssima de talento (há-os para aí às dúzias, há até cada vez mais!) é uma pessoa de carácter e é também um homem profundamente bom. Isto sim, estimo eu, que é uma dura aplicação e conquista de todos os dias, que exige uma luta sem quartel contra o que em nós convida à complacência e que põe à prova muito mais do que os talentos que o berço nos legou.
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEieLZggm2Ie1nKxvzueSFI2DCMYZEaIoGehwW4_i6OKT5vjTzDVRmfN-ph9ikpDYOlxCmwStRZa2auWGhlBtlYmky7Uq1abIQ-MHfLD3YdiMgsZM7hCi0C8279e2bcKJ-uPwASUYAQv1IVq/s320/VM+013.jpgVocê é forte, da força dos teimosos e dos íntegros, possui da honra um conceito muito antigo, um daqueles conceitos absolutistas e um pouco 'farouches' que nós tínhamos quando éramos garotos e queríamos por força ser 'sempre' os últimos a cuspir. Mas você, com tudo isto, é sobretudo um homem cheio de bonomia, de tolerância e de bondade. Você só é mau, rigorosamente, para si próprio... Ai, porém, de quem queira pisá-lo! Você tem arriscado a vida (a sua e a dos seus), tem feito mais do que arriscá-la: tem-na francamente comprometido! Você tem passado mal, um mal que não é eventual, mas contínuo, persistente, corrosivo, daqueles que deprimem e oprimem, e no entanto, Você tem sempre uma palavra boa e um ar de optimismo que crucificam o mais pintado. Você tem tido todas as razões (e mais uma) para há muito se ter rendido e, no entanto, mesmo já sem balas, Você ainda usa o bacamarte à laia de cacete. Voltando ao meu tempo de miúdo e pondo-me a lembrar um velho e esquecido filme de Orson Welles (chamava-se 'Jornada de Pavor' e às vezes há razão para ter pavor), Você tem frequentemente sido o pobre do Joseph Cotton, também bonzão e tolerantíssimo, encurralado num quarto no extremo do corredor de um navio sinistro, rigorosamente sem saída, cercado por todos os lados (como as ilhas), sem armas, mas considerando muito a sério a possibilidade de salvação por via de um minúsculo canivete limpa-unhas! Confesse, Gouvêa Lemos, que era optimista e resistente o bom do Joseph Cotton! Teimosa raça de honestos que Vocês são! Embirrantes criaturas, chatíssimas trepadeiras, que despistam todos os cálculos daqueles para quem tudo é cálculo! É o que os desbarata - esbarrarem com algo que não tinha sido incluído nas previsões do orçamento: a honradez, a inteireza, as barbas do Vice-Rei! E ficam logrados…
Dizia o bom do Alexandre Dumas Filho (regressámos à infância, lembra-se?, perdoe-me pois o pouco alevantado das citações…), dizia ele, o Alexandre Dumas, Filho, que 'a honestidade é a maior de todas as malícias, porque é a única que todos os maliciosos não prevêem'. Como é verdade! Que grande malandro, no meio de toda esta tristeza, Você acabou por me sair, ó Gouvêa Lemos! Alguns deles a contarem que Você fosse se entregar e Você com aquele seu ar arrelampado, de olhos muito abertos e bigode murcho, a dizer na voz arrastada que a gente lhe conhece: 'Eu lá disso de contas não sei nada! Eu até só sou teimoso!…'
Pois é verdade, sempre acabei por achar aquilo que lhe queria dizer. Era afinal tão simples: do que gosto, em si, é, sobretudo, da honestidade, da tolerância, da bondade e dessa tão embirrenta maneira de ser 'malicioso'… Parece-lhe pouco?
Salvé, amigo velho! E até à próxima que há-de ser, se não estou em erro, no sábado, ao café, depois do almoço. Para nada em especial, apenas com o fim de, como diz uma boa amiga nossa, 'discutirmos um assunto',

Seu,

Eugénio Lisboa

[Semanário 'A Voz de Moçambique', nº. 146,de 13 de Setembro de 1964]

* A Quina era a hoje falecida esposa do advogado e intelectual moçambicano Dr. Adrião Rodrigues, amigos em comum do Eugénio Lisboa e Gouvêa Lemos.

*Pides - Os que serviam direta ou indiretamente à PIDE, policia politica do regime fascista de então.
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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

BOAS FESTAS!

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Gouvêa Lemos - Coluna Mesa Redonda
Este período que antecede o Natal, pela tradição e pelo significado, é um período alegre, risonho e de ternura universal.
Posto isto, vejamos se não é, também, uma grande estopada!
Os cartões de boas-festas vêm logo à cabeça. É uma prática de fina cortesia e de inegável cordialidade, essa troca de cartõezinhos ou de vastos impressos a cores, com votos de felizes festas e um próspero Ano Novo. É um laço que se ata em Dezembro, entre os corações das mais diversas gentes. Mas é uma bomba, pá!
Por exemplo: desta vez, eu tencionava manter-me anónimo e alheio a esse campo de actividades. Mas já não posso fazer tal, sem graves danos para esta reputação que prezo e me esforço por manter de criatura remediadamente educada.
Tenho, pelo menos, de agradecer e de retribuir uns poucos de votos, que me buscaram venenosamente e me encontraram, por fim. E segue-se a tragédia. Escrever cartões, arranjar envelopes de tamanho e formato funcionais, colar estampilhas, pôr no correio. E no meio dos afazeres inadiáveis e escravizantes de um sujeito atrapalhadiço, como sou, surge, a espaços, a sombra negra de um lembrete, os cartões. Ah, os cartões, tenho de fazer os cartões.
Depois vêm os presentes. Aqueles presentes bonitos, embrulhados em papel com árvores, caras de Pai Natal e fitas vermelhinhas. Não dou presentes a ninguém acabou-se. Mas olha que Fulano, Beltrano e Cicraninho já deram uns brinquedos aos garotos… surge sempre a maligna insinuação. E aí está outro problema agudo, a cotucar-nos o espírito. Compras, dinheiro e embrulhos, numerosos embrulhos - uma avalanche de embrulhos, um pesadelo.
Por fim, há que acertar com todos os casais amigos o que vamos fazer no Natal. Vocês vêm a nossa casa. Não. Vocês é que vêm à nossa. Mas que ideia! Pois isto já ficou assente desde o ano passado! Geralmente, a estratégia é jantar nas duas casas. Em uma delas, na véspera e na outra, no dia propriamente dito.
E a passagem do ano? Onde vamos passar o ano? É atroz esta dúvida. Estava combinado irmos com XX. Mas eu já disse aos YY, que sim… E ameaça-nos a sombra dos melindres. De bom conselho é, em tais casos, sermos acometidos por um ataque de fígado, no dia 31, à noite, procedendo-se à substituição do calendário, na parede da cozinha tomando uns sais de frutos. Que ninguém veja nisto um sinal de menos respeito pela maravilhosa época, vivida por toda a Humanidade, em Dezembro. Ah, não. Que ninguém escreva para o Debate!
Mas que também é uma grande estopada isso é. Sobretudo, porque não temos férias, durante o mês inteiro, para bem tratarmos de todos os pormenores e de todas as regras de uma vida social correcta e amistosa.
Entretanto, meus amigos, Boas Festas.

(Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1700, 20 de Dezembro de 1957, p. 1)

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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

LULUS E VIRA-LATAS

Gouvêa Lemos combatia a falta de ética no jornalismo, na condução da função de jornalista em si, como nas relações entre os profissionais ou mesmo entre as organizações de imprensa, especialmente as da "Província".
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Lembro-me da Mãe me comentar que esta crônica nasceu de problemas com um colega do próprio grupo "Notícias da Tarde", mas ligado ao “Notícias” (dois jornais do mesmo grupo empresarial). Não colocarei aqui o nome que tenho em memória desse “colega” por receio que esta me traia e com isso passe por leviano.
De qualquer forma os conceitos abordados na crónica "Lulus e Vira-Latas" podem ser projetados em várias situações e posturas de seres humanos, na área do jornalismo de então, no atual, ou mesmo em outras posições profissionais ou sociais.

Zé Paulo




LULUS E VIRA-LATAS - Gouvêa Lemos, na Coluna "Mesa Redonda"

Como brotam e como enrigessem os verdes troncos - com bom adubo -, lado a lado, dos cobardes e dos aventureiros! Dos lulus e dos vira-latas.
Nunca foi tão fácil a vida para os cretinos e para os nulos, desde que sejam apáticos ou espertos. Ou melhor -: aparentemente apáticos e na realidade espertos. Basta dizer que sim, que sim e por trás da cortina pedir que mais, que mais. Garantir que V. Exª. é um sustentáculo do império e esperar um dividendozinho da exploração industrial do mesmo império. Império que não tem nada a ver com a verdadeira acepção da palavra. É um império diferente. Trata-se de imperar sobre a credulidade alheia; sobre a bondade alheia; sobre a educação alheia; sobre os escrúpulos alheios. Sobre tudo o que é alheio e positivo, mas não se manifesta.
É sobre tudo isso que se tepa, se lançam raízes e se germina e cresce. Os cretinos e os aventureiros. Os lulus e os vira-latas.

( Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1686, de 04 de Dezembro de 1957, p. 1 e 2)

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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

“Católico-progressista...”

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Jornal Tribuna – 1962

Fiquei admirado um dia destes ao ouvir que é mau ser católico-progressista. Confesso que julgava outra coisa e nunca supus que por trás de tal designação se escondessem tão pérfidos sujeitos, que sob capa de santos, afinal tramam a perdição do mundo e a desgraça da humanidade. Assim como se trouxessem o terço na mão esquerda e um punhal na direita. Ou ao contrario; quer dizer, o punhal deve estar na esquerda..!
Pensava eu que um católico-progressista era uma pessoa que, além de crer em Deus e seguir a fé cristã, obedecendo à Igreja Católica, se comportava de harmonia com uma consciência social, que lhes advinha da própria doutrina social dessa mesma Igreja, preocupando-se com o cumprimento dos princípios expostos nas encíclicas pelos Papas que se debruçaram sobre os problemas humanos do seu tempo.
Em linguagem popular, eu poderei dizer que estava convencido de que um católico-progressista era um cidadão que por ser temente a Deus, não se contentara em tratar de solicitar com fervor a salvação da sua alma, prosternando-se perante os altares, e promovendo concomitantemente a salvação do seu corpo, prosternando-se, cá fora, perante os poderosos, além de buscar a indispensável tranquilidade de espírito, em relação ao seu semelhante (ama o próximo como a ti mesmo), dando regularmente a sua esmola.
Uma espécie de avença: o céu, a dois escudos por semana – ou mais, consoante as posses. Vide os exemplos edificantes dos cidadãos filantropos, a quem os bens morais até logram correspondência nas honrarias deste mundo, sob a forma de comendas, bustos, lápidas e outras consagrações.
Julgava eu que ser católico-progressista era mais que isso, que tanta vez não significa nada além de egoísmo e vaidade, comodismo e inconsciência desumana. Julgava eu que ser católico-progressista era ser católico e progressista. Isto é, viver a sua religião e lutar pelo progresso do homem; honrar a Deus e ser irmão do homem; ao fim e ao cabo honrar a Deus, sendo fraternalmente defensor de todos os homens. Quando os homens sofrem misérias, ser contra a miséria; quando os homens sofrem injustiças, ser contra a injustiça; quando os homens sofrem prepotências, ser contra a prepotência; quando os homens são explorados, ser contra a exploração; quando os homens são escravizados; ser contra a escravidão; quando os homens são ignorantes, ser contra a ignorância. Quer dizer; não ser retrógrado, ser avançado, não ser regressista, ser progressista.
Julgava eu que assim deviam ser todos os católicos; mas activamente, e não só por atitude, não só por ir à missa todos os domingos e tratar reverentemente a hierarquia da Igreja e sem ser da Igreja. Julgava eu que Jesus Cristo não tinha vindo ao mundo criar magníficos poemas para recitarmos de joelhos, pelos séculos dos séculos e sim ditar uma doutrina para se realizar.
Julgava eu que um católico era progressista na medida em que se esforçasse por realizar essa doutrina, tendo de arrastar até com perigos, os perigos personificados pelos sujeitos que cerram fileiras e apontam dedos quando não apontam armas contra os que desejam progresso, paz e fraternidade, e que sendo católicos, aspiram pela dignificação do homem que Deus criou à sua imagem e semelhança, e que ainda se arrasta por esse mundo além, em condições que até fazem duvidar dessa Verdade.
Julgava eu e julgo – pois dou ao diabo o que dizem esses fariseus que haviam de crucificar Cristo uma e cem vezes, se Cristo voltasse à Terra, e eles a governassem.
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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

“A terminologia no Jornalismo”

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Jornal Tribuna – 1962

O monhé* U Thant e o mulato Bunche são expressões que leio em artigos de jornal cá da terra. Artigos sobre um problema de política internacional, que tal é o da intervenção da ONU na província congolesa do Catanga. Não sou amigo, parente ou inimigo do Sr. U Thant nem do Sr. Bunche, como não sou amigo, parente ou inimigo do Sr. Tshombé ou do Sr. Adenauer, por exemplo. Falando de personalidades como estas, em artigo de jornal, só há uma coisa que eu devo ser; jornalista.
Assim, o que acontece é que mesmo quando pessoalmente eu não simpatizasse com o papel desempenhado por Tschombé ou com a política representada por Adenauer, nunca os chamaria em crônica política, respectivamente, moleque ou boche**, por exemplo. Até nem soava bem. E quando um jornalista se dedica ao comentário político deve abster-se de insultar pessoas que, para mais, nem o conhecem, e portanto, nem lhe podem partir a cara.
Confrange-me ver praticar-se jornalismo assim. Ainda para além do que se pode simplesmente ter como intuição ou daqui com sensibilidade dos leitores, até acontece que pude aprender umas coisas desta atividade que é a minha profissão, e lembro-me bem de me ter sido ensinado que o comentarista político deve manter, antes de tudo, a sua serenidade de espírito, indispensável para atingir a imparcialidade obrigatória e conseguir a observação justa.
Ora, quando um sujeito se ocupa de política internacional e, logo de saída, adjectiva desrespeitosamente importantes personalidades intervenientes nos factos que vai focar, ele pode estar disposto a tudo, até a alistar-se como voluntário desinteressado monetàriamente (para não ser mercenário), mas não está a fazer jornalismo.
Em nome de quê, gostava eu de saber, com que autoridade moral é que um sujeito em Lourenço Marques, publica artigos a chamar monhé a U Thant e mulato a Bunche (revelando aqui mesmo um belo racismo de muito nível), só porque não está de acordo com a atitude assumida pelas Nações Unidas no Catanga?
Despreza-se o público para quem se escreve, por duas formas; porque, em vez de esclarecimento de um problema se servem insultos; quer dizer que onde se devia ajudar o leitor a formar uma opinião, se solicita a irritação, a exaltação, a raiva; e porque, traindo um dever da Imprensa, se baixa a terminologia a um plano de cavalariça, esquecendo que é no jornal, precisamente, que uma grande parte da população vai colher elementos para o enriquecimento da sua linguagem.
Embora já estivesse habituado a ler por aí, segundo uma técnica de títulos muito inusual, palavrões em parangonas, insultos a colunas, que aliás deve ter causado grandes perturbações nos areópagos internacionais e dado amargos de boca aos governantes das maiores potencias... desta vez tive mais pena, confesso, porque a coisa foi lida no “Notícias”.
Não é jornalismo tal pratica. E até nem é conveniente, pois isto de políticas é coisa de grandes contingências e reviravoltas e nunca se pode jurar que não venham necessidades da mesma ordem que orientam hoje as remessas de lama, a impor aspersões de água de rosas sobre as mesmíssimas cabeças. Nisto de políticas, a gente nunca sabe no que dá.
Além de que não é bom generalizar o hábito de homens dos jornais chamarem nomes feios em função de aspectos físicos, o que pode levar a resultados desastrosos.



Notas do António Maria:


*Monhé - adjetivo em parte ainda usado - em Portugal e todas as ex colônias africanas - para identificar as pessoas de origem indiana ou paquistanesa.

** Boche - adjetivo em parte ainda usado - em Portugal e todas as ex colônias africanas - para identificar as pessoas de origem germânica. (A palavra Boche tem a sua origem na marca industrial alemã, conhecida mundialmente; Bosch)

Ambos adjetivos mencionados acima, apesar de serem irrefutavelmente depreciativos na sua origem, são usados também algumas vezes na linguagem popular entre amigos. Assim como no Brasil se usa ainda os termos; “nêgo”, “morena”, “japa” ou “galego”, sem se ter a intenção de ofender alguém, ou estar diretamente ligado com a origem racial da pessoa a que se refere. Em Moçambique usa-se também a palavra “monhé” para descrever um “comerciante astuto” . E “boche”, define alguém “disciplinado” e voltado para a “qualidade” do que se faz.
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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Em tempos de descoberta de água na Lua, vale a pena reler...

Coluna Mesa Redonda - por Gouvêa Lemos, em Dezembro de 1957


VAE VICTIS!


Ninguém pense que a URSS tem saldo positivo de pontos neste match sem fim com número ilimitado de rounds, em que anda entretida com os EEUU.

Não. Esses socos, género satélites e projécteis e mesmo o recente uppercut na atmosfera, que foi o tal goofnik americano, são coisa nenhuma no campo do espírito e das ideias. E aí, sim, é que se travam as grandes batalhas e se conseguem as vitórias duradouras, efectivas.

Ora, pelo que sabemos, o comunismo não fez, até agora, estragos notáveis na América. Até se considerou McCarthy um visionário, a esgrimir com moinhos de vento. Há por lá uns tipos isolados com a mania do marxismo, que nada representam se os compararmos, em número e significado, com os que têm, por exemplo, a mania do chewing gum.

Em contrapartida, soube-se por uns rapazinhos russos, jogadores de qualquer coisa, recentemente idos a Londres, que o rock'n roll, além do jazz, entrou já na Rússia e que Elvis Presley tem uma grossa falange de fans soviéticos.

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Pronto. Vejam, depois disto, se conta alguma coisa, no plano do domínio universal, a tal luta pelo espaço. A Rússia do futuro há-de mandar o Khrushchev para a Lua, em foguetão especial e o Rock dominará, por fim, as estepes!… Pobre Kremlin! Vae victis…



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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

GL ouvia isto...


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sábado, 7 de novembro de 2009

Gouvêa Lemos por Luis David

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Depois que retornei a ter mais contacto com Moçambique e/ou com pessoas de e em Moçambique, facilitado com o advento da internet, vi pela primeira vez na imprensa moçambicana alguém do meio a reverenciar o nome do jornalista Gouvêa Lemos formalmente.

Quando isso aconteceu já eu vinha a algum tempo tendo contacto com o Luis David, e a mim já me passava toda a sua admiração pelo trabalho e pessoa do GL. Ele e a sua companheira Ana David. A Ana é, inclusive, responsável por hoje eu ter algumas das crônicas que estão e estarão sendo mostradas neste espaço, pois como boa amiga teve a iniciativa de pesquisar e me enviar um valioso material.
A crônica do Luis David aconteceu em um momento não feliz para nós, filhos do GL e da Pim, pois foi quando eu lhe passei a notícia do falecimento da Mãe, quando nos honrou com um belo espelho dos que foram um casal.

Zé Paulo


Um jornalismo que precisamos saber seguir


Não resisto hoje, aqui e agora, a transcrever uma mensagem que me chegou por via das novas tecnologias. Pelo computador. Diz assim: "Maria Madalena Queriol Macieira Moreira de Carvalho Gouvêa de Lemos, viúva do jornalista luso-moçambicano Gouvêa de Lemos, faleceu no dia 4 de Abril de 2000. Madalena, Pim para os amigos da família, faleceu em consequência de um aneurisma cerebral seguido de um colapso cardíaco aos 76 anos, 2 dias depois do vigésimo aniversário do falecimento do seu companheiro António Gouvêa Lemos. Madalena representou a verdade do ditado que diz: "Por trás de um grande homem sempre existe uma grande mulher". Compartilho Madalena com o jornalista e homem Gouvêa Lemos momentos de grande sacrifício em nome da lealdade com os princípios de justiça e de coerência, com os ideais éticos necessários para se ser um jornalista de facto e de direito. Madalena ficou viúva aos 49 anos com cinco filhos para criar. Nunca tinha trabalhado até então mas transformou-se em uma leoa para com muita dignidade criar e preparar a sua prole para a vida. Deixou de ser só Mãe para passar a ser também Pai sem nunca ter deixado de faltar a seu filhos a presença do exemplo que tinha sido o Pai por direito, na sua integridade como ser humano. Como sou feliz por ter tido a sorte de ser filho destes dois PAIS que além de tudo me deram os meus queridos irmãos.".
Infelizmente, esta mensagem não é dirigida a mim. Ou só a mim. Ela é dirigida, e por isso aqui a divulgo, a quantos conheceram e privaram com Gouvêa Lemos e Madalena. É que eu, de Gouvêa Lemos conheço apenas o exemplo, quando ainda aprendiz de jornalista. Ou, neste hoje, o testemunho e a admiração pelo pai sempre presente nas mensagens enviadas pelo filho Zé Paulo, vivendo lá por terras dos brasis e que não conheço pessoalmente, e, também, pelo seu irmão António Maria, que vivendo pelos centros da Europa, já tive o prazer de aboletar em minha casa nesta terra que sendo minha é de todos nós. De quantos, por ela lutaram e lutam com dignidade. Deixo, assim, uma mensagem a Maria Inês Nogueira da Costa e a António Soupa para que acelerem a edição da obra sobre Gouvêa Lemos, com o patrocínio do outro seu amigo Eugénio Lisboa. E, aqui não pode ficar de fora Fernando de Magalhães, o autor do texto "O homem que queria ser jornalista". Como não podem ser esquecidos Malangatana e Ricardo Rangel a par, certamente, de muitos outros que, tendo estado a seu lado quando isso lhes foi útil, enveredaram por caminhos diferentes. Mas, deixemos de lado os medíocre e os oportunistas. Apelemos, então, aos homens bons deste país, aos amigos de Gouvêa Lemos, já citados alguns, para que a cidade da Beira lhe dê nome rua e o Presidente da República o condecore a titulo póstumo como exemplo de jornalista e de um jornalismo que precisamos saber seguir.

* O Luis David é jornalista moçambicano, reponsavel pelo blog "Antes e Depois".
**A imagem é parcial de um quadro do artista plástico
Vitor Lemos, irmão do jornalista Gouvêa Lemos.
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Retalho do programa radiofônico “Escola Nova” de Lisete Lopes

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PERGUNTA: O que pensa da criação dum jornal infantil e qual a orientação a dar-lhe?

RESPONDE Gouveia Lemos

Toda a gente concorda que em qualquer literatura especificamente infantil, deve-se orientar pelo futuro dos homens em potencial, a quem se dirige, cultivando neles valores positivos do espírito.

As crianças estão a brincar no átrio da sociedade em que hão-de cumprir a sua vida; pois então que a literatura infantil as integre harmonicamente nessa sociedade, fazendo-as amar o próximo, estimar a paz, buscar o progresso da Humanidade.

Posta esta hipótese de ser editado um jornal infantil em Moçambique, decorre daquele pressuposto, que essa publicação terá de ser, além de indispensável divertimento e jogo intelectual à medida do entendimento dos seus leitores, algo mais que um jornal de quadradinhos, igual a tantos outros, importados, que por aí se vendem, tipo “stantard”, estereotipados na tipografia e no contexto. Para fazer mais um desses e gritar depois que o prefiram porque é local, vale mais estar quieto. Julgo que um jornal para as crianças de Moçambique tem um importante papel a cumprir e só poderá cumprir se for defendido, logo ao nascer, de certas deformações correntes, há muitos anos.

(Lembro-me, a propósito duma certa manhã de sábado, em que o meu filho mais velho chegou da Escola, impressionadíssimo e confuso, por causa duma história de piratas, que fora o tema duma prédica).

Ora, se tal jornal aparecer – e oxalá que sim – deverá colocar o seu leitor num pedestal, onde só cheguem sentimentos como a fraternidade, sobretudo, para além de raças. (Serei mais claro, pois ninguém me acusará de racista, pelo meu anti-racismo). Um jornal infantil de Moçambique não pode conter, nas suas histórias, exclusivamente, heróis de caracóis loiros, como não deve inserir, subsidiariamente, histórias para africanos. É necessário que se crie uma literatura infantil bem nossa, isto é, que reflita esta sociedade que constituímos e sirva verdadeiramente à sociedade que pretendemos desenvolver.

Que em cada pequeno leitor se fecunde a matriz da igualdade e não se consinta no aparecimento de pragas como os preconceitos de que a Humanidade, tanto a custo e com derramamento de tanto sangue, se vem pelos séculos libertando.

Penso que, entre nós, a preocupação máxima, absorvente, de todos os instantes, na educação dos nossos filhos - que não são poucos mil, mas alguns milhões – deve ser essa. Portanto, na nossa quiçá nascente literatura infantil, o primeiro artigo dum programa de trabalho será relativo a essa preocupação, para que os meninos não venham a julgar-se, na melhor das hipóteses, protectores em vez de companheiros, padastros em vez de irmãos.

E outra preocupação deve ser a de não acarinhar e exaltar instintos bélicos nas crianças; nada de armas, basta de tiros.

Fale-se-lhes num mundo de paz, sem pistolas nem bombas, com toda a gente feliz, e explique-se-lhes que isso é possível, se todos os homens quiserem.

Sei que não disse nada relevante sobre literatura infantil, na generalidade; mas acredito que, hoje, não será inteiramente inútil dizer estas coisas que penso, sobre o futuro das crianças de Moçambique.

[Jornal Notícias – em fins da década de 50 ou incios da década de 60]

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terça-feira, 3 de novembro de 2009

BEM TAMBÉM NÃO FAZ…, Por Gouvêa Lemos, em 1957

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Reunião do Conselho do Atlântico Norte
a nível de Chefes de Estado e de Governo, Paris, França, 16 de dezembro de 1957
Fonte: Site da Nato

O meu amigo Almeida, enfermeiro, que durante uns anos me amparou nas gripes e esgrimiu com o meu paludismo, costumava, quando eu de minha própria medicina lhe pedia umas drogas, gracejar assim: - Tome. Se não lhe fizer mal, bem também não faz.

É um veterano e competente profissional, que já viu chagas e gangrenas, desde Macau a Cabo Verde e tem mais fé no bisturi, no termocautério e nos pontos naturais, do que em demoradas terapêuticas.

Agora, lendo telegramas e embrenhando-me, por dever de ofício, no que dizem e redizem os chefes de Estado reunidos em Paris, na discutida conferência da NATO, lembrei-me do meu amigo Almeida enfermeiro.

A experiência tem-nos ensinado que não é pelos motivos agitados que nessas assembleias, que se fazem as guerras - ou que se não fazem.

Seja como for, é preciso discutir. Se não fizer mal, bem também não faz…

[Col. Mesa Redonda - Notícias da Tarde 1957]
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domingo, 1 de novembro de 2009

Dias Eleitorais, por Gouvêa Lemos – Notícias da Beira – 15/06/1969


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Vivemos dias intensamente eleitorais. Sentimos isso – nós, os jornalistas profissionais de Moçambique – no noticiário internacional que publicamos, nas conversas de café (o café é a nossa horta) e no pequeno mundo da classe profissional.
Estamos hoje chegados ao termo da eleição presidencial imposta à França, no referendo de Maio, pela derrota do general De Gaulle. A vitória do general De Gaulle está à vista, como se sabe, garantindo-se a continuidade do regime no nariz gaulista de Pompidou e no resto.
Aqui ao lado, faltam poucos dias para outro referendo, em que Ian Smith resolveu fazer um jogo perigoso. Quantos dirão sim e quem dirá não às bases sem realismo duma constituição racista e sem futuro? Falta a Smith a altura do grande Charles. Falta aos farmers da Frente Rodesiana, que empurram Smith para esta aventura, saberem política. E falta saber quem pagará a conta, já que nos últimos quatro anos não têm sido só os rodesianos a suportar os encargos da independência unilateral. Nós sabemos disso.
No âmbito interno, fala-se por aí de candidatos a deputados por Moçambique à Assembleia Nacional. Ainda não se sabe, ao certo, quem serão eles e, portanto, seria prematuro fazer quaisquer comentários a seu respeito. Referem-se, porém, alguns nomes de ex-futuros-candiidatos. Pessoas que estiveram indigitadas para figurar em listas de candidatura e que, depois, foram retiradas. Toda a gente que conheço concorda com a retirada. Os responsáveis devem considerar este facto um bom indício. Uma espécie de consulta pré-eleitoral com resultado positivo.
Também os redactores e repórteres da Imprensa diária andam em ânsias de voto para a eleição dos primeiros corpos gerentes da secção de Moçambique do Sindicato Nacional dos Jornalistas, a realizar esta manhã. Supreendentemente, no pântano fizeram-se ondas e, mais que a lista única, surgiram duas, apareceram três. A segunda anulou a primeira, é verdade, mas da simbíose resultante, apesar de eficientemente apoiada por astuta articulação e penetrante propaganda, parece que não vai nascer o triunfo, por uma dessas circunstâncias fortuitas, poderosas contingências de valor psicológico, tantas vezes decisivas das eleições, à margem e acima dos mais prestigiosos candidatos e promissores programas. O caso é que, havendo práticamente uma só lista, a certa altura reformulada, em que o lugar do presidente da Direcção apresentava como candidato Rui Cartaxana, chefe da Reportagem do «Notícias», de Lourenço Marques, parecia que este vencedor certo, com votos da capital, onde está, e da Beira, onde esteve durante anos e ganhou fama. Até certa data, os inquéritos a que ele próprio procedeu, com insistente actualização, davam-lhe uma tranquila margem. É certo que também se falava um pouco do João Manuel Ferreira Simões, delegado do «Notícias da Beira» em Lourenço Marques, que tem sido o delegado do Sindicato em Moçambique e que nessa trabalhosa e humilde tarefa se tem portado com brio e dedicação. Mas ninguèm supunha que o Ferreira Simões, voluntáriamente afastado da campanha e, para mais, ao serviço dum jornal da Beira, detivesse a carreira disparada do Rui Cartaxana. Eis senão quando, uns colegas atentos, de espírito muito analítico e temperamento laboratorial, julgaram descobrir e fizeram constar que uma crónica bem escrita, de agradável humor e lúcida ironia, sobre a idade aparente das senhoras de aparente idade, que o Rui Cartaxana subscrevia no «Notícias» de 25 de Maio p.p, já tinha sido públicada no «Diário Popular» de 13 do mesmo mês, com assinatura de Luíza Manoel de Vilhena. Amigos da onça, estes sujeitos, portaram-se como cabos eleitorais do Ferreira Simões. Não contentes com a descoberta, propalaram logo que o Cartaxana é useiro e vezeiro na prática de beber quase todo o conteúdo e comer a forma quase toda de artigos suculentos de bons especialistas, apresentando-se depois a opinar ex-cátedra sobre assuntos económicos e de outra natureza com admiráveis pontos de contacto entre o seu articulado e as teses de qualificados colaboradores da «Seara Nova», por exemplo.
Ora, se é por isto que ele perde a eleição, acho injusto. O jornalista é um agente de informação , um factor de cultura. E torna-se muito delicado e difícil distinguir entre o que ele transmite, por ter assimilado e o que reproduz, simplesmente, porque é um apóstolo da comunicação. O próprio Rui Cartaxana virá dar-nos uma explicação do fenômeno. A priori, devo dizer que não acredito em plágio. Nesta época de vida urgente em que a seleção e a condensação se apresentam como virtudes dos mais media, a compilação do que de mais importante se escreve na Imprensa não diária, beneficiando os leitores dos grandes quotidianos, constitui trabalho não menor da atividade jornalística. Bem grande nesse labor o dr. Videira Pires, que Deus haja. Por que bater no Cartaxana? Se o meu camarada Ferreira Simões for eleito, hoje, em consequencia deste grave equívoco, não poderá orgulhar-se da vitória.
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sábado, 31 de outubro de 2009

Momento de Poesia

Anoitecia quando eu passei
Na doca dos pescadores.
Uma lanterna luzia à ré
Duma traineira sem nome.
A mancha dos mestres humildes
Sem nenhuma galhardia
Riscava de carvão
A cinza do anoitecer.
E parando-se a olhar
—Olhando somente o mar—
Eu parado não sabia
Se os homens são bons ou maus.
Passou um carro a zunir
E lá dentro vozes riam.
Depois fiquei só, mais a noite
Mais os barcos e a lanterna,
Submersos em maresia.
Um vulto, de repente
Roubou a luz amarela
Àquele nocturno palpável,
—Oh! João! Já vais?…
Da terra ninguém respondeu.
Só se ouviu de novo o mar.
E enquanto ali fiquei
—Preso ao mar e libertado—
Por mais que eu procurasse,
Nenhuma ideia encontrei
—Nada que me lembrasse
Problemas sociais.
As palmeiras da avenida
Com o vento recitaram
Umas frases sem conceito.
E nada mais.

Gouvêa Lemos
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PATRIOTEIRISMO

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaftWsRhHV6pyfj5uLZ7fH4MGrdtoJxifjs8QQX6qZQ6u66St_HlMMV7_34Oz3nIOzcpQ1KxLdoFLSJxfxzKxUUI4llJwLHYX3EvbSa4e8qfE500UjU4gQudxpQ7FJAaxiiOs15sA-ipRY/s320/haste.jpgA consciência plena da nacionalidade que se tem, o orgulho inteligente de a ter, fundamentados ambos no verdadeiro conhecimento da História e na apreciação imparcial das realidades actuais; mais a preocupação sincera pelo futuro da Nação de que se é membro, com o desejo de colaborar na elevação do seu nível econômico, social e espiritual - tudo fundido na forma de uma personalidade vincada, que leva a guardar ciosamente o direito de ter opinião e participação no que é nacional e tudo realçado pelo amor à terra que é a nossa, a dos nossos antepassados e a dos nossos filhos e pela veneração das memórias daqueles que se ilustraram, de qualquer modo, ao serviço da Nação e ainda pelo respeito daqueles que abnegadamente a servem hoje - tudo isso se chama patriotismo.
É um sentimento antigo, cuja origem se perde nos séculos e tem raízes na própria natureza humana.
Não foi criada recentemente e não se manifesta por gritos, melindres histéricos, escrúpulos despropositados e receios de invasão por forças estrangeiras através de manifestações ligeiras e divertidas, de actividades inconsequentes e de factos, frases ou escritos sem qualquer significado especial.
Aí começa outro fenómeno e esse não tem nada a ver com o cérebro nem com o coração. Só terá a ver alguma coisa com o cérebro, em certos casos e isso mesmo, se considerarmos a esperteza uma qualidade intelectual. De resto, explica-se pela ignorância, pela estupidez ou pelo desequilibro nervoso. É o patrioteirismo.
Encontra-se muito nos sujeitos que se arvoram - eles próprios - em pais da Pátria e que se sentem no dever de se ofenderem - por ele e pelos que julgam indiferentes - como tudo quanto se esforçam por considerar grave e não tem gravidade nenhuma. Indignam-se e pespegam lições de portuguesismo, sem cuidarem primeiro de saber se quem as recebe delas precisa ou as pode ministrar. Falam sempre na primeira pessoa. Porque eu, na minha qualidade de português, jamais consenti, não consinto nem hei-de consentir que, diante de mim, etc. e tal.
Há também os que se afligem, no seu portuguesismo de alfarrábio, porque se comparam em certos campos, realizações estrangeiras ou conquistas de outros povos, como o que nós fazemos, com o que nós temos. E não curam de explicar ou de justificar as diferenças, nem dão tempo a que o outro faça tal. Enfurecem-se patrioteiramente e, envergando a armadura, enfiando o elmo e de lança em riste, acometem o mouro, berrando sandices.
O patrioteiro - da família das sensitivas - dá-se muito bem em climas quentes.

[Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1705, em 27 de Dezembro de 1957, p. 1 e 5 na Col. Mesa Redonda.]

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Carta aberta a Gouvêa Lemos e a tecnocratas - Por Carlos Adrião Rodrigues

Esta "carta", escrita pelo Dr. Carlos Adrião Rodrigues, foi editada no jornal V.M. (Voz de Moçambique) de 06 de Fevereiro de 1972, quando Gouvêa Lemos estava de partida para o Brasil.


Carta aberta a Gouvêa Lemos e a tecnocratas.
Por Carlos Adrião Rodrigues


Meu caro Gouvêa Lemos:


Soubemos que se ia embora, por altura do Natal, época de Paz, Caridade e Amor, como mandam as virtudes cristãs. Por essa altura é costume as corporativas festas das empresas, onde bota formalmente discurso o director de companhia ou gerente. Nas taças verte-se, às vezes, champanhe - Monte Castro nas dos empregados, Moet et Chandon, sorrateiramente, nas dos directores. Tudo aquilo borbulha e os corações põem-se em uníssono quando o director fala. E o director fala sempre do capital humano. É de bom tom, é chique, está na moda. Director que não fala de capital humano arrisca-se a não ser cumprimentado na rua pelos seus colegas directores e a levar umas piadas no Sheik rico, quando se reunir com outros directores que Portugal precisa do seu capital humano, que é preciso fixá-lo à terra e alguns mais saudosistas, arriscando-se ao franzir de olho de um tecnocrata mais evoluído, dirá mesmo que todos não somos de mais para continuar Portugal. O que, aliás, é corroborado pelas estatísticas do último censo que aclaram que somos menos.

Ora este capital humano somos você e eu, meu caro Gouvêa Lemos, e outros como nós que não fomos para a França ou para a Alemanha ou mesmo para a pobrezita república vizinha, a da moeda fraca e desvalorizada.

Formam-se comités para fixar o capital à terra e dizem-se até que o director da companhia em que você estava era pessoa muito salutarmente activa em fixar a Moçambique esse capital humano itinerante que é o nosso soldado. E assim tem surgido, embora com a parcimónia dos nossos meios, o soldado-colono.

Pois é nesta altura que você, meu caro Gouvêa Lemos, que foi e é, o mais certo, o mais competente, o mais qualificado e o mais vertical dos nossos jornalistas, tem de deixar a terra, o país, a Pátria - e ir-se embora, para terra estrangeira, embora irmã na língua.

Você tem no seu palmarés, aqui em Moçambique, e que eu saiba, a 'Tribuna' (a tal); a 'V.M.' (semanário) e o 'Notícias da Beira'. Tudo jornais que você fez, de cujas vicissitudes não é responsável, mas que foram, durante o tempo em que você efectivamente os orientou, o que de melhor se fez no jornalismo em Moçambique. Muita gente que julgou que a 'Tribuna' era as 'deixas' da 1ª. Página, a 'V.M.' o impacto também da 1ª. Página, e o 'Notícias da Beira' o escorreito da paginação. Mas não era nada disso. Era, sobretudo, a dignidade do tom, a justeza das posições tomadas, a renúncia a excitações demagógicas do leitor e ao sensacional fácil. Tudo isto, por 'fas ou por nefas' - e se exceptuarmos a 'V.M.', evidentemente, onde só a qualidade se perdeu - desaparece ou se esbate quando você se afasta. Lembro-me que na 'Tribuna' bastou você ao fim de meses de trabalho sem folga ir à praia para aparecer o célebre 'Vamos chovar'!

Muita gente esquece-se que o jornal não é um tribunal, nem uma Assembleia; um jornal é um… jornal. Ali se arrumam os factos, se informam as pessoas e se expressam opiniões, com as quais se tenta formar as pessoas. Mas formar pessoas é, sobretudo, não arregimentá-las, é criar-lhes o sagrado hábito de pensar.

Tudo isto você tentou fazer. Foi um bom combate, mesmo que não tivesse sido ganho. Mas agora que a preocupação dos que dominam os jornais é precisamente oposta à forma como você encarava o jornalismo - não há dúvida que a única solução é emigrar.

Nós por cá, Gouvêa Lemos, vamos ficando. Somos cada vez menos. Muito provavelmente teremos alguns que lhe seguirão as pégadas. Já não somos sequer os puros que éramos, alguns anos atrás. Mas há uma coisa que ainda somos e por isso nos diferenciamos dos outros animais: seres humanos!

[In: A Voz de Moçambique, Lourenço Marques, ano XIII, nº. 358, 6 de Fevereiro de 1972, p.2]

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Ainda o Poeta Craveirinha

Gouvêa Lemos

Mais
Uma vez esses
Teus princípios de costume
Em começar o próprio destino
Na eterna mudança

Meu
Doido poeta
Sempre na aventura de partir
Não indo embora


Racismo

Comeste
À mesma mesa o branco
Arroz da mulata Maria servindo-te
O molho da mútua fraternidade.

Era
Essa a tua guerra
Ou era só isso o teu excêntrico
Racismo?
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBm06oqu05pDzcG7psq8stYd4dOPGyaC3mvvWsjMA_NgA2gkfedcCJ3xz9J684YX-1HsGqMKXqKav7eucdZirD2Dmd5Eaak12RaWGOsmb0weXiSzGt_Hrp1Sn5_dut-v7mlH76qCu7CuoP/s200/craveirinha1.jpg
*Clique sobre a imagem para ler os poemas datilografados pelo Poeta.
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GL ouvia isto...


Zé Paulo Gouvêa Lemos14:512 comentários: Links para esta postagemhttp://img1.blogblog.com/img/icon18_email.gifhttp://img2.blogblog.com/img/icon18_edit_allbkg.gif

O chapa e poeta José Craveirinha.

O Poeta José Craveirinha, na década de sessenta, escreveu um bilhete comentando sobre Gouvêa Lemos. Dizia ele:

"Têm complexos aqueles indivíduos de cor que:
Não tiveram a sorte de conviver com um branco da grandeza moral de um Gouvêa Lemos que fazia um mulato ser mulato, um preto ser preto, todos sentindo-se completamente homens ao lado de homens;
Em termos de teologia serem filhos do mesmo Deus, em termos de moral serem todos bons e em termos de ciência serem pessoas normais."

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6lBT8iIGXw1eSoV0sVRLOjpnKCyxSd7Iy6Ur7AyAymwBrlv0IgKqDtAmNU8xDJgY6H0ptG9mtKVBjmBZIIqKanLA6wxtgu59miuh3AmsHx_99vUjVw680V5k6LrKI2GlvhSLV8hl562eF/s400/crav.JPG
*Clique sobre a imagem para ler o comentário escrito pelo punho do Poeta.
Zé Paulo Gouvêa Lemos14:45Nenhum comentário: Links para esta postagemhttp://img1.blogblog.com/img/icon18_email.gifhttp://img2.blogblog.com/img/icon18_edit_allbkg.gif

1972 - Entrevista à Rádio Moçambique - Última parte


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1972 - Entrevista à Rádio Moçambique - 3a. parte


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1972 - Entrevista à Rádio Moçambique - 2a. parte


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1972 - Entrevista à Rádio Moçambique - 1a. parte

Como documento histórico do jornalismo de Moçambique, entrevista do jornalista luso-moçambicano, na década de 70, meses antes da sua morte.

Zé Paulo Gouvêa Lemos14:282 comentários: Links para esta postagemhttp://img1.blogblog.com/img/icon18_email.gifhttp://img2.blogblog.com/img/icon18_edit_allbkg.gif
“Sr. Procurador, diga ao Governador que não me vendo nem às esquerdas nem às direitas!”
De Gouvêa Lemos, ao receber uma proposta para ser diplomata em um país africano com o objetivo de o afastar do jornalismo luso-moçambicano na década de 60.
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GL - Jornalista luso-moçambicano

GL - Jornalista luso-moçambicano
18/12/1924 - 02/04/1972
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Serviu no jornalismo moçambicano nas décadas de 50, 60, e inicio da 70.
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Com o arrependimento é a primavera da virtude, espero minimizar nos postais futuros. Aquele abraço e visite-nos, sempre. HM



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